Inexigibilidade de licitação para serviços de informática

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Obrigatoriedade de licitar. Inexigibilidade e dispensa como hipóteses excepcionais.

A realização do procedimento licitatório, segundo as modalidades previstas no ordenamento jurídico, é a regra vinculante da Administração Direta e Indireta antes da celebração dos contratos administrativos, nos termos estritos do artigo 37, XXI da CR/88 e das normas gerais da Lei Federal nº 8.666/93. Portanto, para que sejam firmados contratos administrativos, em princípio é necessário realizar licitação conforme as modalidades previstas na legislação federal veiculadora de normas gerais. A jurisprudência e a doutrina insistem na obrigatoriedade de licitar como um dever inafastável à luz da CR/88 e da legislação infra-constitucional. Com efeito, sempre que cabível a licitação, é essencial a sua realização.[1]

Nesse contexto, as hipóteses de contratação direta são exceção que, como tal, não admitem interpretação extensiva, nem mesmo ampliação das hipóteses autorizativas em outras esferas da federação ou no exercício do poder regulamentar ou regulatório. As situações em que é cabível dispensa de licitação ou licitação inexigível tornam imperiosa expressa previsão legal em dispositivo federal de âmbito nacional, exatamente por serem excepcionais e por se relacionarem com o aspecto básico da contratação, que exige tratamento uniforme na Administração direta e indireta da União, dos Estados, do DF e dos Municípios.

Há hipóteses de contratação direta em que o certame afigura-se impossível por ser a competição inviável (inexigibilidade de licitação) ou casos em que a própria lei, no exercício da discricionariedade política, faculta ao administrador não realizar a licitação pelas modalidades existentes, por não considerar este, necessariamente, o meio apto à proteção do interesse jurídico que se busca atender com o contrato (dispensa de licitação).

Para a caracterização da inexigibilidade licitatória, é indispensável a prova de que a competição é inviável, considerando o universo de proponentes disponíveis no mercado, bem como a natureza do objeto ou serviço pretendido. A impossibilidade da disputa consiste em evento decorrente do mundo dos fatos, vale dizer, da própria realidade administrativa. Depende não só da capacidade técnica e científica da pessoa a ser contratada, mas também da vinculação direta entre tal capacitação e a necessidade pública que se busca atingir. Esta necessidade deve apresentar singularidade material, de modo a justificar a extraordinária contratação direta.

Nessa linha de raciocínio, certo é que a singularidade de um serviço exige que o serviço e a produção intelectual em questão se mostre invulgar, distinto dos demais trabalhos rotineiros do setor, por um aspecto intrínseco, que lhe seja inerente e que demande um conhecimento peculiar, aprofundado e inconfundível, de que é titular aquele que se pretende contratar diretamente. Assim sendo, a própria natureza da necessidade administrativa, por si só, deve demonstrar como imperativa uma habilidade técnica diversa dos conhecimentos normalmente utilizados pelos profissionais do setor, de modo padronizado. Ademais, é preciso que a habilitação especial da pessoa (natural ou jurídica) a ser contratada satisfaça exatamente as exigências técnicas peculiares da tarefa, que delineiam a sua singularidade. Conclui-se ser imperioso que a atividade que se pretende contratar seja singular, por critérios objetivos decorrentes das próprias técnicas a serem empregadas na espécie, e que, simultaneamente, a habilitação do corpo técnico que prestará o serviço especial seja diferenciada ao ponto de justificar a contratação que, assim, não teria equivalente no mercado, em face da notória especialização.[2]

 

Serviços de informática: condições de inexigibilidade de licitação

Especificamente quanto a serviços de informática, é certo que nem todos podem ser considerados singulares. Mesmo atentando para a especialidade da formação necessária em determinadas atividades, é inviável aprioristicamente atribuir a característica da singularidade ao serviço tecnológico, de modo genérico e absoluto. Somente se na hipótese concreta, por circunstâncias especiais, se comprovar a primazia do conhecimento detido por uma dada entidade para uma tarefa especial, ter-se-á o caráter singular do ponto de vista material. Se a atividade implicar técnicas corriqueiras e ordinárias, detidas por empresas privadas e públicas que atuam no setor, ausente estará um dos pressupostos da inexigibilidade. É mister analisar, portanto, se se trata de uma tarefa que pode ser realizada por profissionais que consubstanciam a maioria daqueles que atuam na área de tecnologia, o que torna viável licitação e exclui a inexigibilidade.

Apenas se admite falar em inexigibilidade se, além de manifesta a especialização notória de quem se pretende ver executando o serviço de informática, a natureza singular da tarefa também esteja evidenciada na espécie. Não há que se autorizar contratação direta para atividade rotineira de informática de um determinado órgão, ausentes especificidades de qualificação na definição objetiva das atividades a serem realizadas pela empresa que se pretende contratar. Observe-se que as Cortes de Contas vêm insistindo que a confiança do Administrador não é elemento caracterizador da inexigibilidade, mas apenas fator complementar que deve ser conjugado com os demais requisitos previstos em lei para que se considere legítima a contratação por inexigibilidade[3].

Por conseguinte, se se tratar de atividade de informática que exige alta especialização e conhecimentos incomuns entre os profissionais da área, tem-se elementos indicativos de singularidade objetiva. Ademais, será preciso analisar a experiência anterior de quem pretende ser contratado, em especial quanto ao quadro de profissionais com saber técnico notório capaz de inviabilizar a competição no caso concreto, visto que inadmissível subcontratação de serviços em casos de inexigibilidade de licitação. Destaque-se a pertinência de considerar a experiência anterior em contratos que exigiram atividade de informática semelhante, bem como investigar o domínio pelos profissionais das técnicas a serem utilizadas na execução da tarefa, saber prévio no tocante ao conjunto de tarefas, habilidade de conhecimento, sigilo e celeridade especiais que evidenciem a diferenciação aperfeiçoada do “expertise” da entidade, de modo que, se se reunirem alguns desses aspectos relevantes, estará demonstrada a singularidade sem a qual não se pode falar em inexigibilidade.

 

Considerações finais

Conclui-se, destarte, que apenas será possível contratação direta para serviços de informática por inexigibilidade de licitação se evidenciadas, em cada caso concreto, fundamentadamente, a singularidade objetiva da atividade de que o órgão contratante necessita e a singularidade subjetiva da entidade a ser contratada.

 

[1] ROMS nº 5.532-PR, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, 2ª Turma do STJ, DJU de 23.04.01, p. 123 e Acórdão nº 4.034/2009, Processo nº 031.017/2007-0, rel. Min. Marcos Bemquerer Costa, 1ª Câmara do TCU.

[2] ROMS nº 5.532-PR, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, 2ª Turma do STJ, DJU de 23.04.01, p. 123 e Acórdão nº 4.034/2009, Processo nº 031.017/2007-0, rel. Min. Marcos Bemquerer Costa, 1ª Câmara do TCU.

[3] Processo nº 705829, 2ª Câmara do TCEMG, julgamento em 20.11.2012. Também análises técnicas feitas pelo Tribunal de Contas da União vêm se valendo de lições doutrinárias para limitar as contratações diretas fundadas em hipótese de inexigibilidade (Processo nº 016.320/2006, relator Ministro José Múcio Monteiro, Acórdão nº 1214, 1ª Câmara do TCU, julgamento em 08.04.2014).

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