Dos fundamentos das ações afirmativas ao Decreto Federal nº 9.450/2018: o poder de compra do Estado em favor dos presos e egressos do sistema penitenciário

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1. Introdução

A licitação é um procedimento administrativo que antecede contratos administrativos os quais permitem ao Estado incorporar recursos necessários ao cumprimento das suas competências. Afinal, no exercício das competências públicas, o Estado precisa de obras, bens e de serviços que instrumentalizem a consecução das suas atividades e nem sempre reúne diretamente todos os recursos humanos, materiais e instrumentais de que necessita. Cogita-se, então, da execução indireta, mediante celebração de contrato administrativo, com observância do artigo 37, XXI da CR. Nas últimas décadas, absorveu-se no Brasil o entendimento de que a licitação é um espaço de realização sistêmica dos objetivos públicos, mediante concretização de diversas determinações constitucionais, inclusive a exigência de igualdade e sob o ponto de vista material, positivo e inclusivo.

A adoção de ações afirmativas nas licitações é um desafio de compatibilidade entre finalidades públicas diversas, considerando-se as especificidades das realidades social e administrativa. Especificamente em relação aos presos e egressos do sistema penitenciário, é preciso atentar para os limites da inclusão, considerando as habilidades disponíveis entre os beneficiados e as demandas específicas da Administração Pública em relação aos acordos firmados. A segura definição de uma política pública na seara requer compreensão sobre a noção dos institutos, seus objetivos e fundamentos, bem como a viabilidade das técnicas e mecanismos capazes de realizar a ação afirmativa em questão.

2. A licitação e seus objetivos

O procedimento licitatório caracteriza-se como um meio apto a viabilizar que as necessidades do Estado sejam atendidas. Trata-se de um dever que, no Brasil, decorre de expressa determinação constitucional (artigo 37, XXI da CF) e legal (Leis Federais nº 8.666, 10.520, dentre outras). É pacífico o entendimento de que, se a licitação é cabível e necessária, tem-se como essencial a sua realização.[1] Nesse sentido, confira-se considerações iniciais feitas no artigo “Inexigibilidade de licitação para serviços de informática”.

Dentre os objetivos da licitação, a doutrina clássica reconhece a sua função de viabilizar que o Estado firme o negócio mais vantajoso. Tem-se, outrossim, a garantia de que os interessados em disputar o objeto serão tratados isonomicamente durante o procedimento seletivo.[2] É posição assente, destarte, que a licitação busca prestigiar a igualdade em favor dos interessados no certame e, ainda, consagrar a eficiência das contratações administrativas, mediante garantia da celebração do melhor acordo administrativo possível na espécie.

Ao resguardar a isonomia e a eficiência, o instituto licitatório beneficia, ainda, a moralidade administrativa e a impessoalidade. Com efeito, ampara a moralidade e a objetividade das condutas públicas excluir que uma autoridade administrativa possa escolher segundo a sua vontade pessoal, sem justificativas razoáveis, aquele que fará jus a firmar o contrato com o Estado. Condicionar a opção pública ao resultado de um procedimento cujas fases são normatizadas na legislação, com o estabelecimento de critérios objetivos de escolha, significa claro combate a favoritismos indevidos e perseguições intoleradas. E não há dúvida que a licitação reduz o espaço para opções casuísticas, na medida em que a vinculação é regra na sua fase externa, estando a discricionariedade adstrita à etapa interna, com contornos delineados pelas normas do ordenamento e pelas necessidades administrativas.[3] O interesse público é assim protegido em razão da menor probabilidade de corrupção ou de práticas nepotistas, consoante já reconhece a doutrina pátria[4].

Nas últimas décadas, outros objetivos foram expressamente atrelados à licitação. Para que fosse possível ampliar a compreensão das finalidades do certame seletivo, primeiro reestruturou-se a própria ideia de vantajosidade como objetivo licitatório. Além de não se tratar da finalidade única do procedimento, é certo que não se pode definir o contrato mais vantajoso apenas com base no benefício econômico da escolha feita pelo Estado. Vantajosidade não se reduz, de modo absoluto, à menor onerosidade. É preciso conjugar a vantagem econômica da proposta com a satisfação do mínimo de qualidade de que necessita a Administração. Nesse sentido, já se esclareceu no artigo “Sustentabilidade: licitações e contratos administrativos – Parte 1”.

A propósito, Thiago Cardoso Araújo observa que, se historicamente o conceito de vantajosidade encontrava-se visceralmente ligado à ideia de economicidade, atualmente é possível compreendê-lo como a maximização da concretização de interesses públicos primários. Essa nova compreensão viabiliza uma releitura do papel das licitações em dois níveis: um primeiro relativo à “teoria da função regulatória da licitação” e outro que permite justificar a licitação como instrumento de fomento, admitido um prisma promocional do instituto.[5]

Certo é que se pode reconhecer a licitação, atualmente, como um meio: a) de se regular a atividade econômica; b) de promover o desenvolvimento nacional sustentável e c) de realizar objetivos outros impostos ao Estado brasileiro pelo ordenamento, mediante o uso do seu poder de compra.

A licitação define de quem a Administração contratará execução de obras, prestação de serviços e compra de bens, quando cabível a execução indireta de tais objetos. O procedimento direciona o emprego das dotações orçamentárias e canaliza o poder de compra do Estado em favor do licitante que, atendendo as condições fixadas no instrumento convocatório, oferta a proposta que melhor satisfaz o interesse público. No estabelecimento das regras que normatizarão a escolha daquele que, no mercado, será beneficiado com negócio firmado com o Poder Público, cumpre observar os preceitos da Constituição. Destaca-se o artigo 174 da CF que prevê o papel do Estado de regular a atividade econômica em sentido amplo. Fica claro, até mesmo em razão de dispositivo constitucional, a legitimidade de o certame seletivo revestir-se de função regulatória da atividade econômica. Além disso, não se pode ignorar um conjunto de outras finalidades que o ordenamento impõe como a proteção ao meio ambiente, a inclusão de minorias segregadas do acesso ao mercado de trabalho, bem como outras igualações positivas, necessárias à realidade social.

Os Tribunais Superiores vem admitindo que leis que tratam da licitação sirvam de instrumento de regulação e restrição no mercado[6], sendo clara a ampliação de objetivos perseguidos por procedimentos seletivos como concursos públicos[7] e licitação. A doutrina menciona também a regulação por intermédio de medidas administrativas sempre que estiver em jogo a satisfação do interesse público por meio da licitação. Aqui cabe falar na garantia de competição no mercado (estímulo à concorrência leal), bem como na garantia de qualidade nas contratações da Administração.[8]

A esse propósito, o administrativista Luciano Ferraz analisa uma série de situações em que escolhas administrativas na licitação significam regulação da atividade econômica. Assim ocorre quando o edital de licitação opta por não parcelar o objeto contratado, com fulcro na ausência de vantagens econômicas para a Administração; nesse caso, ao afastar as empresas que não tenham condições de executar todo o objeto, mas apenas parte dele, tem-se clara a regulação do mercado com base em necessidade administrativa comprovada. Não é outra a realidade quando, com fundamento em justificativa técnica suficiente, a Administração afasta-se da regra geral que proíbe a indicação de marcas, indicando aquela marca necessária à satisfação do interesse público no contexto específico. Ainda é clara a função regulatória dos instrumentos convocatórios que, com base no princípio de defesa do ambiente (art. 170, VI da CR), preveem, nas licitações de técnica e preço ou melhor técnica, que as empresas demonstrem responsabilidade ambiental, desenvolvimento de programas de educação ambiental e uso de materiais recicláveis como fundamento para pontuação. São variadas as situações em que o Poder Público, nas suas licitações, intenciona promover e incentivar o turismo como fator de desenvolvimento social, reduzindo as desigualdades regionais e sociais (art. 170, VII c/c art. 180 da CF), bem como ensejar a busca do pleno emprego mediante saneamento de empresas em sérias dificuldades financeiras, quando possível contratação direta como forma de auxílio na sua recuperação. Segundo o professor mineiro,

“O que se percebe é que a partir duma leitura constitucionalizada da licitação prescrevem-se-lhe outros papéis fundamentais e importantes numa economia de mercado. Mas para tanto é preciso aceitar mudanças; perceber que a licitação não é um fim em si, mas instrumento de alcance e garantia do interesse público, que nem sempre cabe, tal como se imaginou no passado, dentro da rigidez dos códigos.”[9]

Essa nova perspectiva já foi absorvida pela legislação brasileira, visto que a Lei Federal nº 12.349/10, ao alterar o “caput” do artigo 3º da Lei Federal nº 8.666, expressamente fixou como objetivo da licitação a promoção do desenvolvimento nacional sustentável[10], ao que se acrescem objetivos de realização democrática inclusiva com manifesto assento constitucional. Ao lado da exigência de isonomia entre os licitantes (aspecto negativo da igualdade) e da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, estabeleceu-se a essencialidade de se promover o desenvolvimento do país de modo sustentável, bem como se absorveu a noção da licitação também ser instrumento da igualdade positiva. Referida inovação é capaz de fundamentar novas regras pertinentes à licitação. Na medida em que o certame passou a ser tratado expressamente como meio de promoção do desenvolvimento nacional e ainda de exigir sustentabilidade, além de realizar finalidades que se impõem coercitivamente ao Estado, tornou-se possível eleger mecanismos que operacionalizem tal objetivo na realidade administrativa mediante o direcionamento do poder estatal de compra. Tal direcionamento atenta para a necessidade de a relação custo-benefício das contratações públicas não se reduzir à fixação do menor preço, mas à definição do melhor negócio possível, numa perspectiva ampliada dos múltiplos interesses e vinculações públicas incidentes na espécie.

Nesse contexto, destaca-se o Decreto Federal nº 9.450, de 24.07.2018, que institui política nacional de trabalho no âmbito do sistema prisional, especialmente voltada para a ampliação e qualificação da oferta de vagas de trabalho, ao empreendedorismo e à formação profissional das pessoas presas e egressas do sistema prisional. A técnica normatizada no artigo 5º foi especificamente a obrigatoriedade de a Administração Pública exigir dos seus contratados para executar serviços de engenharia acima de R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais) mão de obra formada exatamente por presos e egressos. Para tanto, determina exigência editalícia de requisito de habilitação jurídica “consistente na apresentação de declaração do licitante de que, caso seja vencedor, contratará pessoas presas ou egressos nos termos deste Decreto, acompanhada de declaração emitida pelo órgão responsável pela execução penal de que dispõe de pessoas presas aptas à execução de trabalho externo” (artigo 5º, § 1º, I do Decreto Federal nº 9.450/2018), além de prever que no edital e na minuta de contrato deverá constar “obrigação da contratada de empregar como mão de obra pessoas presas ou egressos do sistema prisional” (artigo 5º, § 1º, II do Decreto Federal nº 9.450/2018).

Numa perspectiva constitucional, cabe discutir a legitimidade de se adotar mecanismos que consubstanciam preferências em benefício de determinadas grupos (como os egressos do sistema penitenciário e presos), impondo obrigações aos contratados do Poder Público. O doutrinador Jair Eduardo Santana demonstrava preocupação com a matéria ao advertir que eleger uma categoria de pessoas para receber tratamento diferenciado nas licitações é tarefa das mais sérias, e não pode, em hipótese alguma, afastar-se da rota a ser perseguida, nos termos registrados pelo Texto Magno. Para ele, os privilégios não podem tomar caminho do excessivo, do desnecessário, sob pena de ilegalidade. Daí porque as exigências discriminatórias não são absolutamente vedadas pelo Direito, mas devem estar revestidas de comprometimento com interesse público.[11]

Buscando analisar a compatibilidade de inovações inseridas no ordenamento como as normatizadas no Decreto Federal nº 9.450/2018 inclusive relativamente às licitações, algumas delas com fundamento na ampliação dos objetivos do procedimento seletivo, analisar-se-á o conteúdo do princípio da isonomia, inclusive sob a perspectiva das ações afirmativas.

3. O princípio da igualdade

A ideia de igualdade definiu-se, originariamente, a partir de um conceito ideal, abstrato e apriorístico.[12] À época da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, assegurar o cumprimento da lei, ou seja, tornar concreto o princípio da legalidade inerente ao Estado de Direito, trazia em si a garantia da isonomia. Esta se realizava sob um prisma eminentemente formal e abstrato: cumprida a lei (nor­ma geral e abstrata), automaticamente estava presente a igualdade, sem qualquer relativização possível. Como bem elucida Oscar Vilhena Vieira, pretendia-se a aplicação do Direito sem discriminações, ou seja, “Que os responsáveis pela aplicação do Direito o fizessem de olhos vendados, como a estátua que representa a Justiça na mesa de tantos juízes e na porta de muitos tribunais”.[13]

Atualmente, tem-se interpretado este princípio como a proibição do tratamento desigual entre os iguais, sendo necessário examinar, em cada caso, os aspectos específicos aptos a caracterizar a desigualdade ou igualdade fática justificadora, respec­tivamente, da desigualdade ou igualdade jurídica.

Não se trata de consagrar apenas a isonomia formal como o fez a Revolução France­sa. Não se trata de considerar possível teórica e faticamente, em qualquer caso, a igualda­de absoluta. Cuida-se de atentar para a necessidade de as pessoas empiricamente equiva­lentes serem isonomicamente tratadas pelo ordenamento. Elimina-se uma visão idealista que postula um igualitarismo absoluto entre os homens e se retoma a idéia segundo a qual é necessário observar as diversidades concretas que, conforme os valores fundamentais do ordenamento, podem ser consideradas quando da normatização jurídica.

Nesse contexto, exclui-se uma interpretação literal da isonomia, que proibiria todo e qualquer meio de discriminação. Busca-se, em contrapartida, a igualdade material, presente em ações públicas, programas, normas especiais, permanentes ou temporárias, que priorizem a harmonização dos direitos dos cidadãos.[14] Longe de se apegar ao formalismo e à abstração da concepção igualitária do pensamento liberal oitocentista, recomenda-se, inversamente, que se levem na devida conta as desigualdades concretas existentes na sociedade; as situações desiguais devem ser tratadas de maneira dessemelhante, evitando-se assim o aprofundamento e a perpetuação de desigualdades engendradas pela própria sociedade.[15]

Afasta-se o que a doutrina convencionou denominar igualdade perante a lei, de caráter eminentemente formal e artificial, para se buscar a igualdade material, de natureza positiva e negativa, sem negar o seu caráter não-absoluto. Em outras palavras, não satisfaz um mero reconhecimento formalista de direitos. À proibição teórica de favoritismos ou perseguições, deve-se aliar a diminuição efetiva das desigualdades reais ofensivas ao sistema vigente. Para tanto, é preciso participação efetiva dos próprios cidadãos e do Poder Público na construção de uma sociedade livre de exclusões intoleradas.[16]

Esta concepção, que impõe uma aplicação dinâmica do princípio, traz consigo “a necessidade da conscientização de que promover-se a igualdade é — muitas vezes — levar em consideração as particularidades que desigualam os indivíduos”.[17] Afinal, como bem elucida Luísa Cristina Pinto e Netto, nem mesmo a máxima eficácia buscada para o sistema de direitos fundamentais pode voltar-se “à perpetuação de privilégios, à perpetuação de garantia de direitos densificados infraconstitucionalmente que beneficiem grupos para além de um nível exigido constitucionalmente e de forma desproporcional”.[18]

Note-se, portanto, que o princípio da igualdade não proíbe que as demais normas ou os comportamentos administrativos estabeleçam distinções, nem mesmo impõe um nivelamento mecânico de todos os atingidos pela norma. O que se veda são as diferenciações sem justificação fática e jurídica razoável, aquelas fundadas em aspectos pessoais que não atendem qualquer necessidade pública concreta, bem como as que são incompatíveis com o interes­se coletivo e com o restante do ordenamento. Esta foi uma evolução relevante no entendi­mento da igualdade: estabelecer as situações em que a igualdade assume a face de vedação de discriminações arbitrárias, de modo a expurgar privilégios e perseguições indevidos.

Assevera Cláudio Petrini Belmonte que “a igualdade em questão será sempre relativa, nunca absoluta”, mesmo porque “a igualdade pressupõe também necessariamente dife­rença de objetivos, igualdade é sempre a abstração de uma desigualdade existente, sob um determinado ponto de vista”.[19]

A relatividade consiste em aspecto inerente à isonomia, motivo por que afirmam os doutrinadores que o princípio em comento autoriza determinadas desigualdades sociais e econômicas sempre que a ausência do tratamento diferenciado resultar em verdadeira iniquidade. Daí a máxima “A desigualdade não é repelida, o que se repele é a desigualda­de injustificada”. Seguindo essa linha de raciocínio, Celso Antônio Bandeira de Mello leciona:

“Em verdade, o que se tem de indagar para concluir se uma norma desatende à igualdade ou se convive bem com ela é a seguinte: se o tratamento diverso outorgado a uns for ‘justificável’, por existir uma ‘correlação lógica’ entre o ‘fator de discrímen’ tomado em conta e o regramento que se lhe deu, a norma ou a conduta são compatíveis com o princípio da igualdade; se, pelo contrario, inexistir esta relação de congruência lógica ou – o que ainda seria mais flagrante – se nem ao menos houvesse um fator de discrímen identificável, a norma ou conduta serão incompatíveis com o princípio da igualdade.

(…) Ao cabo do quanto se disse, é possível afirmar, sem receio, que o princípio da igualdade consiste em assegurar regramento uniforme às pessoas que não sejam entre si diferenciáveis por razões lógica e substancialmente (isto é, à face da Constituição) afinadas com eventual disparidade de tratamento.”[20]

Sendo assim, lícitas seriam as discriminações positivas fundadas em aspectos da realidade concreta, sem ofensa à ordem constitucional vigente.

O fundamental para esclarecer o conteúdo preciso da igualdade em cada situação, medi­ante a identificação de qual a discriminação é justificada ou não, é estabelecer a razoabilidade do critério discriminatório utilizado. Uma diferenciação é justa se o discrímen utilizado é razoável e não-arbitrário. Caso se utilize, para distinguir, excluir ou inserir pessoas em deter­minadas realidades jurídicas, critérios não-admitidos pelo sistema jurídico e que se mostram desproporcionais em face dos fins a serem perseguidos, tem-se clara a ofensa à igualdade.

Analisar a razoabilidade do critério discriminatório é indispensável para a efetiva isonomia, uma vez que, não sendo as pessoas iguais, deverá ser necessariamente diferente o tratamento dado a cada uma delas. Como ensina Oscar Vilhena Vieira, “Os cuidados que devo ter com uma criança, um adulto ou um idoso, se quero tratá-los com igual respeito e consideração, serão necessariamente distintos. O princípio da igualdade passa a se apresen­tar, paradoxalmente, como o princípio que determina a diferença legítima de tratamento que devo a cada pessoa, em face de diferenças específicas.”[21]

Para que esta diferença legítima ou desigualação justificada ocorra é preciso que se defina quais critérios discriminatórios são razoáveis e quais não o são. Neste contexto, tem razão Oscar Vilhena ao afirmar que “O princípio da igualdade converte, assim, mais num regulador das diferenças que numa regra de imposição da igualdade absoluta e em todos os planos. Em outras palavras, a função do princípio da igualdade é muito mais auxiliar a discernir entre desigualizações aceitáveis e desejáveis e aquelas que são profundamente injustas e inaceitáveis”.[22]

Pode-se afirmar que a escolha dos critérios discriminatórios não é livre de quaisquer parâmetros definidores. À obviedade, no momento em que se escolhe como desigualar as pessoas, é mister atentar para as normas constitucionais, inclusive princípios implícitos como o da proporcionalidade, que também apresenta força coercitiva, consoante exaus­tivamente explicitado. O fato de haver discricionariedade política, quando da atividade legislativa pelo Parlamento e regulamentar pelo Chefe do Executivo, e discricionariedade técnica, quando da atividade regulatória da Administração, não significa autorização para arbítrio e inobservância da Constituição da República.[23]

Cumpre frisar que a igualdade material surgiria no Direito Administrativo no trata­mento isonômico fundado na identidade fática, bem como no tratamento desigual embasado na diversidade presente na realidade empírica, desde que não haja ofensa às demais nor­mas do ordenamento e se evidencie conexão entre a discriminação e as necessidades estatais em tese. O professor Álvaro Melo Filho ensina:

“De um lado, a igualdade formal se dá por satisfeita com a pura identidade de direitos e deveres outorgados pelos textos legais às pessoas físicas e jurídicas, e, de outro lado, a igualdade material que leva em conta as condições concretas em razão das quais, hic et nunc, exercitam os direitos e adimplem os deveres. E o que se busca não é a mera igualdade formal diante da lei, mas a igualdade material no interior da própria legalidade. (…)

O conteúdo jurídico do princípio da isonomia consiste em definir em que hipó­teses é imperativa a equiparação e em que casos é válido o estabelecimento de desigualdades. Isso significa que é preciso que se conheça, com profundidade, qual o traço de legitimidade que respalda, perante o ordenamento jurídico, de­terminado fator discriminatório, o que implicará na observância, ou não, do preceito da igualdade.”[24]

Para tanto, é mister que se identifiquem as desigualdades ocorrentes no mundo fático permitidas e as não-permitidas pelo ordenamento jurídico. Verifica-se, destarte, que se encontra no próprio princípio da isonomia a possibilidade de tratamento diferenciado, desde que este não se mostre aleatório, arbitrário ou gratuito, mas, ao contrário, encontre-se fundado em justificativa racional e técnica.[25]

O que se postula, inclusive com fundamento no artigo 5º da Constituição, não se limita apenas à igualdade formal de todos diante da aplicação da lei. Ao contrário, preten­de-se o tratamento igualitário do ponto de vista material. Segundo Roberta Kaufmann, com a Constituição de 1988 o princípio da igualdade passou a ter dimensão material, com o fito de garantir a efetiva participação de todos na construção de uma sociedade livre de preconceitos. Segundo ela, o constituinte possibilitou ações concretas visando a alcançar a igualdade como direito fundamental:

“De uma feição estritamente formal, apenas proibindo condutas discriminatórias, procura-se a implementação de uma igualdade substancial, material e concreta. A desigualdade fática passa, então, a ensejar uma política corretiva por parte de entidades públicas e privadas.”[26]

Considerando esse novo paradigma, é preciso reinterpretar direitos individuais e sociais. Cabe-nos reconstruir os limites e os deveres vinculantes dos comportamentos públicos e privados, considerando-se o Estado Democrático de Direito consagrado constitucionalmente. Não se ignore o momento em que vivemos qualificado como a era da “sociedade do risco”[27]. Nela, a emergência de novos riscos (imprevisíveis, não calculáveis e envolvendo consequências irreversíveis) e a exclusão de várias categorias e grupos de pessoas exigem medidas não somente reparadoras, mas principalmente de natureza preventiva por parte do Estado. As medidas de inclusão, de natureza preventiva, requerem, em um momento normativo caracterizado como de “erosão da lei”[28], sua compreensão a partir do princípio da igualdade consagrado na Constituição[29], chegando-se à operacionalização objetiva pelo arcabouço de normas regulamentares da Administração e de comportamentos públicos concretos.

A reconstrução do sistema, com a adoção de medidas que absorvam tais perspectivas, não se afigura mera faculdade, mas verdadeira ação cogente dos atores envolvidos nessa tarefa. A própria teoria do dever-poder como limitação ao exercício das competências públicas evidencia que, se uma norma autoriza um comportamento, prevendo determinada competência para um agente público, ele não tem a faculdade de escolher agir, ou não. Fixada a competência no ordenamento, cumpre ao agente competente agir dentro dos limites per­mitidos pela norma. Também em relação à concretização da isonomia, haverá, sempre, o dever de observar a norma principiológica, mediante o exercício a competência prevista na ordem jurídica, donde se infere que a auto­rização do ordenamento — poder — resulta em obrigação de agir — dever —, aspecto condicionante de toda atuação pública.[30] Afasta-se a ideia de uma pseudo “neutralidade estatal”, inconcebível em realidades discriminatórias, impondo ao Estado o dever de assumir postura ativa, cumprindo as competências que lhe foram atribuídas inclusive no tocante à isonomia. Observando a premissa da obrigatoriedade em relação ao princípio da igualdade material, elucida Leila Pinheiro Bellintani:

“Além de prever formalmente a igualdade, de proibir discriminações negativas e o arbítrio, urge implementar mecanismos capazes de diferenciar os indivíduos, na medida em que estão socialmente desigualados.

(…)

Esses mecanismos nasceram com o escopo de concretizar o ideal do princípio da igualdade efetiva, já que não se deve conceber nas sociedades democráticas hodiernas a perpetuação de tantas desigualdades, preconceitos e discriminações passadas, que se fazem presentes e impedem, de maneira clara, a realização dos princípios da dignidade humana e da pluralidade, preceitos essenciais para a existência de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.”[31]

Não é em outro sentido orientação recente do direito comunitário europeu, uma vez que a Corte de Justiça da União Europeia e várias jurisdições constitucionais reconhecem a existência de uma obrigação de realizar discriminações positivas e não de uma faculdade reconhecida ao legislador. Essa a lição de Ferdinand Mélin-Soucramanien que acrescenta:

“C’est le cas en particulier de la Cour constitutionelle fédérale allemande qui, en se référant à la notion d’État social’ interprète le principe d’égalité comme signifiant ‘… l’obligations de ne pas traiter ce qui (…) est essentiellement inégal de façon arbitrairement égale.”[32]

De fato, além de identificar os paradigmas que, inobservados, caracterizam vio­lação da isonomia, pois evidenciam discriminações ilícitas, tem-se uma nova perspectiva para o princípio da igualdade hoje em dia. Trata-se do dever de o Estado não apenas evitar discrimi­nações indevidas (comportamento negativo), mas de efetivamente tomar medidas que concretizem a igualdade material (comportamento positivo). O que se requer é que o legislador administrativo e o agente público encarregado da execução da competência atuem positivamente, na elaboração e implementação de políticas públicas as quais ins­taurem uma igualdade substancial na sociedade. Tais determinações vincularão as atividades administrativa e privada que a elas se sujeitem.

Retomando o magistério de Leila Bellintani, embora seja certa a vedação às discrimina­ções, é necessário que haja um atuar positivo, “no sentido de que a obrigatoriedade de diferenciação se faz premente, na busca incansável de ver os desiguais tratados desigual­mente, na medida de suas desigualdades, para que assim se realize a justiça”.[33]

Foi a compreensão de que princípios como a igualdade, além de uma função bloqueadora e negativa, possuem força coercitiva definitória, integrativa e rearticuladora, capaz de impor ao Estado a obrigação de realizar determinadas providências concretizadoras do seu conteúdo, que levou à discussão pertinente ao instituto das ações afirmativas.

4. O instituto das ações afirmativas

4.1. Evolução histórica

A moderna doutrina indica que o termo ação afirmativa surgiu nos Estados Unidos, em 1935, sob a nomenclatura affirmative action. Foi utilizado no Ato Nacional das Relações de Trabalho que proibiu ao empregador adotar qualquer forma de repressão contra membros dos sindicatos. O mecanismo viabilizava que o indivíduo objetivamente discriminado fosse relocado na posição laboral que poderia, ou mesmo deveria ter alcançado, caso não tivesse sofrido a discriminação. É certo, entretanto, que a primeira vez em que se utilizou legalmente a expressão ação afirmativa, com o sentido que hoje lhe é empregado, foi em uma ordem executiva norte-americana promulgada por John F.Kennedy, na década de 60. Nela, determinava-se que empresas empreiteiras contratadas pelas entidades públicas passassem a selecionar para seu quadro de funcionários indivíduos desigualados e oprimidos social e juridicamente, pertencentes às mais diversas minorias.[34]

Também Cármen Lúcia Antunes Rocha menciona que a expressão ação afirmativa foi utilizada pela primei­ra vez numa ordem executiva federal norte-americana em 1965 e passou a significar a exigência de favorecimento de algumas minorias socialmente inferiorizadas. Para que se atingisse a eficácia da igualdade preconizada e asse­gurada constitucionalmente na principiologia dos direitos fundamentais, reconheceu-se a necessidade de superar preconceitos arraigados culturalmente mediante a proteção das categorias juridicamente desigualadas.[35] Não é outra a lição de Carlos Alberto Medeiros:

“A expressão ‘afirmativa’ tem data de nascimento e paternidade reconhecida. Apareceu pela primeira vez num decreto presidencial, a Executive Order 10.925, de 6 de março de 1961, com a assinatura do então presidente norte-americano John F. Kennedy. Dizia o texto que, nos contratos com o Governo Federal:

O contratante não discriminará nenhum funcionário ou candidato a emprego devido a raça, credo, cor ou nacionalidade. O contratante adotará uma ação afirmativa para assegurar que os candidatos sejam empregados, como também tratados durante o emprego, sem consideração a sua raça, credo, cor ou nacionalidade. Essa ação incluirá, sem limitação, o seguinte: emprego; promoção rebaixamento ou transferência; recrutamento ou anúncio de recrutamento, dispensa ou término; índice de pagamento ou outras formas de remuneração; e seleção para treinamento, inclusive aprendizado (Menezes, 2001, p. 88).”[36]

Foi ainda relevante, na década de 60, a Executive Order nº 11.246/65, assinada pelo Presidente Lindon Johnson. Pelo sistema prescrito no citado Decreto Executivo, foram reconhecidos à Administração, por via oblíqua, meios legais de compelir o empregador privado a cumprir as metas de integração de minorias em seus quadros de empregados. Condicionou-se a celebração de qualquer contrato com a Administração ao comprometimento, por parte do contratante, não só de contratar em percentuais razoáveis certas minorias, mas igualmente de lhes oferecer efetivas condições de progressão na carreira.[37] É  Roger Raupp Rios quem acresce  à análise histórica:

“Se a introdução da expressão ‘affirmative action’ ocorreu sob a presidência de John Kennedy e os passos iniciais de seu segundo momento se devem à administração de Lyndon Johnson, a aplicação mais efetiva de medidas racialmente conscientes foi durante a gestão de Richard Nixon, ainda que impulsionados por motivos políticos e eleitorais no Sul dos Estados Unidos.

Nessa linha, foram instituídos pelo Governo Federal, uma série de programas de ação afirmativa. Eles não se deram de modo monolítico ou orquestrado. Ao contrário, experimentou-se a proliferação de inúmeras iniciativas, ao longo de toda a Administração. Até 1978, época em que o Governo Jimmy Carter realizou uma uniformização dos regulamentos administrativos relativos à discriminação no emprego (uniform Guidelines on Emplyee Selection Procedures, 25/08/1978), surgem diversas regulações no seio de variadas agências governamentais.”[38]

É legítimo, pois, indicar os Estados Unidos como primeiro país que adotou sistemicamente política de ação afirmativa. Em um momento inicial, ação afirmativa consubstanciava uma vaga manifestação de intenções positivas, mas em virtude da realidade marginalizadora do negro surgiram medidas várias, inclusive o fim do segregacionismo nas escolas. Segundo Carlos Alberto Medeiros, a expressão acabou ganhando conteúdo a partir da conclusões da Comissão Nacional sobre Distúrbios Civis (National Commission on Civil Disorders) – Comissão Kerner; uma das conclusões apontava a necessidade de criar estímulos especiais que ajudasse a promover a população negra. Não tardou que o conceito se estendesse a outras minorias como hispânicos, indígenas, asiáticos e mulheres.[39] Tornou-se possível identificar ações afirmativas norte-americanas não só em sede governamental, como também no setor privado, cujas empresas descobriram a necessidade de uma força de trabalho diversificada, que refletisse a sua base de consumo e as tornasse mais competitivas, tanto no mercado interno como no externo.[40]

Se o pioneirismo dos Estados Unidos é posição assente entre os estudiosos do tema, não se pode ignorar que outros países adotaram ações afirmativas. A Constituição da Índia, em 1948, por meio do artigo 16 – reformulado em 1951 – estabeleceu cotas para membros de castas catalogadas e, mais tarde, também de tribos catalogadas, além de medidas especiais para portadores de deficiência. Na Malásia, adotou-se sistema destinado a estimular, por meio cotas, a participação da etnia bumputra (malaios propriamente ditos) numa economia dominada por chineses e indianos. No Líbano, o sistema de acesso ao serviço público e à universidade utiliza cotas que reproduzem a participação das diferentes seitas religiosas na população. Na União Soviética reservou-se 4% das vagas da Universidade de Moscou a alunos provenientes da Sibéria, uma das regiões mais atrasadas do país. Se na Noruega e na Bélgica o foco das políticas públicas são os imigrantes, também no Canadá os imigrantes de origem africana ou asiática tornaram-se alvos de políticas especiais, juntamente com ‘povos aborígenes’ (indígenas), mulheres e portadores de deficiência.[41]

Para que tais medidas transformadoras pudessem ser adotadas, tem-se clara a relevância da mutação no conceito de isonomia, com a incorporação da ideia de igualdade material ou substancial. Ademais, o direito absorveu, paulatinamente, a noção de “igualdade de oportunidades” que passou a justificar a mitigação do peso das desigualdades econômicas  e sociais, com o objetivo de se obter maior justiça social. Dessa nova visão resultou o surgimento de políticas sociais de apoio e de promoção de determinados grupos socialmente fragilizados.[42] A institucionalização desses tratamentos preferenciais não nasceu de uma vontade política espontânea, mas foi resultado de uma longa evolução, de um processo vasto, largamente incontrolável, que se desenvolveu inclusive no Executivo de vários países em razão da pressão para implementação de normas que implicassem discriminações positivas.[43]

Ao traçar as fases por que vem passando o instituto, Joaquim Barbosa e Leila Bellintani esclarecem que inicialmente as ações afirmativas consistiam apenas no encorajamento pelo Estado para que os entes públicos e privados colaborassem para o acesso à educação e ao mercado de trabalho de categorias historicamente discriminadas. A ideia era promover maior igualdade de oportunidades entre os cidadãos, para que o pluralismo e a diversidade fossem características constantes no corpo de indivíduos que formam a massa de trabalhadores e estudantes. O atingimento dessas metas era fomentado pelo Estado incentivando as pessoas a levar em consideração, nas decisões relativas a educação e mercado de trabalho, fatores até então irrelevantes para os responsáveis políticos ou empresariais (raça, cor, sexo, origem nacional).[44]

Quando se verificou a ineficácia de um simples encorajamento por parte do Estado, foram adotadas políticas de ação afirmativa mais incisivas. Num segundo momento, estabeleceu-se o sistema de preferências e objetivos numéricos de forma rígida, para que empresas e instituições educacionais promovessem a igualdade entre os membros da sociedade.[45] Joaquim Barbosa identifica no final da década de 60 e início de 70 o começo do processo de mudança conceitual do instituto que se associa à idéia de realização da igualdade de oportunidades. Tal transformação fundamentou o mencionado sistema de cotas rígidas de acesso de minorias a determinados setores do mercado de trabalho e a instituições educacionais.[46]

Atualmente, as ações afirmativas definem-se como mecanismos legais cujo objetivo é fomentar a igualdade substancial entre os membros da comunidade que foram socialmente preteridos. Para tanto, inserem-se discriminações positivas, no sentido de tratar desigualmente os desiguais, para que estes possam alcançar o mesmo nível, patamar ou status social que os demais membros da comunidade.[47] Trata-se de políticas e mecanismos de inclusão, de natureza multifacetária, concebidos por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados da competência jurisdicional, com vistas à concretização da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito.[48]

No Brasil, as ações afirmativas caracterizam-se, historicamente, por adotar uma perspectiva social, com medidas redistributivas ou assistenciais contra pobreza baseadas em concepções de igualdade. “Com a redemocratização do país, alguns movimentos sociais começaram a exigir uma postura mais ativa do Poder Público diante das questões como raça, gênero, etnia, e a adoção de medidas específicas para sua solução, como as ações afirmativas.”[49] Considerando que, nos termos do artigo 3º, IV da Constituição, é objetivo do Estado brasileiro a promoção do bem geral, tem-se clara a legitimidade de quaisquer medidas cujo escopo seja a superação de preconceitos e exclusões indevidas na sociedade.

Nesse diapasão, Sabrina Moehlecke, valendo-se dos ensinamentos de  Sérgio Martins, afirma que “(…) a Constituição de 1988 inaugurou na tradição constitucional brasileira o reconhecimento da condição de desigualdade material vivida por alguns setores e propõe medidas de proteção, que implicam a presença positiva do Estado. Assim o entende pois, para além da igualdade formal, a Magna Carta estabeleceu no seu texto a possibilidade do tratamento desigual para pessoas ou segmentos historicamente prejudicados nos exercícios de seus direitos fundamentais. (Martins, 1996, p.206). Exemplo disso seria a proteção ao mercado de trabalho da mulher, como parte dos direitos sociais, e a reserva percentual de cargos e empregos públicos para deficientes.” [50]

A importância da Constituição que consagrou o Estado Democrático de Direito é manifesta quando se trata de reconhecer a legitimidade de o Estado adotar medidas em favor de grupos excluídos e pessoas discriminadas, viabilizando sua integração social. Tais medidas são essenciais como instrumento de garantia do exercício de direitos sociais e individuais em uma sociedade pluralista, justa e sem discriminações indevidas. É nesse contexto jurídico que as ações afirmativas entram no debate político brasileiro, mormente durante a década de 90. Segundo Luciana de Barros  Jaccoud e Nathalie Beghin, no final dos anos 1990, o processo de preparação da conferência de Durban promove a intensificação do debate sobre o tema e estimula a apresentação de propostas em torno de políticas de ação afirmativa que buscam promover tratamento diferenciado e preferencial aos marginalizados, quebrando assimetrias e ensejando mesmas chances a pessoas e grupos capacitados igualmente.[51]

Há ações afirmativas que possuem lastro no próprio texto constitucional como é o caso da reserva de vagas para deficientes em concursos públicos (artigo 37, VIII da CR), da proteção do mercado de trabalho da mulher mediante incentivos especiais (artigo 7º, XX), do resguardo das manifestações de culturas indígenas e afro-brasileiras (artigo 215, § 1º) e da veiculação das culturas regionais na produção e radiofusão sonora e televisiva (artigo 221, II). Outras medidas são previstas na legislação ordinária com o objetivo de amparar parte da sociedade que enfrenta desafios significativos, os quais lhe impõem o risco de exclusão quanto à participação da estrutura pública ou privada se ausentes tais determinações. Assim ocorre, a título de exemplo, com projetos instituídos por Estados ou Municípios de formação profissional para popu­lação de baixa renda com dificuldade de acesso à educação ou de inclusão no mercado de trabalho de sentenciados ou egressos do sistema penitenciário. O Decreto Federal nº 9.450/2018 indica o artigo 37, XXI da Constituição e o artigo 40, § 5º da Lei Federal nº 8.666 como sua base normativa em relação às licitações e contratos administrativos que busquem a inclusão de presos e egressos do sistema penitenciário. Roberta Kaufmann indica, por sua vez, outros exemplos de ação afirmativa: a participação de mulheres nas listas de candidatos de partidos (cota mínima de 30%); discriminação positiva em relação à idade de grupos (crianças, jovens, idosos); benefícios em favor dos como micro e pequenos empresários; imposto de renda progressivo fixado na legislação tributária; direito das mulheres aposentarem 5 (cinco) anos antes dos homens.[52]

A propósito da legitimidade das ações afirmativas, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso em Mandado de Segurança nº 26.071, asseverou “que reparar ou compensar os fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica configuraria política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros de uma sociedade fraterna que a Constituição idealiza a partir das disposições de seu preâmbu­lo e acrescentou-se a esses fundamentos o valor social do trabalho.”344 A jurisprudência brasileira vem, reiteradamente, reconhecendo a legitimidade de medidas como o escalonamento de tarifas cobradas pela prestação de serviços públicos como o fornecimento de água[53], o acesso gratuito a transportes coletivos urbanos em favor dos idosos e deficientes[54], além de chancelar em favor de determinadas categorias a reserva de vagas em concursos públicos[55], em Universidades[56] ou mesmo a possibilidade de obtenção de bolsas integrais em instituições privadas de ensino.[57]

Não há dúvida, portanto, que as ações afirmativas são realidade no sistema jurídico brasileiro, atingindo as esferas públicas e privadas, cobrança de preços públicos e procedimentos seletivos como licitação e concursos públicos. O debate acerca da sua legitimidade ganha novos contornos a partir da própria identificação dos fundamentos do instituto.

 

4.2. Fundamentos

A doutrina, ao trabalhar os fundamentos da ação afirmativa, enumera a Justiça Compensatória, a Justiça Distributiva e o chamado multiculturalismo.

Quando se indica como base filosófico-constitucional da ação afirmativa a Justiça Compensatória, fundamenta-se o instituto na retificação de injustiças ou de falhas cometidas contra pessoas no passado, ora por particulares, ora pelo governo. A natureza restauradora torna-se clara em face do objetivo de os programas promoverem o resgate de dívidas pregressas.[58] Pondera Joaquim Barbosa que não se trata de um raciocínio isento de falhas, sob dois aspectos: de um lado, somente quem sofre diretamente o dano tem legitimidade para postular a respectiva compensação; por outro essa compensação só pode ser reivindicada de quem efetivamente praticou o ato ilícito que resultou no dano.[59]

Para Roberta Kaufmann, consubstancia um problema responsabilizar, no presente, ações de um passado remoto. Segundo ela, “pretender-se-ia que as pessoas do presente se responsabilizassem por atos que não realizaram e dos quais muitos discordam seriamente.” Ademais, a reparação seria efetivada para aqueles que não sofreram diretamente o dano, sendo difícil identificar os beneficiários da política compensatória. Conclui a autora:

“Assim, políticas indenizatórias para reparar a dívida histórica da sociedade em relação a determinadas categorias não seriam legítimas. Isto porque, em termos de compensação pelo dano sofrido, somente aqueles que foram diretamente lesionados poderiam pleitear a reparação correspondente, e contra quem efetivamente ocasionou o prejuízo.”[60]

De fato, a ideia compensatória não soluciona o fundamento das ações afirmativas, o que se acentua em face daquelas medidas que não tem como pressuposto discriminações pregressas, mas são verdadeiras condições de existência de uma pessoa ou de grupos sociais, como é o caso dos deficientes físicos e dos idosos. Em outras situações, como a dos presos e egressos do sistema penitenciário, também é inadequada a noção indenizatória como fundamento da igualdade positiva. Nessas hipóteses, não se vislumbra uma clara dívida de natureza histórica, mas, por vezes, delineia-se uma exclusão presente e potencial futura que enseja, por si só, o estabelecimento de uma medida inclusiva razoável.

A Justiça Distributiva assenta-se na legitimidade de vantagens serem redistribuídas a pessoas ou determinado grupo social, tendo em vista a necessidade de se assegurar igualdade de oportunidades entre membros da sociedade. Para compensar exclusões indevidas, preconceitos e discriminações intoleráveis, o Estado busca compensar as desigualdades, garantindo às minorias determinados benefícios e acesso facilitado a direitos:

“Se antes as políticas desenvolvidas pelo governo ou pelas empresas eram aplicadas de forma neutra, sem levar em consideração fatores como sexo, raça, etnia, deficiências de toda ordem ou classe social, a adoção das ações afirmativas pela teoria redistributiva procura minimizar a exclusão na sociedade de tais grupos minoritários, tendo em vista a necessidade de promover a concretização do princípio da igualdade.

Assim, por meio da teoria redistributiva, há um redirecionamento dos benefícios, dos direitos e das oportunidades entre os cidadãos. O Estado age de forma interventiva para poder garantir a efetivação do princípio da igualdade, porque, se nada for feito, as barreiras impostas pelo preconceito e pela discriminação dificilmente permitiriam a igualdade de acesso às melhores chances de emprego e de educação das minorias.”[61]

Nessa perspectiva distributivista, ações afirmativas nada mais seriam do que outorgar a pessoas, de maneira equitativa e proporcional, algo a que teriam acesso se as condições sociais não as impedissem em razão de comportamentos discriminatórios ou significativas dificuldades excludentes.[62]

Dentre os defensores da razoabilidade de benefícios e direitos serem redirecionados entre os cidadãos e pessoas jurídicas, há aqueles que cumulativamente entendem úteis as ações afirmativas. Isso pelo fato de promoverem o bem-estar da sociedade mediante a redução dos desníveis sociais, da pobreza e das iniquidades, o que tende a fazer desaparecer “o ressentimento, rancor, perda de auto-respeito decorrente da desigualdade econômica”.[63] Em sentido contrário, alguns críticos afirmam que a tese distributivista não é convincente, pois nem sempre é possível identificar, dentre as diversas iniquidades sociais, quais decorreram de discriminação.[64] Outros censuram a possibilidade de se criar uma nova realidade social mais próxima da igualdade, combatendo o fundamento utilitarista de redução das fraturas sociais.[65]

Com a devida vênia às posições contrárias, acentua-se que o fato de haver exclusão indevida de determinados grupos de pessoas é, por si só, justificativa suficiente para que sejam adotados fatores que superem os obstáculos à igualitária inserção social, com adoção de medidas positivas como linhas especiais de créditos, estímulos fiscais e benefícios públicos ou privados. Não se vislumbra espaço para juízos de preferência subjetiva e arbitrários, na medida em que os pressupostos das ações afirmativas sejam aferidos com rigor, bem como a proporcionalidade das técnicas utilizadas para superação das exclusões inadequadas.

Por fim, as ações afirmativas também vem encontrando fundamento no chamado multiculturalismo que viabiliza a promoção da diversidade nos ambientes público e privado. Afinal, como promovem a inserção de representantes de diferentes minorias em setores aos quais dificilmente teriam acesso, “as ações afirmativas possibilitam o surgimento de uma sociedade mais diversificada, aberta, tolerante, miscigenada e multicultural.”[66]

Embora haja contundentes críticas ao ambiente multicultural como fundamento das ações afirmativas[67], entende-se que pessoas e grupos necessitam de terem a si reconhecida a possibilidade de representação nos diversos espaços sociais, inclusive na esfera pública. Isso até mesmo como aspecto intrínseco à dignidade da pessoa humana[68] e elemento concretizador do princípio da isonomia. Não há dúvida que discriminações lícitas podem resgatar fatia considerável da sociedade, tolhida no direito fundamental de participação na vida pública e privada.[69] Outrossim, a noção da multiplicidade que se afirma característica do Estado pós-moderno parte exatamente da incorporação possível das diversas individualidades, independentemente das peculiaridades e diferenças que lhe sejam típicas. Essa multiplicidade, típica do pluralismo contemporâneo, só se tornará verdadeira quando for efetivo o direito à diferença, presente quando se permite a incorporação das mais diversas identidades em realidades várias.

Doutrinariamente, cresce a convicção de que é legítima a adoção de meios includentes os quais resultem na diversidade; o objetivo é que no Estado esteja representada a mesma diversidade que existe na sociedade. Se no mercado existem multinacionais e microempresas, se na sociedade existem pretos e brancos, sentenciados e pessoas jamais condenadas, pobres e ricos, é fundamental que no exercício da competência pública seja viabilizada a representação de tal diversidade, que na fruição de serviços públicos seja garantido o acesso de todos a que se qualificam como essenciais, que a existência digna das pessoas seja assegurada nos domínios público e privado. Especialmente em relação aos presos e egressos do sistema penitenciário, é manifesto interesse da sociedade que se promova a ressocialização, a reinserção no mercado de trabalho, sendo a viabilidade de exercício profissional de uma atividade a garantia de humanização e cumprimento dos objetivos mínimos da pena.

Ao tratar da igualdade numa sociedade pluralista, caracterizadora de uma sociedade democrática, Álvaro Ricardo de Souza Cruz assevera que “o pluralismo eleva-se à condição de princípio indissociável da ideia de dignidade humana, exigindo do Estado e da Sociedade a proteção de todos os ‘outros’, diferentes de nós pelos aspectos acima mencionados”, sendo papel do Direito ser instrumento de transformação social para o resgate de direitos ainda hoje não realizados. Daí porque “Cabe, pois, inevitavelmente, estabelecermos o caminho da reconstrução dos direitos fundamentais traçado pelo paradigma constitucional do Estado Democrático de Direito.”[70]

Já se elucidou que o princípio da igualdade é indispensável à compreensão e à concreção do Estado Democrático de Direito. De fato, numa sociedade complexa torna-se necessário recorrer à técnica de inclusão como mecanismo de sobrevivência das minorias segregadas. É exatamente a isonomia, numa perspectiva material, que permite a maior inclusão possível das pessoas na realidade social contemporânea.

É o fato de se reconhecer que, em algumas circunstâncias, a desigualdade pode ser instru­mento de isonomia que torna legítima a ação afirmativa como mecanismo de equiparação jurídica de duas desigualdades fáticas. Consiste tal medida, p. ex., em dar tratamento preferencial àqueles que se encontram em situação historicamente desfavorável. Também se quali­fica como ação afirmativa o estabelecimento de vantagens em favor daqueles que possuem limitações condicionantes de existência. Não é outro o enquadramento da medida que favorece o acesso ao mercado de trabalho por minorias que sofram de exclusão indesejada, sendo interesse de todos que consigam acesso à existência digna pelo próprio labor e profissionalização. As diferenciações, aqui, seriam um meio de assegurar materialmente a igualdade constitucional, atentando para as peculiaridades da situação em questão e para os bens jurídicos dignos de proteção na espécie. Trata-se de mecanismos aptos a garantir uma mais adequada distribuição de direitos consagrados no ordenamento, bem como ampla diversidade nos espaços públicos e privados.

 

4.3. Conceito

A mutação produzida no conteúdo do princípio da igualdade implicou que dele pudessem resultar condutas práticas como implantação de planos e programas governamentais e particulares em virtude dos quais fossem asseguradas às minorias sociais oportunidades de cargos, espaços sociais, políticos, econômicos, etc.[71]

Em relação a esse sistema, condutas ativas e positivas, públicas e privadas, afirmam-se como instrumento da transformação social perseguida como objetivo fundamental da República. As ações afirmativas inserem-se, nesse contexto, como mecanismos que intencionam promover a igualdade material entre cidadãos e grupos de pessoas socialmente preteridos. Para tal mister, tem-se discriminações positivas que ensejam o tratamento desigual entre os desiguais, de modo a lhes propiciar inclusão efetiva.[72] Trata-se de uma necessidade de correção de rumos na sociedade, “um corte estrutural na forma de pensar, uma maneira de impedir que relações sociais, culturais e econômicas sejam deterioradas em fundação da discriminação”, sendo que negá-las significa negar a existência da própria discriminação. Assim posiciona-se Álvaro Ricardo de Souza Cruz segundo quem ações afirmativas consubstanciam “medidas indispensáveis à efetivação dos princípios constitucionais da dignidade humana, do pluralismo e da concepção procedimental da igualdade no paradigma do Estado Democrático de Direito.[73]

A propósito, Gwènaële Calvès leciona:

“Les discriminations positives apparaissent en effet comme un exemplo parmi d’autres de ces ‘discriminations justifiées’ instaurées par l’Etat redistributeur et régulateur. Elles illustrent la démarche classique par laquelle les pouvoirs publics, en aménageant le fonctionnement de marchés concurrentiels, cherchent à compenser le handicap initial dont sont victimes certaines catégories de population : pour rétablir une égalité des chances que le strict respect du principe d’égalité de traitement aurait pour effet de rendre illusoire, le législateur applique un régime différent à des personnes placées dans des situations différrentes. (…) Ces politiques d’intégration sociale ou de réduction des inégalités visent des ‘groupes cibles’ librement déterminées par le législateur, en fonction de son appréciation de l’intérêt géneral (…)”.[74]

Em um primeiro momento, as ações afirmativas foram entendidas como conjunto de políticas e de ações públicas e privadas destinadas a combater discriminações sofridas por minorias por longo tempo. Para essa corrente, era clara a equivalência entre o instituto da ação afirmativa e a idEia de ação reparatória. O fundamento no conceito de reparação decorria do simples fato de se atribuir às medidas positivas o escopo de remediar e compensar uma situação pregressa indesejável socialmente.

Atualmente, as ações afirmativas tem sido concebidas como mecanismos aptos a redistribuir os bens sociais a todos os indivíduos da coletividade, corroborando para o crescimento do bem estar médio da sociedade. Assim, mais do que as restringir a uma correção do passado, as ações afirmativas buscam fornecer a todos a possibilidade de alcançar os bens escassos da vida.[75] Essa compreensão evoluída dessa figura procura evitar que pessoas de certos grupos de risco tenham seus direitos alienados. Trata-se de ação preventiva, adotada por instituições públicas e privadas, baseada numa análise que indique uma situação social desfavorável de determinado grupo.[76]

Analisando jurídica e tecnicamente a questão, identificam-se duas mutações importantes no conceito: a primeira relativa à não caracterização da ação afirmativa como um conjunto restrito de medidas de natureza reparatória, mas, ao contrário, a sua inserção como instrumento eficaz de evitar exclusões indevidas; a segunda pertinente à transformação do conceito jurídico passivo  de igualdade para um conceito jurídico ativo, ou seja, “de um conceito negativo de condutas discriminatórias vedadas passou-se a um conceito positi­vo de condutas promotoras da igualação jurídica” [77].

A discriminação positiva não se caracteriza, diante de tais características, como privilé­gio à margem da ordem jurídica. Trata-se de benefício necessário para pôr fim e prevenir exclusões intoleráveis, em face do presente Estado Democrático de Direito. O discrímen positivo surge como mecanis­mo de combate de outra discriminação negativa incontornável (como, p. ex., um limite físico), de um preconceito ilícito pré-existente (como, p. ex., a discriminação racial) ou mesmo como forma de evitar uma exclusão desarrazoada na realidade em questão (como, p. ex., a dificuldade enfrentada por presos e egressos do sistema penitenciário em conseguir trabalho, bem como de parcela do mercado – microempresas e cooperativas – de manter as suas atividades regularmente no mercado, nos estritos termos em que garante a Constituição).

Em todas essas situações surge o espaço para a concepção de medidas que diferenciem as pessoas, cuja desigualação presente afigura-se desarrazoada na realidade jurídica contemporânea. Estas medidas positivas, que possam equalizar o acesso às oportunidades, tornam efetiva a igualdade material e os princípios como a dignidade da pessoa humana, qualificando-se como ações afirmativas.

Não se trata apenas de, por medidas de fomento, incentivar a atividade particular ou de outras entidades administrativas no sentido de, com respeito à diversidade, promover a isonomia substancial. O que se cogita e se busca realizar, hodiernamente, são técnicas cujo resultado seja a inclusão equânime, ou por meio de preferências (p. ex., reserva de vagas para deficientes), ou por meio de políticas de aperfeiçoamento e capacitação (p. ex., projetos de formação profissional para popu­lação de baixa renda com dificuldade de acesso à educação), ou por meio de políticas públicas relativas a serviços públicos (p. ex., isenção para prestação dos serviços de água e luz), ou por meio de vantagens no procedimento de contratação administrativa (p. ex., prova de regularidade fiscal por microempresas somente quando da celebração do contrato), ou por meio de instrumentos de acesso ao mercado de trabalho (p. ex., percentuais mínimos de contratação de sentenciados ou egressos do sistema penitenciário). Providências dessa natureza “têm por escopo fomentar a igualdade substancial entre os membros da comunidade que foram socialmente preteridos, valendo-se, para tanto, da possibilidade de inserir discriminações positivas”.[78] Estas justificam-se diante da exclusão prévia considerada intolerável no estágio de evolução social de um determinado país, em determinada época.

Não se trata de suprimir as diferenças, pois uma sociedade plural pressupõe o dissenso.[79] O que se busca é combater a marginalização indevida de determinadas categorias, a qual não se afigura razoável em dada realidade, mediante instrumentos que assegurem benefícios efetivos, aptos a promover saudáveis relações sociais, culturais e econômicas. Para alcançar tais relações saudáveis, entende-se necessário um mínimo de justiça que, por sua vez, requer igualdade de oportunidades no tocante aos direitos econômicos, sociais, culturais e administrativos  Valendo-se do magistério de F. John E. Roemer, o jurista português António de Araujo aduz que “a igualdade de oportunidades exige que as pessoas sejam compensadas pelas desvantagens que escapam ao seu controlo” e complementa com fulcro na Resolução nº 48/96 das Nações Unidas:

“‘O princípio de igualdade de direitos implica que as necessidades de todos e de cada um tenham igual importância, que essas necessidades sejam a base do planeamento das sociedades e que todos os recursos sejam utilizados de forma a garantir a cada indivíduo uma igual oportunidade de participação’ (ponto 25.).”[80]

Não é raro conceituar ações afirmativas como instrumentos temporários de política social.[81] De fato, há inúmeras políticas que se adequam à característica da transitoriedade anunciada.  Nesses casos, simultaneamente à ação afirmativa que busca favorecer determinada categoria, prescrevem-se medidas de correção das distorções originárias de modo a evitar que haja, no futuro, novos grupos marginalizados. Desaparecidas as diferenças de fato que justificaram a ação afirmativa, necessário que se impeça a continuidade da discriminação protetiva pelo ordenamento.

É preciso reconhecer, contudo, que em determinadas situações a exclusão não decorre de um aspecto histórico superável com o combate atual às suas causas. Existem ações afirmativas que tem como beneficiárias pessoas que integram a sociedade e sempre farão jus medidas includentes como é o caso dos deficientes. Não há como imaginar como transitória uma política de reserva de vagas para deficientes em concursos públicos. Assim como, eventual política de inclusão de sentenciados e egressos sempre se justificará, por ser improvável uma sociedade na qual inexistam ou em que não haja qualquer discriminação dificultadora do acesso ao mercado de trabalho. Em princípio, também se entende contínua a necessidade de proteção aos idosos e a segmentos do mercado como o das microempresas.

Atentando para tais peculiaridades, definem-se as ações afirmativas como um conjunto de políticas públicas e privadas, de caráter obrigatório ou facultativo, permanentes ou transitórias, con­cebidas para combater a discriminação racial, de gênero e por deficiência física, bem como para mitigar exclusões sociais inaceitáveis, sejam elas fundadas na origem nacional ou mesmo no pertencimento a determinadas categorias de indivíduos, da comunidade ou parcela do mercado, sendo clara a finalidade de evitar que grupos sejam privados de direitos e benefícios a que fariam jus caso não existissem barreiras artificiais, contrárias ao bom senso e aos princípios fundamentais da República. Evidenciado o caráter inadmissível da exclusão das pessoas, o objetivo a ser perseguido é a concretização da efetiva igualdade no acesso aos bens, às vantagens e a direitos fundamentais. A ampliação das oportunidades de acesso viabilizará o aumento da participação dessas pessoas nos diversos setores, o que garantirá sua maior representatividade nos domínios diversos da seara pública e privada.

Referido conceito ampliado de ações afirmativas insere não só as medidas de diferenciação positiva propriamente dita, mas também os tratamentos especiais a que fazem jus determinadas pessoas e grupos (discutidos no direito norte-americano sob a doutrina denominada accomodation clause).[82] Não é condição essencial à sua caracterização preconceito individual, nem mesmo discriminação histórica prévia como o que se discute na questão racial. A exclusão incompatível com as premissas do Estado Democrático de Direito consagrado constitucionalmente, bem como a existência de um impacto diferenciado e restritivo indevido em desfavor de determinadas categorias são justificativas sólidas para que sejam tomadas providências inclusivas. Nessa perspectiva, definem-se como ação afirmativa medidas que combatam o racismo, que promovam a inserção dos deficientes ou dos presos e egressos no mercado de trabalho, que assegurem o pagamento de tarifas módicas por serviços públicos essenciais viabilizando sua universalidade, que protejam positivamente as comunidades indígenas ou outros grupos/minorias sociais, que viabilizem a sobrevivência de entidades como cooperativas, microempresas e empresas de pequeno porte mediante preferências e vantagens tributárias ou administrativas.

Se é verdade que a expressão “ação afirmativa” tem sua origem e desenvolvimento vinculados à discriminação racial, não há dúvida que, no século XXI, o conceito ampliou-se para atingir as providências encarregadas de corrigir ou prevenir desvantagens ou exclusões intoleráveis à luz da igualdade substancial intrínseca ao Estado Democrático de Direito.[83] Também Leila Bellintani entende que “todo aquele mecanismo que tiver por escopo fomentar maior isonomia propiciando a aquisição igualitária dos bens da vida pode encaixar-se perfeitamente na conceituação de ação afirmativa.”[84]

É indispensável, em face da extensão assumida por esse conceito, que não remanesçam dúvidas quanto aos pressupostos essenciais à caracterização da sua juridicidade.

 

4.4. Pressupostos

Para que se possa falar em ação afirmativa é preciso que, fundamentalmente, haja uma exclusão preliminar que a justifique. Em algumas situações, tal exclusão decorre de um preconceito que, direta ou indiretamente, discrimina indivíduo ou grupos. Assim ocorre com o preconceito racial que impede ou dificulta o acesso dos negros a direitos que devem ser assegurados a todos. Não é em outro sentido a reação de boa parcela da sociedade em face dos presos e egressos do sistema penitenciário, mantidos à margem da profissionalização digna, do trabalho como meio de subsistência e da recuperação dos laços sociais. Diante dessa realidade, necessária a adoção de discriminações positivas que combatam os efeitos intoleráveis da discriminação ilícita.

Em outras situações, não se identifica um preconceito[85], vale dizer, não há uma aversão psicológica e social manifesta em face de determinadas categorias. Assim ocorre, por exemplo, com pessoas jurídicas como as cooperativas ou microempresas. Não se pode dizer que elas são alvo de percepções mentais negativas, não havendo representações sociais conectadas a um juízo preconceituoso, considerando-se o sentido técnico do termo. Com efeito, em uma realidade como a brasileira, não há uma percepção coletiva de que as cooperativas e microempresas sejam pessoas jurídicas inferiores, não se identificam claras atitudes depreciativas ou comportamentos individuais hostis à sua atuação, ausente uma deterioração identitária do referido grupo. Entretanto, pode se vislumbrar uma relação de desvantagem, no processo social, entre as cooperativas e as demais empresas que atuam no mercado, sendo clara a dificuldade de disputarem espaço em um mercado globalizado, com significativo poder econômico reunido em algumas empresas de grande porte. Esse contexto evidencia a possibilidade de uma exclusão fática intolerável, com risco para a própria sobrevivência das cooperativas e microempresas no mercado. É essa marginalização que torna razoável medidas que as favoreçam nos negócios públicos, na cobrança tributária e de encargos trabalhistas e previdenciários.

Em tais hipóteses, há uma desigualdade fática, identificada na realidade social, que deixa à margem de inserção um grupo de pessoas que, em um Estado Democrático de Direito, fazem jus à integração, com riscos flagrantes para a isonomia material, relativa e eficaz imposta pela Constituição. Daí se conclui que o primeiro pressuposto da ação afirmativa é que haja exclusão intolerável de pessoas em uma dada realidade, de modo a exigir condutas promotoras de igualação jurídica. Embora possam não existir indivíduos inferiorizados em razão de preconceito, tem-se minorias excluídas da igualdade substancial, marginalizadas, o que torna legítima a ação afirmativa.

Destarte, o primeiro pressuposto da ação afirmativa é a existência de um preconceito ilícito (como, p.ex., a discriminação racial historicamente comprovada ou a discriminação de presos e egressos do sistema penitenciário de natureza social e profissional), de uma discriminação negativa incontornável (como, p. ex., um limite físico) ou de uma exclusão desarrazoada (como, p. ex., sérias dificuldades para permanência no mercado das microempresas).

Presente tal exigência, é indispensável, ainda, que a ação afirmativa se mostre como o meio de assegurar materialmente a igualdade constitucional. Em outras palavras: é preciso que a discriminação positiva concebida seja realmente capaz de implantar a isonomia substancial, promovendo a inclusão necessária. Trata-se de examinar a proporcionalidade da medida, sob o prisma da adequação.[86] À obviedade, também é necessário aferir a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.[87]

Por conseguinte, além da exclusão fática anterior, intolerada (primeiro pressuposto), exige-se que a medida escolhida como ação afirmativa seja capaz de promover a inclusão necessária, com integral respeito à proporcionalidade (segundo pressuposto). É preciso aferir se o mecanismo utilizado para combater a exclusão contrária à igualdade é de fato capaz de promover a inclusão na espécie. Afinal, como pondera Marcelo Campos Galuppo ,“A discriminação é compatível com a igualdade se não for, ela também, fator de desigualdade injustificável racionalmente. E, mais que isso, a discriminação é fator que pode contribuir para a produção da igualdade.” [88] Com base nessas premissas é que se impõe analisar a constitucionalidade e legalidade de medidas inclusivas como as inseridas no Decreto Federal nº 9.450/2018.

Há situações em que se tem evidente uma exclusão prévia decorrente até mesmo de preconceito, mas as discriminações positivas não corrigem tal realidade, nem promovem a redistribuição dos bens sociais aos que deles necessitam no contexto social. Tal equívoco merece imediato repúdio, com adoção de técnicas que, observando a proporcionalidade, logrem alcançar a inclusão equânime na espécie.

O juízo que incidirá sobre ambos os pressupostos somente pode se realizar em cada caso concreto, sendo inviável uma resposta apriorística e abstrata sobre a legitimidade de uma ação afirmativa. Nesse mesmo sentido Marcelo Campos Galuppo observa:

“Por isso mesmo, só se pode avaliar se políticas públicas afirmativas contribuem ou não para a realização da igualdade caso a caso (Habermas, 1994a: 500), não possuindo essa questão uma resposta abstrata, porque o que deve ser avaliado é se tais políticas criam ou não desigualdades no caso concreto, ou seja, se permitem maior ou menor inclusão social.”[89]

 

4.5. Riscos e visão crítica

Quando os pressupostos da ação afirmativa estão presentes em determinada realidade, cabe a sua regular adoção. É preciso atentar, contudo, para aos riscos inerentes aos diversos sistemas de discriminação positiva. O “paternalismo do Estado Social” é um dos aspectos a serem enfrentados, de modo a evitar que ações afirmativas sejam adotadas sem o planejamento devido, para atingir fins pessoais diversos dos objetivos que a autorizam. Nessa linha de raciocínio, Álvaro Ricardo de Souza Cruz observa que o primeiro risco é exatamente o de serem adotadas “medidas afirmativas que se iniciam ‘apenas’ para atender ao ‘politicamente correto’ ou de cunho puramente eleitoreiro”, ao que acresce:

“Incluem-se aqui, também, medidas sem qualquer planejamento, ou seja, que não tenham perspectiva da provisoriedade das mesmas ou que não construam de fato a autonomia, gerando uma massa de manobra permanente em favor do Governo.”[90]

Além de ser necessário contornar tal risco, é preciso estar atento para o perigo de ações afirmativas que deveriam ser adotadas como medidas transitórias transformarem-se em soluções definitivas para a questão, sem que sejam combatidas as causas das exclusões originárias indevidas. Consoante já se explicitou, há ações afirmativas que se caracterizam pela transitoriedade. Nesses casos, é comum que, ao lado da discriminação positiva, seja essencial, cumulativamente, adoção de política pública capaz de enfrentar a causa da marginalização fática intolerável, de modo a suprimi-la e ensejar a desnecessidade da ação afirmativa. Se assim não ocorrer, o risco de as políticas afirmativas significarem a eternização de uma absurda discriminação empírica torna-se uma ameaça à própria razoabilidade do sistema. Esse é o pensamento de Álvaro Ricardo de Souza Cruz:

“Outro perigo está no risco de as presentes políticas afirmativas se transformarem em álibi para uma solução definitiva para a questão. Assim, as políticas afirmativas jamais poderão servir de discurso que justifique orçamentos públicos insuficientes para a educação ou para a saúde. Dizendo de outro modo, a aplicação de recursos em ações afirmativas, tais como cotas no ensino universitário, de modo algum exoneram o governo de aplicar adequadamente recursos no ensino básico, por exemplo.”[91]

Incumbe reconhecer, ainda, que algumas ações afirmativas são adotadas sem qualquer preocupação com os limites da sua efetiva aplicação, o que as torna vulneráveis à discussão da sua legitimidade. Com efeito, o seu caráter meramente simbólico, resultante da falta de preocupação com a efetividade da medida, traz um problema de suma relevância, a ser enfrentado em cada situação específica.[92]

O fato de ser necessário encarar os perigos inerentes às ações afirmativas não significa que as mesmas não mereçam implantação em cada realidade. Trata-se de discriminações lícitas que, como todo comportamento capaz de atingir diversas esferas subjetivas em uma complexa teia social, requerem cautelas daqueles que as formulam e as executam. Aceitar os cuidados indispensáveis e enfrentar os riscos não equivalem à rejeição do instituto, mas, ao contrário, reforçam a necessidade da sua adoção efetiva.

Ao analisar esse aspecto, Joaquim Barbosa reconhece que as ações afirmativas constituem o mais ousado e inovador experimento constitucional concebido pelo Direito no século XX, sendo desafiadora a  tarefa de discriminar positivamente como tentativa de se reduzirem as perspectivas de uns em benefícios de outros. Para o Ministro do Supremo Tribunal Federal,

“Quanto mais intensa a discriminação e mais poderosos os mecanismos inerciais que impedem o seu combate, mais ampla se mostra a clivagem entre discriminador e discriminado. Daí resulta, inevitavelmente, que aos esforços de uns em prol da igualdade se contrapõem os interesses de outros na manutenção do status quo. É curial, pois, que as ações afirmativas, mecanismo jurídico concebido com vistas a quebrar essa dinâmica perversa, sofram o influxo dessas forças contrapostas e se convertam em pano de fundo para acalorados debates filosóficos e para acirradas contendas judiciais e políticas.”[93]

A percepção das forças que se contrapõem às ações afirmativas como mecanismo de concretizar uma sociedade plural e isonômica é fundamental para que o instituto lograr operacionalização eficaz. Não se trata de desafio simples, pois “mover a maioria em favor de ações afirmativas geradoras de custos socioeconomicos e políticos é uma tarefa espinhosa”, sendo os riscos de erros e desacertos assumidos  por admitirmos sua indispensabilidade na condição de uma sociedade democrática.[94]

Conforme já se explicitou à exaustão, não se está diante de um privilégio ilícito, mas, ao contrário, trata-se de instrumento concretizador da igualdade material. A responsabilidade do Estado na execução dessa tarefa é manifesta, em razão da sua sujeição aos princípios consagrados na Constituição. Ademais, em um mundo no qual impera o individualismo, é essencial que o Estado reconheça a sua função de concretizar instrumentos que operacionalizem ações benéficas ao coletivo. Não lhe é lícito ser um mero espectador dos graves problemas enfrentados pela sociedade, tantas vezes excludente de interesses legítimos de categorias e de minorias que a integram, mas que não são por ela protegidas. Abandonar a posição de neutralidade formal nada mais significa do que assumir os deveres que lhe são impostos na formulação e execução de políticas públicas. Adotar o que atualmente se denomina “comportamento pró-ativo estatal” consubstancia somente deixar o conforto da omissão incompatível com a feição material assumida contemporaneamente pelo princípio da igualdade.

Não se ignore que, hoje em dia, ao Estado cabe, inclusive, a função de promotor do coletivo, aspecto essencial para uma sociedade justa e democrática:

“Em um mundo cada vez mais complexo e incerto, o Estado permanece um quadro privilegiado de formação de identidades coletivas e um dispositivo fundamental de integração social; a ele cabe ‘recriar sem cessar o liamo social sempre em via de romper-se’, encarnando os valores comuns ao conjunto de cidadãos, arbitrando os conflitos de interesses, assumindo a tarefa da gestão dos riscos, gerindo os serviços coletivos (…)”.[95]

Não se entende haver, nesse contexto, ofensa ao ordenamento, nem mesmo exclusão do mérito como critério orientador dos comportamentos públicos. O tratamento diferenciado justifica-se exatamente em razão das peculiaridades das pessoas beneficiárias da ação afirmativa. E as vantagens previstas não são, em nenhuma medida, incompatíveis com o estabelecimento de aspectos mínimos de competência técnica a serem preenchidos pelos beneficiários. Isso porque, ao adotar ações afirmativas, o Estado não renuncia ao dever de firmar vínculos apenas com aqueles que satisfazem minimamente suas necessidades. É necessário que sejam exigidos critérios de qualificação básicos dos interessados, a fim de que as necessidades administrativas sejam satisfeitas. Mesmo quando se trata de dever inclusivo imposto aos contratados do Estado, tem-se a perspectiva de analisar a viabilidade de concreção da medida como a previsão de “declaração emitida pelo órgão responsável pela execução penal de que dispõe de pessoas presas aptas à execução de trabalho externo” (artigo 5º, § 1º, I do Decreto Federal nº 9.450/2018), o que torna evidente a preocupação de não deixar pessoas sem habilidades profissionais executarem tarefas na execução de serviços de engenharia para a Administração Pública.

Não se pode, destarte, excluir integralmente o mérito como um elemento a ser aferido quando da atuação administrativa. Embora seja certo que não será ele o único critério de distribuição de recursos ou de seleção pública, é indispensável que sejam avaliadas as condições técnicas da pessoa que se vinculará diretamente ao Estado ou indiretamente ao contratado da Administração. Sob essa perspectiva, é fácil perceber a essencialidade de se manter o critério do mérito inserido na política de discriminação positiva e a exequibilidade dessa medida. Fixado o mínimo de que necessita o Estado do ponto de vista da competência e atendidas tais exigências meritórias pela pessoa interessada, nenhum problema se vislumbra com a política inclusiva em questão.

Não adianta abrir oportunidades para grupos cujos membros não detém o mínimo de qualificação indispensável para que se beneficiem do programa afirmativo. De que adianta postergar para assinatura do contrato a prova da regularidade fiscal da microempresa se esta não apresenta a regularidade perante a Seguridade Social exigida pelo artigo 195, § 3º da Constituição? De que vale exigir formalmente que 10% do quadro de pessoal dos contratados da Administração sejam sentenciados ou egressos do sistema penitenciário se os mesmos não possuem a qualificação mínima necessária para execução das atividades pertinentes ao objeto contratado? Daí se conclui que, além da ação afirmativa, é preciso que haja auxílio efetivo viabilizador dos benefícios concebidos. Além de preparo preliminar, é indispensável orientação simultânea e acompanhamento posterior. Só assim enfrenta-se a questão social que também figura na base da realidade a ser trabalhada, promovendo-se uma redistribuição efetiva e capaz de promover a inclusão desejada.

Há quem entenda como assistencialismo exagerado ações afirmativas adotadas em diversos setores, como a tarifação diferenciada em determinados serviços públicos – admitida até mesmo a isenção em favor da população mais pobre -, assim como no caso das medidas benéficas introduzidas na lei de licitações, seja em favor de micro e pequenas empresas, seja em benefício de empresas que produzem bens e serviços no país, seja em favor da contratação de presos e egressos pelas empresas que prestam serviços ao Estado. Com a devida vênia, se identificadas na realidade do país distorções prévias culminantes na exclusão de grupos e pessoas que se veem privados da necessária inserção estatal ou social, afigura-se lícito e recomendável o emprego de instrumentos aptos a combater tais desvios e promover igualdade de oportunidades. É exatamente isso que se vislumbra na base sociológica que fundamentou a edição do Decreto Federal nº 9.450/2018. Não diverge de tal posição Álvaro Ricardo de Souza Cruz:

“As ações afirmativas são, portanto, atos de discriminação lícitos e necessários à ação comunicativa da sociedade. Logo, não devem ser vistos como ‘esmolas’ ou ‘clientelismo’, mas como um elemento essencial à conformação do Estado Democrático de Direito. São, pois, uma exigência comum a países desenvolvidos como os Estados Unidos e a países subdesenvolvidos como o Brasil.”[96]

Não se entrevê vício em uma política que implique redistribuição de riquezas, imposição de oportunidades profissionais a grupos excluídos, principalmente quando os recursos empregados são de natureza pública e se voltam, predominantemente, para categorias essenciais para o Estado ver realizadas objetivos constitucionais como redução da pobreza e ressocialização de condenados pelo sistema punitivo de natureza penal. Com efeito, utilizar meios de inclusão de pessoas marginalizadas como egressos do sistema penitenciário concretizam uma participação igualitária, de que não pode se ressentir uma sociedade democrática. Beneficiar, em termos ponderados, pessoas que precisam voltar ao mercado para evitar a reincidência e resgatar a própria dignidade auxilia na construção de um país com melhores condições de habitualidade em favor de todos. Em nenhuma dessas condições é lícito impedir a contratação de por pessoas que jamais foram criminalmente condenadas; trata-se somente de buscar, com estrita observância da proporcionalidade, os limites possíveis de um programa afirmativo. Daí dispor-se percentuais mínimos de contratação (p. ex., artigo 6º, I a VI, do Decreto Federal nº 9.450/2018), em relação a objetos específicos (serviços de engenharia), com preocupação de aferir a existência de mão de obra com habilidades necessárias para fazer jus ao trabalho junto às empresas contratadas pelo Poder Público.

Nesse contexto, reconhece-se a amplitude do desafio a ser enfrentado quando se trata de ações afirmativas. É indispensável que sejam adotadas nas realidades em que se fazem necessárias. É igualmente imprescindível que os riscos que as cercam não sejam ignorados, sob pena de comprometimento do próprio sistema de discriminações positivas. É fundamental que haja cautela na escolha das medidas as tornaram concretas. É necessária atenção ao exigir os critérios de qualificação mínimos para que os beneficiários façam jus aos benefícios do programa afirmativo. Para tanto, é mister sempre analisar cautelosamente os instrumentos que vem sendo eleitos a esse título.

 

4.6. Medidas normativas e concretas

As ações afirmativas já assumiram formas diversas em contextos distintos. De ações voluntárias privadas a programas governamentais inseridos em políticas públicas, normatizados por regras constitucionais, legais e administrativas, vários têm sido os mecanismos de operacionalização das discriminações positivas. Luciana de Barros Jaccoud e Nathalie Beghin indicam como políticas de ação afirmativa, que buscam igualdade de oportunidades, aquelas que objetivam beneficiar membros de minorias discriminadas:

“1) aumentando sua qualificação; (2) promovendo a melhoria de seu acesso ao mercado de trabalho; (3) apoiando as empresas de sua propriedade ou empresas que promovam a diversidade; e (4) garantindo sua participação nos meios de comunicação.”[97]

Na verdade, as medidas inclusivas que combatem marginalizações intoleráveis assumiram espectro mais amplo do que o delineado inicialmente. As ações afirmativas abrangem o escalonamento e a isenção de tarifas cobradas pela prestação de serviços públicos; a reserva de vagas em concursos públicos e em Universidades; fornecimento de vantagens econômicas; benefícios em procedimentos de contratação pública; programas de aperfeiçoamento profissional; exigências específicas daqueles que firmam vínculo, inclusive de natureza contratual, com o Estado; outorga de bolsas para estudantes, além de vantagens outras previstas para o mercado de trabalho, setor educacional ou economia.

A diversidade das medidas é diretamente proporcional à multiplicidade de ambientes em que podem se justificar as ações afirmativas, bem como ao grande número de instrumentos aptos a promover a redistribuição de vantagens, bens e direitos. Por conseguinte, as ações afirmativas não se reduzem ao estabelecimento de cotas ou metas a serem atingidas.[98] Após análise específica de cada realidade que permita a identificação de uma exclusão social desarrazoada, serão então definidos os instrumentos aptos a efetivar a inclusão desejada. O exame do pressuposto e a escolha da medida afirmativa implicarão análise de elementos que exorbitam a Ciência Jurídica e que advém da economia, história, sociologia ou de outras ciências (humanas, exatas ou naturais).

Um dos mecanismos que, no Brasil, vem sendo recentemente utilizado de forma mais larga refere-se ao emprego do poder de compra do Estado em favor de categorias que se entende merecedoras da discriminação positiva. O Poder Público conscientizou-se do poder que detém não só na esfera estatal, mas também em relação às entidades privadas, quando emprega recursos orçamentários no exercício das suas competências. Essa a exposição levada a efeito por Carlos Alberto Medeiros ao tratar do purse power (“poder da carteira” ou “poder do dinheiro”), instituído pela já mencionada Executive Order nº 11.246, de 1965:

“Esse poder decorre do fato de o governo ser o maior comprador de bens e serviços, e também distribuidor de verbas públicas a organizações sem fins lucrativos, tais como universidades, hospitais, teatros, filarmônicas, além de organizações não-governamentais de diversos tipos. O governo descobre, assim, sua capacidade de impor, como condição de participação em licitações públicas, ou para o recebimento de doações de verbas públicas, que empresas e outras organizações adotem determinadas políticas – no caso, as chamadas políticas de ‘diversidade’.”[99]

Nos Estados Unidos, além da Executive Order nº 11.246, de 1965, o Congresso aprovou a Lei de Igualdade de Oportunidades no Emprego que, por meio de emenda ao Título VII da Lei dos Direitos Civis, buscava combater a discriminação no trabalho nas empresas privadas. “Essa lei também autorizava o Departamento de Justiça a processar governos estaduais e municipais de modo a obrigá-los a alterar suas políticas de pessoal.”[100] Diplomas dessa natureza tornaram-se instrumentos do Estado obrigar os empregadores, privados e públicos, a estabelecer e cumprir metas de inclusão de minorias em seu quadro de pessoal, uma vez que

“‘a celebração de qualquer contrato com a Administração fica condicionada ao comprometimento, por parte do contratante, não só de contratar em percentuais razoáveis certas minorias, mas igualmente de oferecer-lhes efetivas condições de progresso na carreira’ (Gomes, 2001, p. 54).”[101]

O que se engendrou nos Estados Unidos foi o uso do poder que o Estado detém pelo simples fato de celebrar contratos com empresas atuantes no mercado. O entendimento de que o dispêndio de recursos públicos deve servir às causas de interesse coletivo fundamentou que universidades, hospitais, organizações sem fins lucrativos e pessoas jurídicas várias fossem submetidas à exigência de não discriminação e, além disso, à adoção de medidas positivas de inclusão. [102] Ainda segundo Carlos Alberto Medeiros ao analisar a evolução histórica norte-americana:

“Na área empresarial, um passo importante foi dado em 1977, com o Public Works Emplyment Act, ou Lei de Contratação para Trabalhos Públicos, na verdade uma emenda ao Local Public Works Capital Development and Investment Act (Lei de Desenvolvimento e Investimento de Capital para Trabalhos Públicos Locais), do ano anterior. Por essa legislação, pelo menos dez por cento dos fundos federais concedidos para projetos em locais públicos deveriam ser reservados (‘set aside’) pelos governos estaduais ou municipais à compra de bens e serviços fornecidos por empresas de propriedade de ‘minorias’ – as chamadas ‘minority business enterprises’ (MBE).”[103]

A citada legislação, que previa cotas reservadas nos contratos estaduais ou municipais em favor de empresas de propriedade das minorias, teve a sua constitucionalidade proclamada pela Suprema Corte em 1980, no caso Fullilove versus Klutznick:

“Embora empregando o mais rigoroso padrão de julgamento, o strict scrutiny, ou estrita investigação, que implica a necessidade de provar que determinadas medidas são ‘estritamente talhadas’ para se atingir o objetivo, definido pelo Governo, da integração, a Corte concluiu que o Congresso tem o poder de estabelecer políticas sociais dessa natureza, e também que o programa de ação afirmativa examinado constituída um meio aceitável, do ponto de vista constitucional, para a consecução do referido objetivo. Mas ao mesmo tempo estabelecia que tais programas deviam ser ‘estritamente talhados para atingir tais objetivos’ e ‘submetidos à contínua avaliação e reavaliação’.” [104]

No Brasil, é recente a compreensão da amplitude do dever do Estado no combate às discriminações fáticas indevidas, especialmente quanto ao nível de engajamento e à vontade política dos órgãos que são necessários. Mais recente ainda foi vislumbrar a força persuasória inerente ao emprego dos recursos públicos, com possibilidade de vinculação do poder de aquisição estatal à concreção de políticas de ação afirmativa. Como assevera Joaquim Barbosa, é formidável o poder de barganha e de supremacia estatal para fazer avançar a política de erradicação das desigualdades, sendo possível adotar medidas eficazes no envolvimento de pessoas, entidades públicas e privadas em favor das discriminações positivas.[105]

Malgrado seja claro o potencial de atuação do Poder Público, a avaliação geral é que o Estado “ainda faz pouco” e precisa assumir suas responsabilidades, sem se deixar levar pelo paternalismo.[106] Na tentativa de superar as dificuldades estatais, vem sendo apontado como passo relevante na ampliação da efetividade pública quanto aos programas afirmativos, a edição de diplomas como a Lei Complementar nº 123 e a Lei Federal nº 12.349, além de normatizações em sede de Decretos veiculadores de regulamento, em se tratando de normas gerais como as de licitação e contratos administrativos (p. ex., o Decreto Federal nº 9.450/2018).

Embora seja certo que simplesmente editar leis e decretos não consubstancia medida eficaz quando se trata de erradicar ou minimizar, de fato, desigualdades, a superveniência de diplomas veiculadores de discriminações positivas consiste etapa importante da evolução brasileira no tratamento das ações afirmativas. Considerando esse aspecto, analisaremos as determinações recentes que buscam concretizar nas licitações públicas o princípio da igualdade material.

 

5. Dentre as ações afirmativas nas licitações públicas, o Decreto Federal nº 9.450/2018

Será analisado especificamente o Decreto Federal nº 9.450/2018 como instrumento que trata de ações afirmativas em relação às licitações públicas. O objetivo do referido diploma é instituir a política nacional de trabalho no âmbito do sistema prisional, em cujo bojo se destaca o conjunto de medidas de inclusão de sentenciados e egressos na formação do quadro de pessoal dos contratados pela Administração Pública. A tarefa deve ser implementada pela União, em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal e Municípios (artigo 1º, § 2º do Decreto Federal nº 9.450/2018), sendo possível para sua execução firmar convênios ou instrumentos de cooperação técnica da União com o Poder Judiciário, Ministério Público, organismos internacionais, federações sindicais, sindicatos, organizações da sociedade civil e outras entidades de empresas privadas (artigo 1º, § 3º do Decreto Federal nº 9.450/2018). Há previsão expressa no § 4º do artigo 1º do referido Decreto de que seja “promovida a articulação e a integração da Pnat com políticas, programas e projetos similares e congêneres da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Historicamente, já eram inúmeras as regras que, em âmbito estadual, exigiam que a contratação de obras e de serviços pela Administração Pública se desse mediante reserva de percentual do total das vagas existentes para os sentenciados penais e egressos. Referidas medidas, que consubstanciam ação afirmativa, merecem análise considerando-se a sua natureza específica e os aspectos que devem ser enfrentados e superados para a sua real operacionalização.

 

5.1. Da obrigatoriedade de os contratados da Administração reservarem vagas em favor dos sentenciados ou egressos

A exigência do uso de mão de obra de presos e egressos na execução dos contratos administrativos consiste providência que na última década veio sendo discutida nos procedimentos licitatórios, tendo sido editado o Decreto Federal nº 9.450 em 24.07.2018. Antes do referido diploma regulamentar, como meio de reinserção social, leis específicas estaduais já fixavam que os editais de licitação deveriam exigir que os futuros contratados reservassem determinado percentual das vagas pertinentes às obras ou serviços para preenchimento por sentenciados ou egressos. No caso do Estado de Minas Gerais, a Lei Estadual nº 11.404/94 previa a contratação de obras e de serviços pela administração pública com reserva de 10% do total das vagas existentes para os sentenciados, sendo claro o objetivo de ressocialização dos presos e de assistência ao egresso do sistema penitenciário.

Sobre essa matéria, observa-se o cuidadoso levantamento realizado por Thiago Cardoso Araújo, em especial no tocante ao tratamento legislativo dado ao tema.[107] Segundo o autor, a Lei de Execuções Penais, de 11 de julho de 1984, instituiu disposições para a harmônica integração social do condenado por práticas de ilícitos penais, assegurando todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Definiu como egresso, no artigo 26, aquele que foi liberado em definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano, a contar da saída do estabelecimento em que cumpria a pena, assim como o liberado por força de condicional, durante o período de prova. O Decreto Federal nº 9.450/2018 observou o referido conceito, de modo expresso, conforma regra do seu § 5º do artigo 1º.

O artigo 33 do Código Penal, com a redação atribuída pela Lei nº 7.209, de 11.07.84, fixa que a pena de reclusão é cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto, sendo a pena de detenção cumprida em regime semi-aberto ou regime aberto. Em se tratando de preso condenado a cumprir pena em regime fechado, ensina Guilherme de Souza Nucci que o trabalho externo somente é admissível “em serviço ou obras públicas realizados por órgãos da administração direta ou indireta, em regra; eventualmente, pode ser feito em entidades privadas, desde que sob vigilância”, ao que acresce:

“Esse trabalho será remunerado e, quando for realizado em entidades privadas, depende do consentimento expresso do preso. Para ser autorizada essa modalidade de trabalho, torna-se indispensável o cumprimento de, pelo menos, um sexto da pena (arts. 36 e 37, LEP).” [108]

Conforme magistério de Nucci, em se tratando de regime semi-aberto, o trabalho externo é admissível em caráter excepcional, devendo-se atentar para a súmula 40 do Superior Tribunal de Justiça.[109]  Em se tratando de regime aberto, é lícito ao sentenciado desenvolver atividades laborativas externas durante o dia, recolhendo-se durante o repouso noturno à Casa do Albergado ou estabelecimento similar sem rigorismo de uma prisão.[110]

Em face do referido contexto[111], pode-se afirmar que a LEP assegurou ao apenado a realização de trabalhos internos e externos, na medida de suas aptidões e capacitações, respeitadas as características do regime da sua condenação. Trata-se de dever social e forma de restabelecer sua dignidade humana, sendo clara a sua finalidade educativa e produtiva (artigo 28 da LEP). Prevê-se que a remuneração pelos serviços prestados não poderá ser inferior a ¾ (três quartos) do salário mínimo, além de garantir a profissionalização do preso, a redução da pena na proporção de um para cada três dias trabalhados e o depósito de 15% (quinze por cento) do salário em conta, que, no entanto, só poderá ser resgatado após o preso adquirir a liberdade.

Ao tratar da matéria Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli prescrevem:

“Em todos os casos, o trabalho do condenado deverá ser remunerado, ‘sendo-lhe garantidos os benefícios da Previdência Social’ (art. 39 do CP). Todavia o trabalho do preso não está submetido ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (§ 2º do art. 28 da Lei de Execução Penal). (…) A Lei de Execução permite o trabalho em entidade privada, mediante prévio consentimento expresso do preso (art. 36, § 3º).”[112]

Esclarece Thiago Cardoso Araújo que o trabalho para o apenado não se caracteriza pelo caráter punitivo.[113] Ao revés, na medida em que o Estado estimula o encarcerado ao trabalho, dota o labor de forte caráter social. Mas, à obviedade, não pode o Estado obrigar o condenado a laborar[114]; deve somente incentivá-lo a isso. Nesses casos, um dos problemas mais relevantes é que, uma vez estimulado ao trabalho, no mais das vezes, depara-se o preso e o egresso com a impossibilidade de empregar sua força de trabalho, por conta da ausência de ofertas. Chama atenção a especial gravidade da situação específica dos egressos, porquanto há maior facilidade para a alocação da mão-de-obra dos encarcerados, que podem trabalhar em oficinas montadas nos estabelecimentos prisionais e na própria manutenção dos presídios. A mesma oferta não está disponível para o momento em que os encarcerados forem liberados, passando à condição de egressos.

Nesse contexto, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ editara a Resolução nº 96, de 27.10.2009, que instituiu o Projeto Começar de Novo, criado no âmbito do Poder Judiciário, com a pretensão de promover ações sociais para a reintegração dos presos e egressos na sociedade. Referida política pública atentou para a circunstância de que o apenado, por si só, não consegue se erguer sozinho, necessitando de auxílio por parte da sociedade, que deve estimular a ressocialização dos condenados, por meio de trabalhos e cursos de capacitação. O objetivo da iniciativa foi, mediatamente, a partir da ressocialização promovida pelo reingresso no mercado de trabalho, reduzir a reincidência. No Estado do Rio de Janeiro, foi criada a Fundação Santa Cabrini pelo Decreto nº 1.478/77, para interceder junto aos presos e egressos do sistema carcerário, buscando a ampliação dos postos de trabalho para detentos e egressos com a meta de reintegrá-los na sociedade civil. Ressalte-se o Termo de Cooperação firmado em 09 de fevereiro de 2010 pelo Estado do Rio de Janeiro, Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Conselho Nacional de Justiça, para implantar um programa cujo objetivo é a troca de informações e capacitação técnica necessárias para a inserção de presos e egressos no mercado de trabalho, e ampliar a mão-de-obra proveniente do sistema carcerário que labora em obras do governo estadual.

No Estado de São Paulo, destacaram-se os programas Pró Egresso e Inserção de Jovens Egressos, instituídos pelos Decretos nº 55.125/09 e 55.126/2009, respectivamente. Como característica principal, destaca-se a possibilidade de a Administração Pública inserir exigência editalícia para adoção do licitante vencedor de percentual de mão-de-obra presa/egressa. Nos termos dos artigos 3º e 4º do Decreto Paulista nº 55.125/2009:

“Art. 3º Para a consecução dos objetivos contidos neste Decreto, fica facultada, aos órgãos da Administração Direta e às entidades da Administração Indireta, nos editais que cuidarem de licitar obras ou serviços, que para sua execução necessitem um contingente mínimo de 20 (vinte) trabalhadores, a exigência de que a proponente vencedora disponibilize até 5% (cinco por cento) das vagas envolvidas diretamente na execução do respectivo objeto da licitação aos egressos do sistema socioeducativo e aos indivíduos em cumprimento de medidas socioeducativas.”

Já o artigo 4º do Decreto Paulista nº 55.126/2009 estabeleceu:

“Art. 4ºPara a consecução dos objetivos contidos neste decreto, fica facultada, aos órgãos da Administração Direta e às entidades da Administração Indireta, nos editais que cuidarem de licitar obras e serviços, a exigência de que a proponente vencedora disponibilize, para execução do contrato, vagas de trabalho aos beneficiários indicados no artigo 2º, da seguinte forma:

I – 5% (cinco por cento) das vagas para um contingente mínimo de 20 (vinte) trabalhadores;

II – 1 (uma) vaga, quando o mínimo de trabalhadores for 6 (seis) e o máximo 20 (vinte).

Parágrafo único – Na obra ou serviço que necessite para sua realização até 5 (cinco) trabalhadores será facultativa a contratação de que cuida o PRÓ-EGRESSO.”

O Estado do Espírito Santo, por sua vez, regulamentou o Decreto nº 2640-R, que obrigava o contratado pela Administração Pública Estadual a utilizar mão-de-obra egressa, no percentual de 6%, sendo 3% para presidiário e 3% para egresso, com exceção dos contratos que tenham por objeto os serviços de segurança, vigilância ou custódia.

O Estado de Minas Gerais, além de editar a Lei nº 18.401/2009, regulamentada pelo Decreto nº 45.119/2009, que estabeleceu a concessão de subvenção econômica às pessoas jurídicas que contratarem egressos do sistema prisional, prescreveu no artigo 39, § 3º da Lei Estadual nº 11.404/94, com a redação atribuída pela Lei nº 18.725/10: “Art. 39 (…) § 3º. Na contratação de obras e de serviços pela administração direta ou indireta do Estado serão reservados para sentenciados até 10% (dez por cento) do total das vagas existentes”.

Embora dispositivos como o da legislação mineira restrinjam sua incidência ao auxílio em favor do preso, não o estendendo ao egresso, é certo que se tratava de normatização que buscava favorecer minoria que enfrenta dificuldades claras de reinserção do no mercado de trabalho, sendo o atingimento desse objetivo não só um interesse individual, mas de toda sociedade.

Agora, com base no artigo 40, § 5º do Estatuto das Licitações e no artigo 37, XXI da Constituição da República, foi editado o Decreto Federal nº 9.450/2018 que instituiu a política nacional de trabalho no âmbito do sistema penitenciário fixando a sua implementação pela União em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como determinando que seja promovida “a articulação e a integração do Pnat com políticas, programas e projetos similares e congêneres da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (artigo 1º, §4º do Decreto Federal nº 9.450/2018).

O artigo 3º do citado Decreto determina como diretrizes do Pnat “estabelecer mecanismos que favoreçam a reinserção social das pessoas presas em regime fechado, semiaberto e aberto, e egressas do sistema prisional” (inciso I); adotar estratégias de articulação com órgãos públicos, entidades privadas e com organismos internacionais e estrangeiros para a implantação desta Política (inciso II); ampliar as alternativas de absorção econômica das pessoas presas em regime fechado, semiaberto e aberto, e egressas do sistema prisional (inciso III); estimular a oferta de vagas de trabalho para pessoas presas em regime fechado, semiaberto e aberto e egressas do sistema prisional (inciso IV). Os objetivos da política restaram indicados no artigo 4º do Decreto Federal nº 9.450/2018:

“I – proporcionar, às pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional, a ressocialização, por meio da sua incorporação no mercado de trabalho, e a reinserção no meio social;

II – promover a qualificação das pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional, visando sua independência profissional por meio do empreendedorismo;

III – promover a articulação de entidades governamentais e não governamentais, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, visando garantir efetividade aos programas de integração social e de inserção de pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional e cumpridoras de pena restritiva de direitos ou medida cautelar;

IV – ampliar a oferta de vagas de trabalho no sistema prisional, pelo poder público e pela iniciativa privada;

V – incentivar a elaboração de planos estaduais sobre trabalho no sistema prisional, abrangendo diagnósticos, metas e estratégias de qualificação profissional e oferta de vagas de trabalho no sistema prisional;

VI – promover a sensibilização e conscientização da sociedade e dos órgãos públicos para a importância do trabalho como ferramenta para a reintegração social das pessoas em privação de liberdade e egressas do sistema prisional;

VII – assegurar os espaços físicos adequados às atividades laborais e de formação profissional e sua integração às demais atividades dos estabelecimentos penais;

VIII – viabilizar as condições para o aprimoramento da metodologia e do fluxo interno e externo de oferta de vagas de trabalho no sistema prisional;

IX – fomentar a responsabilidade social empresarial;

X – estimular a capacitação continuada dos servidores que atuam no sistema prisional quanto às especificidades e à importância da atividade laborativa no sistema prisional; e

XI – promover a remição da pena pelo trabalho, nos termos do art. 126 da Lei nº 7.210, de 1984.”

Não há dúvida quanto à pertinência de se buscar, nas contratações administrativas, mecanismo de viabilizar a recuperação de presos e tornar possível sua ressocialização após saída do sistema penitenciário, mediante concreção de cada um dos objetivos mencionados. Trata-se de parcela da sociedade a ser incorporada em relações formais de natureza profissional, sob pena de reincidência criminosa com sacrifício dos interesses do restante da comunidade. Quando a Administração Pública compromete-se com esse objetivo, a tentativa é de tornar real o que a doutrina denomina “Estado Solidário” como vinculante das políticas públicas. Se todos somos membros de uma mesma sociedade e parte dela, deliquente, nos requer esforço de recuperação, é exigido da comunidade sentimento de responsabilidade e solidariedade:

“A solidariedade corresponde ao pertencimento a um determinado grupo social, do que resulta compartilhar os benefícios, mas também a responsabilidade nas dificuldades, o que identifica a idéia de fraternidade. (…)

A solidariedade supõe, portanto, não apenas vínculo com a sociedade, pelo que a todos cabe o dever de contribuir para sua superação. A garantia de suficiência de recursos necessários ao respeito pela dignidade humana passa a ser um problema social, e não mais exclusivamente individual e, para além disso, uma questão jurídica, levada às Constituições sob a forma de direitos e deveres fundamentais.”[115]

Um Estado em que a própria Administração oportuniza a recuperação de presos através da chamada “laborterapia” e a reinserção social aos egressos mediante oportunização de trabalho atinge a dimensão da solidariedade que se espera em uma sociedade livre, justa e fraterna. Tem-se um Estado em que o sentimento de pertencimento, de corresponsabilidade e de auxílio mútuo repercute na consecução das atividades públicas, realizando-se da forma mais democrática possível, sem a qual não há sequer a dignidade mínima determinada pela Constituição. Perseguir esse objetivo é tarefa da Administração no exercício da atividade de planejar e decidir as ações públicas, inclusive no tocante às suas contratações. Trata-se de mecanismo eficiente de superação de preconceito e concreção da igualdade material.

A lição da doutrina contemporânea requer que a solidariedade seja o alicerce de direitos fundamentais, em especial dos direitos que podem assegurar um mínimo para existência digna a cidadãos que precisam de oportunidade de reinserção social. Que ela seja um guia de interpretação de direitos fundamentais. Que se torne o fundamento de deveres fundamentais, seja na gestão dos interesses sociais atuais, seja no compromisso com gerações futuras, no caso de interesses difusos[116], seja na concepção dos instrumentos convocatórios que regerão procedimentos ao final dos quais serão firmados contratos administrativos. Segundo Hans-Georg Gadamer, “Se não aprendermos a virtude da hermenêutica, isto é, se não reconhecermos que se trata, em primeiro lugar, de compreender o outro, a fim de ver se, quem sabe, não será possível, afinal, algo assim como solidariedade da Humanidade (…) então – se isso não acontecer -, não poderemos realizar as tarefas essenciais da Humanidade, nem no que tem de menor nem no que tem de maior”.[117]  É preciso compreender que buscar medidas de viabilizar o trabalho para presos e egressos é reconhecer no outro um cidadão que merece chance de recuperação e, ainda, um dever inafastável de um Estado Solidário que busca um mínimo de paz social, através de ações afirmativas que sejam eficientes.

Isso não significa, entretanto, que cabe adotar uma política genérica de empregabilidade de presos e egressos de modo a atingir todo e qualquer contrato administrativo, independente do seu objeto. Haverá situações em que não se mostrará possível ou mesmo razoável reservar um percentual de vagas do quadro de pessoal do contratado em favor dos sentenciados e egressos. Daí o Decreto Federal nº 9.450/2018 ter restringido a obrigatoriedade de as empresas contratadas no âmbito da União (administração direta, autárquica e fundacional) terem em seus quadros presos e egressos do sistema prisional somente em se tratando de “contratação de serviços, inclusive os de engenharia, com valor anual acima de R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais)” (artigo 5º), observando-se a gradação de percentual de 3% a 6%, proporcional ao número de funcionários necessários na execução de cada acordo, conforme artigo 6º, I a IV.

A viabilização de uma medida dessa natureza exige que haja uma estruturação mínima dos órgãos administrativos competentes para atuar nessa seara. Assim, é preciso que se organize, efetivamente, um portal de oportunidades por órgão com competência na seara como é o caso, v.g. do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A implantação de um sistema dessa natureza, devidamente instruído e em funcionamento, permitirá aferir elementos suficientes que subsidiem a indicação dos sentenciados os quais poderão ser utilizados nas contratações públicas do Estado. É mister que sejam informados números atualizados de sentenciados já cadastrados, bem como as respectivas qualificações disponíveis e demais dados relevantes para a operacionalização de projeto dessa monta, viabilizando a implantação eficiente do mesmo. A importância de referida estrutura, como pressuposto fático indispensável à execução da obrigação imposta ao contratado, resta clara diante da regra do artigo 5º, § 1º, I, parte final que menciona a apresentação de declaração emitida pelo órgão responsável pela execução penal de que há pessoas presas aptas à execução de trabalho externo.

Outrossim, caso algum ente federativo opte por normatizar a matéria exercendo competência legislativa e regulamentar própria, e amplie a execução da ação afirmativa, é mister que os órgãos públicos e entidades administrativas façam um levantamento dos objetos comumente contratados, indicando, em listagem, os tipos de acordos firmados (p. ex., portaria, limpeza, fornecimento de material de escritório, obras), de modo a se tornar possível exame da viabilidade, ou não, da ação afirmativa em se tratando desses objetos contratuais. Ademais, trata-se de informação necessária, relativa à demanda do Estado, que deverá ser ponderada com a mão de obra oriunda do sistema penitenciário disponível para inserção no projeto de ressocialização, mormente sob o aspecto da qualificação indispensável ao enquadramento nas empresas que se tornem responsável pela execução dos objetos contratados. Como já se elucidou, medidas inclusivas de categorias marginalizadas não equivalem a autorização para o Poder Público dispensar o mínimo de conhecimento técnico necessário à execução dos serviços, bens e obras de que necessita; ações afirmativas não são incompatíveis com a exigência meritória indispensável à atividade estatal, consoante resulta do próprio Decreto Federal nº 9.450/2018.

Sublinhe-se que, na eventualidade de um Estado ou um Município fixar também como seara da ação afirmativa outros objetos contratuais, é preciso atentar para o fato de alguns contratos administrativos não serem compatíveis com mão-de-obra oriunda do sistema penitenciário. Não é razoável permitir que um preso condenado a cumprir pena em regime fechado trabalhe, por exemplo, numa empresa contratada pelo Poder Público para gerenciar todo o sistema de informática do Estado, com acesso livre a informações as mais diversas possíveis, nem mesmo que exerça serviço de vigilância, portando arma de fogo. Malgrado seja induvidosa a necessidade de serem empregados aqueles que se encontram presos, de modo que se recuperem mediante trabalho e profissionalização, é certa a necessidade de aferir os riscos que pode sofrer a sociedade em cada realidade, excluindo-os quando excessivos. Por conseguinte, caso não haja compatibilidade entre a ação afirmativa ora em discussão e a natureza do objeto contratado, não se incidirá a obrigatoriedade de contratação dos sentenciados.

Em qualquer hipótese, é necessário, para viabilizar o sistema, que se requeira dos órgãos competentes (p. ex., Secretarias Estaduais de Defesa Social) informação a propósito de eventuais registros sobre a qualificação profissional dos presos e dos egressos. É preciso, também, que haja sistema de credenciamento que viabilize a comprovação, pelas empresas, do atendimento do requisito legal.

Ausentes tais requisitos, não será exequível qualquer dispositivo que obrigue a contratação de presos e de egressos, sendo arriscado para o interesse público adotar medidas isoladas e desconexas de um sistema estruturado para tornar concreta, de modo eficiente e coeso, a ressocialização social.

Não se nega a licitação como meio de objetivo de ressocialização dos presos e de assistência ao egresso do sistema penitenciário, admitindo-se que a contratação de obras e de serviços pela Administração Pública tenha vagas reservadas para sentenciados e egressos. Ao contrário, entende-se pertinente a ação afirmativa que busca a inclusão de parcela significativa e marginalizada da sociedade. Contudo, a legitimidade dessa ação afirmativa depende de um conjunto de medidas estruturadas de modo sistêmico, com atenção à necessidade de redução dos riscos impostos à sociedade, à natureza do objeto contratado pela Administração e à maximização dos benefícios potenciais da política pública em comento.

A edição de diplomas regulamentares como o Decreto Federal nº 9.450/2018 é de fundamental importância para se aperfeiçoar a inserção social dos condenados penais. Contudo, como ocorre com qualquer lei ou Decreto, a sua edição é insuficiente e incapaz de, por si só, mudar a realidade administrativa e social. É preciso executar as medidas que operacionalizem e tornem concreto o conteúdo dos textos normativos, o que requer vontade política e competente ação administrativa cotidiana. Não se pode olvidar, ainda, da necessária análise da constitucionalidade e legalidade dos instrumentos fixados mecanismo de inclusão, o que requer exame inclusive no tocante às determinações dos incisos I e II do § 1º do artigo 5º do Decreto Federal nº 9.450.

6. Da exigência de declaração de contratação de presos e egressos como requisito de habilitação e a previsão como obrigação contratual

Nas licitações públicas, entende-se que fixar os requisitos de habilitação a serem apresentados pelos interessados na disputa consiste matéria que deve ser tratada em sede de norma geral, considerando-se a regra do artigo 22, XXVII da Constituição da República.

Como já se pontuou no artigo “Aspectos controversos do Decreto Federal nº 9.421/2018”, a doutrina, ao buscar definir o conceito de normas gerais, indica referências que, cumulativas, permitem conclusão a propósito do seu conteúdo. Segundo Alice Gonzalez Borges, trata-se de normas que veiculam elementos indispensáveis ao cumprimento dos preceitos fundamentais; são comandos genéricos e básicos que devem ser respeitados pelo legislador ao abordar aspectos peculiares e diversificados de determinado tema. Para Lúcia Valle Figueiredo, são normas gerais as dispõem de forma homogênea para determinadas situações para garantia da segurança e certeza jurídicas, estabelecem diretrizes para o cumprimento dos princípios constitucionais expressos e implícitos, sem se imiscuirem no âmbito de competências específicas de outros entes federativos. Lúcido é o magistério de Marçal Justen Filho quando afirma que se trata de princípios e regras destinados a assegurar um regime jurídico uniforme para as licitações e contratações administrativas. Nesse sentido, podem ser consideradas inseridas no conceito de normas gerais as matérias essenciais que merecem unidade de tratamento. E merecem tal tratamento as atinentes aos requisitos indispensáveis à validade da contratação; às hipóteses de obrigatoriedade e não-obrigatoriedade da licitação; aos requisitos para participação em licitação; às modalidades e aos tipos de licitação; e ao regime jurídico da contratação administrativa. Uniformidade decorrente das normas gerais visa proporcionar segurança e dar efetividade a instrumentos de controle.[118]

Não há como negar, portanto, que definir os requisitos de habilitação dos licitantes consubstancia aspecto fundamental do instituto, merecedor de tratamento homogêneo e uniforme em todos os níveis da federação (União, Estados, Municípios e DF). Assim sendo, é preciso observar a competência legislativa federal para editar normas gerais sobre a matéria, sendo inviável que Estados ou Municípios ou DF extrapolem os limites da sua atuação legislativa, invadindo esfera atribuída à União pelo artigo 22, XXVII da CR. Ademais, não cabe a decreto regulamentador acrescentar exigência de habilitação não consagrada na legislação federal de âmbito nacional veiculadora de normas gerais.

Com efeito, os documentos que se pode exigir para habilitação de um licitante são apenas os enumerados em sede de lei federal de âmbito nacional, o que hoje implica observar o rol fixado na Lei Federal nº 8.666, sendo vedada a ampliação do elenco fixado no artigo 27 do mencionado Estatuto, com tratamento individualizado pelos artigos 28 a 31 seguintes. Qualquer norma regulamentar veiculada por Decreto que inobserve o limite máximo de exigências de habilitação determinado no Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos ofenderá o princípio da reserva legal e, portanto, estará sujeito à discussão de constitucionalidade.

Nesse sentido, a doutrina esclarece que para cada um dos aspectos previstos na lei federal (capacidade jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal, cumprimento do art. 7º, XXXIII) há um rol exaustivo de documentos que podem ser exigidos para aferir sua regularidade. “Vale dizer, o Estatuto Federal Licitatório não determina precisamente quais documentos devem ser requisitos para cada objeto licitado, mas deixa claro que, para ser exigido, o documento deverá estar previsto em um dos incisos dos arts. 28 a 31.”[119] A jurisprudência vem sendo clara inclusive ao fixar a impossibilidade de se ampliar exigências de habilitação até mesmo quando se trata de excluir licitante punido na execução de outro contrato administrativo.[120] Autores como Reinaldo Moreira Bruno, ao analisar o rol exaustivo previsto em lei, elucidam que a enumeração legal não pode ter acréscimos e advertem: “Não obstante tal característica, tem-se observado comumente a inserção, em editais de procedimentos licitatórios, da exigência de exibição de Certidão Negativa de Protestos para fins de habilitação econômico-financeira.”[121]

Também o TCU vem fixando que documento não enumerado na lei sequer pode ser exigido nos procedimentos licitatórios como requisito de habilitação. A Corte de Contas já entendeu inadmissível cláusula editalícia que exija prova de inscrição no Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, conforme Lei nº 6.321/76, regulamentada pelo Decreto 5, de 14.1.91 e Portaria Interministerial 3, de 11.11.98. Afirmou que essa inscrição, na forma da lei, possui caráter opcional e não integra a relação exaustiva de exigências que podem ser feitas aos licitantes na fase de habilitação consoante os artigos 28 a 31 da Lei nº 8.666, configurando, assim, desrespeito às disposições do art. 3º, § 1º, I da Lei nº 8.666, que veda aos agentes públicos incluir nos atos de convocação condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo.[122]

O entendimento que prevalece é o que exclui documentos como certificados de qualidade ou declarações, sejam de órgãos técnicos (como Inmetro, ABNT ou mesmo Secretarias de Estado) para fins de habilitação de licitante em certame, “uma vez que tal exigência não encontra respaldo no rol de documentos previstos no texto legal, sob pena de infringir o princípio da legalidade e, via de conseqüência, restringir a participação de um maior número de interessados no certame.”[123]

Mesmo quando se trata de documentos previstos em legislação relativa a outra matéria, doutrinadores como Marcelo R. Perracini e Marcos Nicanor S. Barbosa advertem que o fato de, para efeito de habilitação em procedimento licitatório, não haver previsão em Lei Federal de Licitações de um dado documento como condição para fins da participação em licitações públicas, impede a exigência a esse propósito. Esse seria o caso, p. ex., dos documentos previstos no art. 607 da CLT e no art. 69 da Lei 5.194/66 não incluídos na Lei Federal nº 8.666 para fins de análise de habilitação em certame licitatório. “Desse modo, se a Carta Constitucional vigente e a Lei Federal nº 8.666/93 não recepcionaram a exigência de prova de quitação da contribuição sindical para fins de participação em licitação, cremos que restaram tacitamente derrogados o art. 607 da CLT e outras normas inseridas nas leis constitutivas dos Conselhos Regionais, a exemplo do art. 69 da Lei Federal nº 5.194/66. A suscitação de tais normas no momento jurídico atual é, portanto, improcedente e deve ser ignorada pela Administração Pública.”[124]

Diante dessas exaustivas orientações, é clara a inadmissibilidade de um Decreto Federal estabelecer como obrigatório que será previsto “no edital, como requisito de habilitação jurídica, consistente na apresentação de declaração do licitante de que, caso seja vencedor, contratará pessoas presas ou egressos nos termos deste Decreto, acompanhada de declaração emitida pelo órgão responsável pela execução penal de que dispõe de pessoas presas aptas à execução de trabalho externo” (artigo 5º, § 1º, I do Decreto Federal nº 8.450/2018). Isso porque determinar tal obrigatoriedade em sede de decreto ofende a reserva legal e descumpre a exigência de lei federal de âmbito nacional prescrever os aspectos basilares da licitação, como é, à obviedade, a hipótese de fixar as condições de habilitação dos interessados em firmar contrato administrativo com o Estado.

Nesse contexto, as exigências que sejam relativas à concretização das políticas públicas inclusivas de presos e egressos devem ser realizadas quando da definição do objeto licitado e redação das obrigações contratuais. A obrigatoriedade de o vencedor da licitação contratar pessoas presas e egressas do sistema penitenciário cabe quando da descrição do objeto e dos deveres do futuro contratado como aspecto mínimo a ser alcançado, no cumprimento das normas constitucionais, legais e regulamentares vigentes. Sendo assim, ensejará exame quando do julgamento da proposta mais vantajosa com exclusão daquelas que não os atendam em desconformidade com as necessidades administrativas. Vislumbra-se, ainda, a exigência da prova da contratação nos termos do artigo 6º, § 1º do Decreto Federal nº 8.450/2018: “A efetiva contratação do percentual indicado nos incisos I a IV do caput será exigida da proponente vencedora quando da assinatura do contrato”. Ademais, os documentos devidamente previstos no edital, quando da descrição do objeto e dos deveres contratuais, serão a base para a fiscalização da execução do acordo, sendo cabível a rescisão do vínculo por inadimplência do contratado, sendo expressa a previsão no § 7º do artigo 6º do Decreto Federal nº 9.450/2018.

Na mesma linha de raciocínio, a doutrina vem explicitando:

“Os requisitos da habilitação são interpretados restritivamente pela jurisprudência e somente são admitidos quando tem por fim garantir o cumprimento do contrato. Essa visão sobre a habilitação praticamente impossibilita a inserção de critérios ambientais nessa fase. Mesmo que inseridos mediante lei federal, a chance de serem declarados inconstitucionais é grande, tendo em vista o precedente da ADI nº 3.670”.[125] Também Luciana Terra, Luciana Csipai e Mara Uchida advertem que a inserção de critérios não previstos na lei de licitação nos requisitos de habilitação consubstancia tema bastante sensível à visão dos órgãos de controle de legalidade da Administração, notadamente as Cortes de Contas. “Tais entes costumam condenar com veemência a previsão de requisitos de habilitação que possam representar restrição infundada à competitividade do certame ou quebra da isonomia entre os licitantes.”[126] Destarte, fixar a exigência de contratação de presos e egressos do sistema penitenciário em momentos da licitação aos quais se reconhece discricionariedade como na definição do objeto e das obrigações contratuais, excluído o acréscimo de tal requisito às condições de habilitação previstas na Lei Federal nº 8.666, significa atenção à própria segurança jurídica dos futuros instrumentos convocatórios que concretizarão ação afirmativa nessa seara.

7. Conclusão

Denota-se das considerações aviadas que se entende possível, em um procedimento licitatório, estabelecer medidas que favoreçam determinadas categorias, em razão de desigualdades fáticas existentes na realidade em questão. Para tanto, é mister que seja evidente que os beneficiários da ação afirmativa encontravam-se excluídos preliminarmente, de forma intolerável em um Estado Democrático de Direito. Assim é o caso da discriminação que atinge os presos e egressos, excludente da sua reincorporação no mercado de trabalho, o que não se admite em um Estado que se vincula à premissa da solidariedade. Diante da situação desfavorável enfrentada por esse grupo, que consiste exclusão presente e potencial intolerada, prescreve-se uma ação preventiva que combata a marginalização indevida e que seja capaz de incluir o grupo de condenados do sistema penal, ainda presos ou já egressos, nos termos do artigo 26 da Lei nº 7.210/84.

As formas de regular o uso do poder de compra do Estado, de modo a beneficiar determinadas categorias em situações como as descritas, coadunam com a concepção do interesse público primário em um sentido amplo, aliado à concepção de eficiência administrativa. Trata-se de mecanismos de fomento da igualdade substancial que, diante de uma categoria de preteridos indevidamente, viabilizam uma discriminação positiva de inclusão efetiva. Isso se justifica tendo em vista a necessidade de tratar de forma dessemelhante situações desiguais e, assim, evitar perpetuamento de diferenças abissais não desejadas em pleno século XXI. Uma postura ativa do Estado que concretize tais medidas consubstancia um dever-poder irrenunciável, cabendo ao agente público elaborar e implantar políticas capazes de outorgar efetiva igualdade de oportunidades.

Para que as diferenciações positivas sejam justas e constitucionais, é indispensável que os critérios discriminatórios sejam razoáveis e não arbitrários. Não é legítima a adoção de medidas desproporcionais em face dos objetivos perseguidos e que as justificam. Sendo assim, é preciso que cada técnica discriminatória includente seja realmente capaz de assegurar a igualdade material, atendendo a exigência de proporcionalidade na espécie. Afinal, a ação afirmativa não pode se transformar em fator de desigualdade injustificável racionalmente, visto que inadequada ou excessiva. Por isso é que se exige, em cada situação: 1) que haja amparo constitucional para a medida adotada; 2) que naquela realidade isso se mostre razoável, com observância da proporcionalidade; 3) que sejam cumpridas as exigências legais incidentes na espécie; 4) que não se exclua a celebração de negócios vantajosos para a Administração, entendida a vantajosidade em uma perspectiva ampla de alcance do interesse público primário; 5) que o Poder Público estabeleça o mínimo de competência técnica necessária para execução do objeto de que necessita.

Estar atento aos limites para a sua efetiva aplicação é condição inafastável para se ter ações afirmativas compatíveis com a ordem jurídica. Nessa perspectiva, adverte-se para alguns aspectos essenciais: não restringir as contratações públicas à celebração do acordo mais barato não equivale a impedir que a Administração selecione uma proposta também economicamente vantajosa. É necessário saber compatibilizar os diversos princípios e exigências que norteiam o procedimento licitatório. Por isso, a licitação não pode se transformar exclusivamente em meio de inclusão de sentenciados, mas sem qualquer compromisso com a celebração de contratos públicos vantajosos também do ponto de vista econômico. Transformar o pregoeiro e a comissão de licitação em órgãos comprometidos somente com a fiscalização de política penal não é razoável, nem inteligente, nem constitucional. Em situações como a ora em exame, o Poder Público deve observar necessidade de agir com precaução, realizando a ponderação de modo a se ter o menor sacrifício possível dos valores juridicizados. Realizar ações afirmativas não pode significar supressão integral das demais finalidades licitatórias, sob pena de os prejuízos serem maiores do que os riscos e ônus presentes que justificaram as medidas includentes.

É preciso que quem formata políticas públicas se habitue a desenvolver um caminho probabilista da ciência administrativa, ou seja, colocar em questão as regras da probabilidade aplicáveis à disciplina. Assim, quando se lança no estudo de uma questão, de um sistema, de uma instituição, de uma organização, de um novo instituto, de uma realidade qualquer deve ter interesse de reparar nas zonas de riscos, aquelas relativas ao provável, ao duvidoso, à incerteza, aos riscos potenciais. Não é impossível que encontre confusão, dificuldades e desordem. Afinal, a coisa administrativa é complicada e exige do analista efetiva compreensão do sistema. É preciso compreender cada realidade a que se refere uma medida que se conceitua como ação afirmativa. Não se pode reforçar a chamada “crise da generalidade e permanência das normas” e das políticas públicas, com foco exclusivo no cumprimento formal de objetivos includentes, sem comprometimento com a solução de problemas abstratamente e a longo prazo, em favor da sociedade.[127] Por isso se requer, também em relação às ações afirmativas, a adoção da “lógica das estratégias prudentes de longa duração”[128], com preservação máxima dos valores consagrados no sistema normativo, de modo a assegurar um mínimo de estabilização de longo prazo na sociedade, também no tocante às políticas inclusivas.

Com ações afirmativas que atendam tais exigências, promover-se-á a diversidade também no espaço público, com redistribuição dos bens sociais a pessoas que precisam de ser inseridas no bem estar geral, sem excessos ou insuficiências, para a própria saúde da comunidade. Não se trata de suprimir diferenças, mas apenas de evitar o impacto restritivo existente em desfavor de determinadas categorias e de incorporar identidades várias na execução das tarefas públicas, promovendo a concreção da igualdade constitucional.

Para tanto, é indispensável que haja estruturas públicas preparadas para fazer análises, em cada caso concreto, da constitucionalidade da medida adotada, com orientação prévia dos agentes competentes. Especificamente quanto ao Decreto Federal nº 9.450, de 24.07.2018, tem-se que a política nacional de trabalho no âmbito do sistema prisional adotada busca ressocializar os presos e egressos nos estritos limites da igualdade positiva, sendo implantada pela União, de modo articulado com os demais entes federativos. É legítima a previsão no edital e na minuta de contrato da obrigação de contratados pelo Poder Público da União (administração direta, autárquica e fundacional) empregarem essa mão de obra conforme os percentuais indicados no artigo 6º do referido regulamento. Entende-se ofensiva à reserva legal e à competência do inciso XXVII do artigo 22 da Constituição da República a exigência, como condição de habilitação jurídica, de “declaração do licitante de que, caso seja vencedor, contratará pessoas presas ou egressos nos termos deste Decreto, acompanhada de declaração emitida pelo órgão responsável pela execução penal de que dispõe de pessoas presas aptas à execução de trabalho externo”, com a devida vênia dos entendimentos contrários. Necessário, cumulativamente, que haja acompanhamento simultâneo e posterior dos procedimentos realizados, capaz de garantir a eficiência dos programas afirmativos que direcionam o uso do poder de compra do Estado para inclusão dos presos e egressos do sistema prisional.

[1] ROMS nº 5.532-PR, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, 2ª Turma do STJ, DJU de 23.04.01, p. 123; REsp nº 529.102-PR, rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma do STJ, DJU de 10.04.06, p. 128 e Agravo de Instrumento nº 146.047, rel. Des. Antonio Cruz Netto, 5ª Turma Especializada do TRF 2ª Região, DJU de 06.03.2008

[2] Tais finalidades foram ratificadas inúmeras vezes pelas Cortes Superiores: “A licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia. Está voltada a um duplo objetivo: o de proporcionar à Administração a possibilidade de realizar o negócio mais vantajoso — o melhor negócio — e o de assegurar aos administrados a oportunidade de concorrerem, em igualdade de condições, à contratação pretendida pela Administração.” (ADI nº 2.716-RO, rel. Min. Eros Grau, Pleno do STF, DJe de 06.03.2008)

[3] A fase externa da licitação, que inicia com a divulgação do instrumento convocatório, tem os elementos e pressupostos dos atos que a compõem, delimitados pela legislação e normas de regência. Daí se afirmar que os atos da fase externa do certame são vinculado. Na fase interna, em que se define o objeto licitado a partir das necessidades administrativas, há discricionariedade possível, o que não significa possibilidade de violação dos dispositivos e dos princípios do Estatuto das Licitações, nem mesmo divórcio da realidade pública em questão.

Nesse sentido: “Mostra-se evidente que os diversos órgãos e entidades da Administração Pública, no exercício corriqueiro e usual de suas funções administrativas, têm ampla liberdade para definir as contratações necessárias ao atendimento de suas finalidades institucionais. Nesse sentido, possuem discricionariedade para definir as características técnicas que o objeto almejado deve ter, com vistas ao preciso atendimento de seus interesses.

Ocorre que essa liberdade, como qualquer prerrogativa pública discricionária, comporta limitações em seu exercício, na medida em que qualquer atuação administrativa deve atender aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da finalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade e da economicidade, apenas para citar os mais importantes dentro do contexto sob análise.

No caso de uma contratação pública, a definição das características do objeto do certame deve conter os requisitos necessários e suficientes para a exata satisfação da necessidade pública almejada, não podendo possuir atributos desvinculados desse propósito de atender a um fim público, a ponto de restringir o universo de competidores, onerar injustificadamente a avença e/ou direcionar a contratação para um único fornecedor. No exercício desta atividade administrativa (delimitação do objeto a ser licitado), aplica-se a clássica noção de proporcionalidade, de origem na doutrina alemã, referente à necessária adequação entre os fins e os meios, ou seja, entre a necessidade pública a ser suprida e o bem a ser contratado. Dito de outro modo, este deve ter a exata dimensão (nem a mais nem a menos) para que satisfaça àquela.

(…) Desse modo, conclui-se que o poder discricionário da Administração em estabelecer os traços característicos do objeto de uma licitação é limitado, devendo tal atividade ser exercida de modo a não violar os princípios da legalidade, da impessoalidade, da finalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade e da economicidade.” (Acórdão nº 6.277/2010, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, 1ª Câmara do TCU, DOU de 06.10.2010)

Confira-se, ainda: Acórdão nº 1.591/05, rel. Min. Guilherme Palmeira, Pleno do TCU, Processo 012.800/2005-8, DOU de 14.10.04; Apelação em Mandado de Segurança nº 9505261918-SE, rel. Desembargador Federal Petrucio Ferreira, 2ª Turma do TRF da 5ª Região, DJ 27.09.1996

[4] NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública. São Paulo: Dialética, 2003, p. 38

[5] ARAÚJO, Thiago Cardoso.  Egressos, licitação e função promocional do direito: como pode a administração pública fomentar a reinserção social? Tese apresentada no XXXVI Congresso Nacional de Procuradores do Estado realizado em Maceió, no ano de 2010. http://www.congressoanapealagoas.com.br/site_media/uploads/Tese_67.pdf. Acesso em 16.05.2011

[6] Nesse mesmo sentido, confira-se o magistério de Luciano Ferraz ao analisar a decisão do STF na ADI nº 1.723. Lei do Estado do Rio Grande do Sul excluíra da licitação para concessão de serviços públicos de inspeção de segurança de veículos as transportadoras, tendo a Corte Suprema fixado que as mencionadas transportadoras não podiam de fato participar, sob pena de causar potencial disparate na licitação, já que comumente são proprietárias de muitos veículos. “O STF, neste caso, admitiu que a lei excluísse determinado segmento de empresas da participação na licitação. É dizer: admitiu que a lei estadual, ao tratar da licitação, servisse como instrumento de regulação (restrição) de mercado.” (FERRAZ, Luciano. Função regulatória da licitação. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, ano XXVII, v. 72, n. 3, p. 30, jul-set/2009)

[7] ADC nº 41, rel. Min. Roberto Barroso, Pleno do STF, DJe de 17.08.2017; ADPF nº 186-DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno do STF, Dje de 17.10.2014; ADI nº 3.330-DF, rel. Min. Ayres Britto, Pleno do STF, Dje de 21.03.2013; Repercussão Geral no RE nº 597.285-RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno do STF, Dje de 17.03.2014; Agravo Regimental no RMS nº 32.732-DF, rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma do STF, Dje de 31.07.2014; ADI nº 2.649-DF, rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno do STF, DJe de 16.10.2008; REsp nº 1.132.476-PR, rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma do STJ, DJe de 21.10.2009.

[8] FERRAZ, Luciano. Função regulatória da licitação, op. cit, p. 32

[9] FERRAZ, Luciano. Função regulatória da licitação, op. cit., p. 33-35.

[10] Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Lei nº 8.666; redação atribuída pela Lei Federal nº 12.349, de 15.12.2010)

[11] SANTANA, Jair Eduardo; ANDRADE, Fernanda. Impacto da Medida Provisória nº 495, de 19 de julho de 2010, nas licitações e nas contratações públicas. Fórum de Contratação e Gestão Pública. Belo Horizonte, ano 9, n. 106, p. 64-65, out./2010

Esse o entendimento comum no direito comparado: “Le principe jurisprudentiel de non-discrimination ne fait pas obstacle à ce que soient instaurées des différences de traitement, lorsqu’elles visent des personnes différemment situées ou lorsqu’elles sont justifiées par la poursuite d’un intérêt général.” (CALVÈS, Gwénaële. L’affirmative action dans la jurisprudence de la cour suprême des États-Unis. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1998, p.191)

[12] Confira-se análise sobre a igualdade: CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo: parte geral, intervenção do estado e estrutura da administração. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 159-179

[13] VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 288. Colaboração de Flávia Scabin

[14] VILAS-BÔAS, Renata Malta. Ações afirmativas e o princípio da igualdade. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, p. 22

[15] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA). Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 4.

[16] “De uma feição estritamente formal, apenas proibindo condutas discriminatórias, procura-se a implementação de uma igualdade substancial, material e concreta. A desigualdade fática passa, então, a ensejar uma política corretiva por parte de entidades públicas e privadas.” (KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa do negro nos Estados Unidos da América e no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 233-234)

[17] PORTANOVA, Rui. Princípio igualizador. Ajuris, Porto Alegre, v. 62, p. 282

[18] PINTO E NETTO, Luísa Cristina. O princípio de proibição de retrocesso social. Porto Alegre: livraria do advogado editora, 2010, p. 151

[19] BELMONTE, Cláudio Petrini. O sentido e o alcance do princípio da igualdade como meio de controle de constitucionalidade das normas jurídicas na jurisprudência do Tribunal Constitucional de Portugal e do Supremo Tribu­nal Federal do Brasil. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal, a. 36, n. 144, p. 159, out./dez. 1999

[20] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Princípio da isonomia: desequiparações proibidas e desequiparações permitidas. In: Grande Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p.196, itálico no original

[21] VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF, op. cit., p. 285

[22] VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos fundamentais: uma leitura da jurisprudência do STF, op. cit., p. 285

[23] Segundo Eberhard Schmidt-Assmann, “La dimensión individual del Derecho administrativo se pone de manifiesto fundamentalmente en el principio de proihibición de exceso, en particular por medio del subprincipio de proporcionalidad en sentido estricto y los criterios de adecuación y exigibilidad, así como en los principios de igualdad y de protección de la confianza legítima.” (SCHMIDT-ASSMANN, Eberhard. La teoría general del derecho administrativo como sistema. Madrid: Marcial Pons, 2003, p.89)

[24] MELO FILHO, Álvaro. O princípio da isonomia e os privilégios processuais da Fazenda Pública. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal, a. 31, n. 123, p. 115, jul/set. 1994

[25] Com propriedade, manifesta-se Álvaro Melo Filho: “Deflui-se desse labor exegético que o princípio da isonomia não proíbe que a lei estabeleça distinções, até porque a lei não existe para criar igualdade e sim para discipli­nar desigualdades. O que se proíbe na lei é o arbítrio, ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, vale dizer, sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objetivo, constitucional-mente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discri­minação, ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjetivas. Quer isso dizer que o princípio da isonomia permite ao legislador fazer discriminações que atendam situações desiguais (a ‘desisonomia seletiva’ a que alude Ives Gandra), desde que o critério discriminatório não seja arbitrário, mas esteja fundado em razões valiosas, de ordem econômica e/ou social.” (MELO FILHO, Álvaro. O princípio da isonomia e os privilégios processuais da Fazenda Pública, op. cit., p. 122)

[26] KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa do negro nos Estados Unidos da América e no Brasil, op. cit., p. 233-234

[27] CHEVALLIER, Jacques. O Estado pós-moderno. Tradução de Marçal Justen Filho, Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 68

[28] “Ademais, é fato notório que a segunda metade do século XX assistiu a um processo de desprestígio crescente do legislador e de erosão da lei formal – a chamada crise da lei – caracterizada pelo desprestígio e descrédito da lei como expressão da vontade geral, pela sua politização crescente ao sabor dos sucessivos governos, pela crise de representação, pelo incremento progressivo da atividade normativa do Poder Executivo e pela proliferação das agências reguladoras independentes.” (BINENBOJM, Gustavo. A constitucionalização do direito administrativo no Brasil: um inventário de avanços e retrocessos. In A reconstrução democrática no direito público no Brasil. Luís Roberto Barroso (Org). Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.514)

[29] “Deve ser a Constituição, com seus princípios e especialmente seu sistema de direitos fundamentais, o elo de unidade a costurar todo o arcabouço normativo que compõe o regime jurídico administrativo. A superação do paradigma da legalidade administrativa só pode dar-se com a substituição da lei pela Constituição como cerne da vinculação administrativa à juridicidade.” (BINENBOJM, Gustavo. A constitucionalização do direito administrativo no Brasil: um inventário de avanços e retrocessos, op. cit., p. 515)

[30] Segundo Marçal Justen Filho, “A função consiste na atribuição a um sujeito do en­cargo de perseguir a satisfação de um interesse ou de um direito que ultrapassa sua órbita individual.” A função produz, assim, subordinação passiva no sentido de que o sujeito tem deveres jurídicos a cumprir. Por um lado, o agente público está obriga­do a praticar todas as condutas necessárias e adequadas para promover o atendimento do interesse a ele confiado. Por outro lado, está proibido de praticar qualquer conduta in­compatível com ou desnecessária para a realização de seu encargo. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 50-51)

[31] BELLINTANI, Leila Pinheiro. Ação afirmativa e os princípios do direito: A questão das quotas raciais para ingresso no ensino superior no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 3

[32] MÉLIN-SOUCRAMANIEN, Ferdinand. Solidarité, egalité et constitutionnalité. In: Solidarité en droit public. Coord. BEGUIN, Jean-Claude. CHARLOT, Patrick. LAIDIÉ, Yan. Paris: Harmattan, 2005, p.293-294

[33] BELLINTANI, Leila Pinheiro. Ação afirmativa e os princípios do direito. A questão das quotas raciais para ingresso no ensino superior no Brasil, op. cit., p. 38-39

[34] BELLINTANI, Leila. Ação afirmativa e os princípios do direito. A questão das quotas raciais para ingresso no ensino superior no Brasil, op. cit., p. 44-45

[35] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ação afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal, a. 33, n. 131, p. 285, jul./set. 1996

[36] MEDEIROS, Carlos Alberto. Na lei e na raça: legislação e relações sociais, Brasil-Estados Unidos. Rio de Janeiro: DP&A, 2004, p. 122

[37] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA), op. cit., p. 54

[38] RIOS, Roer Raupp. Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto Alegre: livraria do advogado editora, 2008, p. 163

Confira-se ponderação de Gwénaële Calvès: “Au milieu des années 1960, est qualifiée d’affirmative action une mesure de lutte contre le sexisme ou le racisme em matière d’emploi. Les textes où apparaît l’expression visent à garantir le principe d’égalité de traitement, em rendant illégale toute distinction fondée sur la race ou le sexe des individus. (…) Le décret présidentiel (executive order) 11-246 constitue une source du droit du travail indépendante du Titre VII, même si la quasi-totalité des entreprises qui lui sont soumises sont par ailleurs tenues de respecter les normes posées par la loi de 1964. Le décret vise une catégorie d’entreprises plus restreinte: celles qui sont liées à l’Etat fédéral par um contrat de fourniture de biens ou de services dont le montant annuel est supérieur à 10 000 $, ainsi que leurs sous-traitanta. (…) Aux termes de l’executive order 11-246, tous les contrats fédéraux devront comporter une clause stipulant que ‘Le cocontractant ne discriminera pas à l’encontre d’um employé ou d’um candidat à um emploi em raison de la race, des croyances, de la couleur ou de l’origine nationale. Le cocontractant entreprendra une affirmative action pour garantir que les postulants seront embauchés, et que les salariés seront traités sans égard à leur race, croyance, couleur ou origine nationale.’(…) en cas de non-respect, par le cocontractant, de cette clause non-discriminatoire, le service compétent du ministère du travail (l’Office of Federal Contracto Compliance) peut proposer une résolution ou une suspension du contrat. (…) Le dispositif institutionnel relatif aux traitements préférentiels, conçu em période d’expansion, a atteint as phase de maturité au moment même où l’économie américaine était victime de frots à-coups conjoncturels (phases de récession brutale et crise pétrolière) et où des transformations structurelles plongeaient dans le doute et le malaise des classes moynnes jusqu’ici aussurées de leur avenir.” (CALVÈS, Gwénaële. L’affirmative action dans la jurisprudence de la cour suprême des États-Unis, op. cit., p. 20; 27 e 70)

[39] MEDEIROS, Carlos Alberto. Na lei e na raça: legislação e relações sociais, Brasil-Estados Unidos, op. cit., p. 122-123

[40] VILAS-BÔAS, Renata Malta. Ações afirmativas e o princípio da igualdade, op. cit., p. 34

[41] MEDEIROS, Carlos Alberto. Na lei e na raça: legislação e relações sociais, Brasil-Estados Unidos, op. cit., p. 126

[42] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA), op. cit., p. 4-5

[43] CALVÈS, Gwénaële. L’affirmative action dans la jurisprudence de la cour suprême des États-Unis, op. cit., p. 38.

[44] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA), op. cit., p.39

Também para Leila Pinheiro Bellintani, as ações afirmativas eram concebidas apenas como encorajamento pelo Estado, no sentido de promover na esfera laboral e educacional pública e privada maior participação de membros das mais diversas minorias, discriminados socialmente, em face de critérios como raça, gênero, origem nacional, dentre outros. Não se verificava a existência de mecanismos que impusessem legalmente o benefício imediato de categorias discriminadas, como quotas ou objetivos numéricos. (BELLINTANI, Leila. ‘Ação afirmativa’ e os princípios do direito. A questão das quotas raciais para ingresso no ensino superior no Brasil, op. cit., p. 46-47

[45] BELLINTANI, Leila. ‘Ação afirmativa’ e os princípios do direito. A questão das quotas raciais para ingresso no ensino superior no Brasil, op. cit., p. 46-47

[46] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA), op. cit., p.40

[47] BELLINTANI, Leila. ‘Ação afirmativa’ e os princípios do direito. A questão das quotas raciais para ingresso no ensino superior no Brasil, op. cit., p. 46-47

[48] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA), op. cit., p. 41

[49] MOEHLECKE, Sabrina. Ação afirmativa: história e debates no Brasil. Cadernos de pesquisa, n. 117, p. 203, nov./2002

[50] MOEHLECKE, Sabrina. Ação afirmativa: história e debates no Brasil, op. cit., p. 211

[51] JACCOUD, Luciana de Barros e BEGHIN, Nathalie. Desigualdades raciais no Brasil: um balanço da intervenção governamental. Brasília: IPEA, 2002, p. 45-47

[52] KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa do negro nos Estados Unidos da América e no Brasil, op. cit., p. 143-144

[53] REsp nº 861.661-RJ, rel. Min. Denise Arruda, 1ª Turma do STJ, julgamento em 13.11. 2007, DJU de 10.12.2007, p. 304

[54] REsp nº 1.512.087-PR, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma do STJ, DJe de 24.10.2016; REsp nº 916.675-RJ, rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma do STJ, julgamento em  25.11.2008,  Informativo 378 do STJ e ADI nº 2.649-DF, rel. Min. Cármem Lúcia, Pleno do STF, julgamento em 08.05.2008, Informativo 505 do STF (“Conclui-se que a Constituição, ao assegurar a livre concorrência, também, determinou que o Estado deveria empreender todos os seus esforços para garantir a acessibilidade, para que se promovesse a igualdade de todos, em cumprimento aos fundamentos da República da cidadania e dignidade da pessoa humana, o que se realizaria pela definição de meios para que eles fossem atingidos”)

[55] ADC nº 41, rel. Min. Roberto Barroso, Pleno do STF, DJe de 17.08.2017; MS nº 11.983-DF, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 3ª Seção do STJ, DJU de 09.05.2008; Agravo Regimental no RMS nº 32.732-DF, rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma do STF, DJe de 31.07.2014

[56] Repercussão Geral no RE nº 597.285-RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno do STF, Dje de 17.03.2014; ADPF nº 186-DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno do STF, Dje de 17.10.2014ROMS nº 26.089-PR, rel. Min. Félix Fischer, 5ª Turma do STJ, julgamento em 22.04.2008, DJU de 12.05.2008, Apelação em Mandado de Segurança nº 2006.33.00.008424-9/BA, rel. Desembargador Federal João Batista Moreira Gomes, 5ª Turma do TRF da 1ª Região, DJU de 17.05.2007, p. 71, Apelação Cível nº 1999.38.00.036330-8/MG, rel. Des. Federal Selene Maria de Almeida, 5ª Turma do TRF da 1ª Região, DJU de 19.04.2007, p. 47 e Apelação Cível nº 70013034152, rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, 3ª Câmara Cível do TJRS, julgamento em 25.05.2006

[57] ADI nº 3.330-DF, rel. Min. Carlos Britto, Pleno do STF, julgamento em 02.04.2008, Informativo do STF, nº 500

[58] KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa do negro nos Estados Unidos da América e no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p. 222

[59] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA), op. cit., p. 65

[60] KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa do negro nos Estados Unidos da América e no Brasil, op. cit., p. 222-223

[61] KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa do negro nos Estados Unidos da América e no Brasil, op. cit., p. 225.

[62] Assim escreve Joaquim Barbosa que se vale das lições de Ronald Fiscus para pontuar: a justiça distributiva é uma busca de justiça no presente, ao passo que justiça compensatória seria uma postulação de justiça retroativa, que visa a reparar danos causados no passado. (GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA) , op. cit., p. 67)

[63] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA), op. cit., p. 68

[64] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA), op. cit., p. 72.

[65] Confira-se a propósito das críticas feitas à tese utilitarista sob esse prisma: CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença. 3ª ed. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2009, p. 154-155.

[66] KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa do negro nos Estados Unidos da América e no Brasil, op. cit., p. 226

[67] Segundo Roberta Kaufmann, a tese de que as políticas afirmativas deveriam ser impostas para efetivar um ambiente multicultural encontra opositores até mesmo nos líderes de esquerda. “O antropólogo baiano, Antonio Risério, já afirmara, em ensaio publicado, que ‘o multiculturalismo é um apartheid de esquerda’.” (KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa do negro nos Estados Unidos da América e no Brasil, op. cit., p. 226-227)

[68] Joaquim Barbosa vale-se de Charles Taylor ao explicitar que a identidade do ser humano é parcialmente moldada a partir do reconhecimento (ou da falta deste), isto é, da representação ou da má-representação que dele é feita por outros seres humanos. Nesse contexto, dar o devido reconhecimento às pessoas e grupos, bem como às suas respectivas identidades culturais, não se confunde com mera cortesia. Trata-se de uma necessidade humana vital. (GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA), op. cit., p. 74-75)

[69] CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença, op. cit., p. 159

[70] CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença, op. cit., p. 12-13.

[71] Como assevera Francisco Chaves dos Anjos Neto: “Ora, para uma sociedade que pretende se passar como verdadeiramente igualitária, é preciso ter presente o sentido de elidir com mais ênfase as desigualdades artificialmente criadas de que são vítimas os mais desvalidos, preconceituosamente afastados das melhores oportunidades de vida por força de situações que nada têm a ver com sua maior ou menor disposição de vencer, senão por conta de um quadro econômico-social do qual sempre se viram distantes, à vista mesmo de uma discriminação historicamente conhecida. (…) Portanto, mais do que propiciar uma igualdade meramente formal, a ordem é assegurar uma igualdade em termos fático-substanciais, não mais se justificando, em pleno século XXI, um discurso que nem mesmo se pode apontar como liberal burguês, senão um retorno às discriminações nobiliárquicas do ancien regime (…).” (ANJOS NETO, Francisco Chaves dos. Princípio da probidade administrativa: regime igualitário no julgamen­to dos agentes políticos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 173-174)

[72] BELLINTANI, Leila Pinheiro. Ação afirmativa e os princípios do direito: A questão das quotas raciais para ingresso no ensino superior no Brasil, op. cit., p. 47

[73] CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença, op. cit., p. 152-153, 231

[74] CALVÈS, Gwénaële. L’affirmative action dans la jurisprudence de la cour suprême des États-Unis. op. cit., p. 10.

[75] BELLINTANI, Leila Pinheiro. Ação afirmativa e os princípios do direito: A questão das quotas raciais para ingresso no ensino superior no Brasil, op. cit., p. 63-64

[76] MOEHLECKE, Sabrina. Ação afirmativa: história e debates no Brasil, op. cit., p. 202

[77] Nesse diapasão confira-se o magistério de Cármen Lúcia Antunes Rocha: “Assim, a definição jurídica objetiva e racional da desigualdade dos desiguais, his­tórica e culturalmente discriminados, é concebida como uma forma para se promo­ver a igualdade daqueles que foram e são marginalizados por preconceitos encravados na cultura dominante na sociedade. Por esta desigualação positiva promove-se a igualação jurídica efetiva; por ela afirma-se uma fórmula jurídica para se provocar uma efetiva igualação social, política, econômica no e segundo o Direito, tal como assegurado formal e materialmente no sistema constitucional democrático” (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Ação afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica, op. cit., p. 286)

[78] BELLINTANI, Leila. ‘Ação afirmativa’ e os princípios do direito. A questão das quotas raciais para ingresso no ensino superior no Brasil, op. cit., p. 47

[79] CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença, op. cit., p. 27

[80] ARAÚJO, António de. Cidadãos portadores de deficiência: o seu lugar na Constituição da República. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 105.

[81] Fixando o caráter temporário das ações afirmativas no Direito Francês e a vinculando à noção de solidariedade, tem-se o magistério de Ferdinand Mélin-Soucramanien: “Si, dans une positive comme étant une différenciation juridique de traitement, créée à titre temporaire, dont l’autorité normative affirme expressément qu’elle a pour but de favoriser une catégorie déterminée compenser une inégalité de fait préexistante entre elles, alors, on est forcé de constater que la notion de solidarieté et bien présente, au moins de manière sous-jacente dans la jurisprudence constitutionelle à travers cette lecture du principe d’égalité.” (MÉLIN-SOUCRAMANIEN, Ferdinand. Solidarité, egalité et constitutionnalité, op. cit., p.285)

[82] RIOS, Roer Raupp. Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas, op. cit., p. 22

[83] Registra-se a existência de posicionamentos em sentido contrário, prescrevendo uma noção mais restrita de ações afirmativas: ““alguns autores vêm ressaltando que políticas de ação afirmativa não devem ser confundidas com políticas de combate à pobreza ou com políticas de universalização da cidadania. As próprias características das ações afirmativas (ações de caráter temporário, com objetivo bastante específico, qual seja, privilegiar o acesso dos indivíduos negros naqueles âmbitos da sociedade em que eles estão comprovadamente subrepresentados) não permitem que elas sejam entendidas como políticas de enfrentamento da pobreza. Elas devem ser compreendidas, em seu sentido estrito, como políticas de inclusão social de segmentos discriminados.” (JACCOUD, Luciana de Barros e BEGHIN, Nathalie. Desigualdades raciais no Brasil: um balanço da intervenção governamental, op. cit., p. 53)

[84] BELLINTANI, Leila Pinheiro. Ação afirmativa e os princípios do direito: A questão das quotas raciais para ingresso no ensino superior no Brasil, op. cit., p. 52.

[85] Sobre as noções de preconceito (abordagens psicológica e sociológicas) e discriminação (direta e indireta), confira-se a lição de Roger Raupp Rios (RIOS, Roer Raupp. Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas, op. cit., p. 15-22)

[86] Uma das faces da proporcionalidade é o pressuposto da adequação. Há adequação quando uma determinada medida consiste no meio certo para levar à finalidade almejada. Os meios utilizados devem ser próprios em face do fim público perseguido na espécie. O sacrifício admissível deve ser ponderado em face das normas constitucionais e dos obje­tivos condutores da atuação administrativa.

O juízo que se realiza sob o prisma da adequação é se o meio escolhido pelo Estado realiza minimamente o fim público que se deve concretizar. Não se trata de aferir se é o mecanismo o menos oneroso ou se há equilíbrio entre os custos e os benefícios que lhe são intrínsecos. Aqui, analisa-se se o meio é, ou não, próprio para levar o Estado à finali­dade pretendida. Se houver inadequação absoluta, ou seja, se o meio não conduzir de modo algum ao resultado buscado, é desproporcional. Se o meio viabiliza de alguma forma que o fim seja alcançado, tem-se presente a adequação.

[87] Especificamente sobre a necessidade, como pressuposto à caracterização da propor­cionalidade da conduta administrativa, é mister que cada comportamento estatal seja exigível como condição indispensável à concretização do interesse público, afigurando-se como a menor restrição possível na espécie. A medida estatal necessária, portanto, é aquela que se mostra a mais suave, ou seja, a menos restritiva possível. Não se trata de aferir se a medida estatal conduz minimamente para o fim (juízo de adequa­ção). O que se persegue aqui é o meio menos desvantajoso para o administrado atingido pelo ato administrativo ou normativo (necessidade relativa, segundo parte da doutrina). Não basta que o Estado escolha um meio que conduza à finalidade, é essencial que opte por mecanismo que imponha a menor restrição aos direitos fundamentais e às prerrogativas dos cidadãos.

Em sentido estrito, é necessário determinar a relação custo-benefício da medida em face do conjunto de interesses em jogo, de modo a ponderá-la mediante o exame dos eventuais danos e dos resultados benéficos viáveis na espécie. O que se investiga, portan­to, é se o resultado do ato administrativo ou normativo é proporcional à restrição imposta aos terceiros. Em outras palavras, analisa-se os meios empregados pelo Estado à luz do fim público que justifica a sua intervenção. Se a medida constrange de modo proporcio­nal em face do bem comum que a justifica, não há qualquer vício sob este aspecto. Se, após a ponderação, denota-se que o meio utilizado é desproporcional em relação à finali­dade pública, deve-se reconhecer o caráter desarrazoado da medida.

[88] GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade e diferença: Estado democrático de direito a partir do pensamento de Habermas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 215

[89] GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade e diferença: Estado democrático de direito a partir do pensamento de Habermas, op. cit., p. 214

[90] CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença, op. cit., p. 159.

[91] CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença, op. cit., p. 160

[92] CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença, op. cit., p. 161

[93] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA), op. cit., p. 8

[94] CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença, op. cit., p. 159

[95] CHEVALLIER, Jacques. O Estado pós-moderno, op.cit., p. 61.

[96] CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença, op. cit., p. 17.

[97] JACCOUD, Luciana de Barros e BEGHIN, Nathalie. Desigualdades raciais no Brasil: um balanço da intervenção governamental, op. cit., p. 47-48

[98] Roberta Kaufmann distingue cotas e metas com fundamento na lição de Alan Goldman: “Cotas são limites fixos e numéricos, baseadas em uma intenção discriminatória de restringir a um grupo especificado uma atividade particular. Por outro lado, as metas são objetivos numéricos que um contratante tenta alcançar. O objetivo das metas não é discriminatório, mas afirmativo na intenção: ajudar a aumentar o número de pessoas minoritárias qualificas na organização.” (KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito? Uma análise histórico-jurídico-comparativa do negro nos Estados Unidos da América e no Brasil, op. cit., p. 228)

[99] MEDEIROS, Carlos Alberto. Na lei e na raça: legislação e relações sociais, Brasil-Estados Unidos, op. cit., p. 129

[100] MEDEIROS, Carlos Alberto. Na lei e na raça: legislação e relações sociais, Brasil-Estados Unidos, op. cit., p. 130

[101] MEDEIROS, Carlos Alberto. Na lei e na raça: legislação e relações sociais, Brasil-Estados Unidos, op. cit., p. 130

[102] MEDEIROS, Carlos Alberto. Na lei e na raça: legislação e relações sociais, Brasil-Estados Unidos, op. cit., p. 131

[103] MEDEIROS, Carlos Alberto. Na lei e na raça: legislação e relações sociais, Brasil-Estados Unidos, op. cit., p. 132-133

[104] MEDEIROS, Carlos Alberto. Na lei e na raça: legislação e relações sociais, op. cit., p. 133

[105] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA), op. cit., p. 53

[106] HERINGER, Rosana. Mapeamento de ações e discursos de combate às desigualdades raciais no Brasil. Revista Estudos Afro-Asiáticos, ano 23, nº 2, p. 29

[107] ARAÚJO, Thiago Cardoso.  Egressos, licitação e função promocional do direito: como pode a administração pública fomentar a reinserção social?, op. cit.,

[108] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 381.

[109] Súmula 40 do STJ. Para obtenção dos benefícios de saída temporária e trabalho externo, considera-se o tempo de cumprimento da pena no regime fechado.

[110] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial, op. cit., p. 382.

[111] O preso em regime fechado permanece nas dependências prisionais na totalidade de seu tempo; já no regime semi-aberto, o preso sai durante o dia, para trabalhar ou estudar, e retorna à noite para dormir no local de sua pena; enquanto no regime aberto, baseado na autodisciplina, o apenado faz suas atividades diárias e retorna para dormir, geralmente em casas de albergado. (ARAÚJO, Thiago Cardoso.  Egressos, licitação e função promocional do direito: como pode a administração pública fomentar a reinserção social? op. cit.)

[112] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, volume. I: parte geral. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 684.

[113] ARAÚJO, Thiago Cardoso.  Egressos, licitação e função promocional do direito: como pode a administração pública fomentar a reinserção social? op. cit..

[114] Conforme observa Guilherme de Souza Nucci, a Constituição Federal veda a pena de trabalhos forçados (art. 5º, XLVII, c), o que significa não poder se exigir do preso o trabalho sob pena de castigos corporais e sem qualquer benefício ou remuneração. (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial, op. cit., p. 385)

[115] BITENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 107-108

[116] BITENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna, op. cit., p. 111-112

[117] Da palavra ao conceito”, in Custódio de Almeida, Hans-Jgeorg Glichinger e Luiz Roden, Hermenêutica Filosófica, p. 25 apud FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 41

[118] in HONÓRIO, Cláudia. Inversão de fases da licitação por lei municipal. Boletim de Licitações e Contratos. São Paulo: NDJ, ano XXIII, nº 7, julho 2010, p. 661-662

[119] in Boletim de Licitação e Contratos Administrativos, São Paulo: NDJ, n. 1, janeiro de 2001, p. 42.

[120]“ADMINISTRATIVO. PROCESSO LICITATÓRIO. EDITAL. PREGÃO ELETRÔNICO. LEI DE LICITAÇÕES. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 1. Em que pese a existência de previsão no Edital do processo licitatório, a inabilitação da Impetrante em razão de haver recebido duas advertências e uma multa no âmbito de outro contrato administrativo de idêntico objeto não encontra amparo na Lei de Licitações. Portanto, a mera imposição de advertência ou multa não pode ser invocada para caracterizar a inidoneidade de empresa licitante. 2. Estando a Administração Pública vinculada ao princípio da legalidade, não pode subsistir o ato que considerou a Impetrante inabilitada no pregão eletrônico nº 14/2008.” (Apelação/Reexame Necessário nº 00004806020094047001, rel. Des. Marga Inge Barth Tessler, 4ª Turma do TRF da 4ª Região, D.E. de 26.04.2010).

[121] In Revista de Interesse Público, v. 20, p. 181.

[122] Processo nº 008.657/2003-7, Acórdão 184/2004, Plenário do TCU.

Confira-se, ainda, do Tribunal de Contas de SP: “PAT de São Paulo – recomendando a impossibilidade de exigir documentos além dos estabelecidos em lei. (…) recomendando a Prefeitura Municipal de Americana que, nas próximas licitações, deixe de exigir dos licitantes inscrição no PAT e certidão negativa de protestos.” (Processo TC – 1884/003/00, DOE de 21.6.2001)

”A exigência contida no subitem 5.1.3.d do edital relativa à apresentação de Certidão Negativa de Protesto extrapola os limites do artigo 31, II, do Estatuto das Licitações, devendo ser suprimida do ato convocatório” (TC 26483/026/01 e TC 27130/026/01, DOU de 25.10.2001).

[123] In Questões práticas , Boletim de Licitação e Contratos, ano XXIII, nº 1, janeiro de 2010, São Paulo, NDJ, p. 57-58.

[124] Boletim de Licitação e  Contratos, dezembro de 1996, p. 599.

[125] BIM, Eduardo Fortunato. Considerações sobre a juridicidade e os limites da licitação sustentável i in Licitações e contratações sustentáveis. 1ª ed. 1ª reimp. Coordenadores: SANTOS, Murillo Giordan et al. BARKI, Teresa Villac Pinheiro. Belo Horizonte: Fórum, 201,1p. 195-196.

[126] TERRA, Luciana Maria Junqueira. CSIPAI, Luciana Pires. UCHIDA, Mara Tieko. Formas práticas de implementação das licitações sustentáveis: três passos para a inserção de critérios socioambientais nas contratações públicas in Licitações e contratações sustentáveis, op. cit., p. 234-235.

[127] PASTOR, Juan Alfonso Santamaría. Principios de derecho administrativo general. v. I. 1ª ed. Reimp. Madrid: Iustel, 2005, p. 151

[128] FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração, op. cit., p. 108

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