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“Estou estudando a lei das estatais, as leis das agências reguladoras mas de verdade? Ainda não consegui nem visualizar direito a diferença de órgão público para entidade da Administração Indireta… Não rola um TECLA SAP disso não, Raquel?”
Quando iniciamos o estudo de uma disciplina ou quando ainda somos leigos, entender os conceitos básicos da matéria e automatizar sua compreensão exige tempo. É preciso que seja absorvido um código novo, com significados já previamente estabelecidos. Essa é uma tarefa que requer ajuda. Então deem cá a mão e vamos tentar explicar alguns pontos bem básicos. TECLA SAP ativar!
Quando falamos no Estado brasileiro, pensem na União Federal, no Estado (eu, por exemplo, sou nascida e moro no Estado de Minas Gerais) e no Município em que residimos (Belo Horizonte, por exemplo, é a capital do glorioso Estado de MG). Cada um desses, é uma “pessoa federativa” que integra a “República Federativa do Brasil”. Utilizar a palavra “pessoa” para falar de União, Estado e Município é uma boa porque nos permite pensar em cada um como ser humano. Logo, quando eu falar “Minas Gerais”, pensem numa pessoa com braço, coração, cabeça, estômago e tudo mais.
Pois bem. Cada pessoa federativa tem obrigações que são chamadas de “competências”. Algumas competências são “legislativas”, ou seja, cada pessoa federativa tem um bocado de matéria para editar lei. Então, a Câmara de Vereadores de Belo Horizonte edita leis que têm vigência nas relações do Município e de quem se sujeite àquelas leis municipais. Assim acontece com o Plano Diretor que determina qual bairro é residencial, qual é comercial, quantos andares os prédios podem ter e como o espaço da cidade se organiza. Mas além de editar leis, as pessoas federativas também têm competências “administrativas”. Isso quer dizer que cada uma delas recebe deveres de executar providências concretas em diversos setores: segurança pública, saúde, educação, proteção ao meio ambiente, execução de obras públicas e muito mais. Assim, os Estados têm a Polícia Militar e a Polícia Civil, alguns têm hospitais públicos e escolas públicas estaduais, secretarias de meio ambiente e de obras públicas e por aí vai. O que precisamos entender é como essas estruturas fazem parte diretamente, ou não, do Estado (ou de outra pessoa federativa) e o que isso significa em cada caso.
Primeiro, vamos encarar que uma pessoa só fazer um tanto de coisa é bem difícil. Então, é melhor distribuir as competências para partes (que vamos chamar de “órgãos”) integrantes da pessoa. Comparando com um ser humano, o coração vai bombear sangue, o estômago assume a digestão, as pernas andam, a cabeça pensa e por aí vai. Usando essa ideia para compreender os órgãos das pessoas federativas, pensem que a PM seria uma dessas “partes” do Estado (que é pessoa federativa) e corresponderia, p. ex., ao coração. O coração é um “órgão” da pessoa. Ele é parte dela. E quando ele cumpre a sua função, é a pessoa que está ali existindo. A PM é um órgão do Estado. É parte dele. Quando cumpre sua função, é o Estado existindo e cumprindo sua competência de prevenção na área de segurança pública. Nessa situação, se um órgão comete um erro, foi a pessoa que cometeu o erro e é ela que responde pelo erro. Afinal, o coração não existe no mundo apartado da pessoa. Ele tem existência porque é parte dela. Também assim acontece com os órgãos públicos. Eles não têm existência jurídica independente da pessoa que integram (a PM não existe juridicamente independente do Estado). Quem existe é a pessoa (o Estado), quem responde é a pessoa (o Estado) e a PM é só uma parte que a integra. A regra é que cada um de nós responde por tudo aquilo que nossas partes fazem. E você presume que a pessoa tem poderes de comando em relação às suas partes. Não precisa estar escrito em lugar algum. O fato de o meu braço ser parte de mim, significa que, em princípio, posso dar uma ordem para que ele pegue um copo de água e leve à boca. É o que, no Estado, chamamos de “autotutela administrativa”: poder de comando que existe dentro das pessoas e que permite desde dar ordens gerais e específicas, fiscalizar, até rever a legalidade e oportunidade/conveniência das ações do órgão.
Como as pessoas federativas possuem várias obrigações (competências), elas podem distribuir para suas partes (órgãos) esses deveres: um cuida da educação, outro da saúde e por aí vai. A questão é que é bem difícil manter todas as competências da pessoa federativa dentro dela, só distribuindo internamente os deveres (o nome é “desconcentração” – distribuição interna de competências dentro de uma mesma pessoa). Com o aumento das demandas que a sociedade apresenta à União, aos Estados e aos Municípios, entendeu-se que seria necessária outra técnica para dar conta das obrigações das pessoas federativas. Essa técnica recebe o nome de “descentralização administrativa”.
No caso da descentralização não se distribui “internamente” as competências, ou seja, as obrigações não são divididas para as partes da própria pessoa. Aqui, as pessoas federativas atuam por meio de outras pessoas, seres juridicamente distintos. Assim, em vez do Estado atuar pela PM (órgão que é parte dele, como o coração é parte de nós), ele atua por outra pessoa, com existência independente. A União Federal, por exemplo, pode separar as suas atribuições de vigilância sanitária e, em vez de as transferir para um órgão (equivalente ao seu “coração”), pode optar por passá-las para a ANVISA, uma autarquia especial que é agência reguladora, com existência jurídica diferente da União. Pensem na ANVISA como uma outra pessoa, um outro ser humano, maior de 18 anos, com seus próprios braços, coração, estômago, cabeça… Só que esse ser humano, especificamente, tem relação com a pessoa federativa originária. Isso porque neste tipo de descentralização (que chamamos de “descentralização técnica), a União (pessoa federativa), por lei, vai “parir um filho maior de 18 anos” (criando a agência reguladora que é uma pessoa independente dela) e esse filho maior exercerá as obrigações transferidas em seu próprio nome. Isso porque a ANVISA, embora “filha da União”, é maior de 18 anos e tem existência independente da União, sendo titular dos seus direitos e responsável pelos próprios deveres. Não se presume qualquer poder de comando, nem de fiscalização, nem de revisão (ou seja, não há “autotutela administrativa” em relação a esse tipo de entidade descentralizada). Afinal, trata-se de um filho maior de 18 anos, que precisa ter sua independência e existência jurídica respeitada. Para que seja possível controle da pessoa federativa em relação a essa entidade descentralizada é preciso que uma lei expressamente permita: esse o controle chamado de “tutela” (exercido se a lei autoriza e nos estritos limites da permissão legal). Esse modelo de descentralização vale para as entidades da Administração Indireta das pessoas federativas: autarquias (inclusive agências reguladoras, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas).
Temos, ainda, outros modos de funcionamento das pessoas federativas: descentralização por colaboração (concessionários e permissionários de serviços públicos), ambas descentralizações misturadas (comum na área de energia elétrica), consórcios públicos, parcerias público privadas, entidades do Terceiro Setor e por aí vai. No entanto, para uma primeira compreensão, acho que já caminhamos um bocado. Quem tiver interesse por entender um pouco mais, deixe o pedido nos comentários. Vai ter mais prosa sobre o assunto!