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Sumário
1. Os limites da competência para atuação do agente público
1.1. Além da capacidade, competência
Cumpre explicitar, preliminarmente, que no Direito Administrativo não basta a capacidade (titularidade de direitos e obrigações passíveis de serem exercidas, por si ou por terceiros) para que atos administrativos sejam praticados. É necessário que o sujeito tenha competência (poderes conferidos pela ordem jurídica para o desempenho de funções específicas) que legitime sua atuação na realidade em questão. Segundo Edmir Netto Araújo, parece fácil diferenciar capacidade de competência:
“1. Competência não se presume, porque requer sempre texto legal expresso, ao contrário da capacidade, que é regra, sendo exceção a incapacidade; esta sim exige previsão expressa; 2. Em conseqüência, competência é improrrogável e intransferível, salvo disposição legal também expressa, que pode ser a avocação ou a delegação, de acordo com o ordenamento jurídico hierárquico, mas o exercício da capacidade pode ser, por exemplo, objeto de mandato; 3. O exercício da competência é obrigatório (princípio do poder-dever do administrador público), ao passo que o exercício da capacidade é faculdade que fica ao arbítrio do particular; 4. Por tal obrigatoriedade, competência é irrenunciável e intransigível, não podendo ser objeto de pactos ou acordos que lhe comprometam ou reduzam o exercício, como é comum nos atos que envolvam capacidade dos particulares.”[1]
Sendo assim, quem atua em nome do Estado, emitindo ato unilateral ou firmando vínculos por acordo, deve possuir capacidade e, ainda, competência administrativa para proferir especificamente aquele comando. É necessário que a pessoa política ou administrativa e, cumulativamente, o próprio agente público tenha recebido, explícita ou implicitamente do ordenamento, uma quantidade definida de poder, para editar com validade aquele ato administrativo. Para Antônio Flávio de Oliveira,
“Diferentemente do que ocorre com os atos jurídicos em geral, que somente reclamam para a sua prática a capacidade da parte e pertinência com o objeto que se pretende dispor, mediante a realização do ato, os atos administrativos para sua prática exigem além da capacidade de quem os confecciona, que este esteja vinculado ao cargo público que dentre suas atribuições possua aquela de expedir o ato em questão. Não basta, pois, que seja a pessoa que irá praticar o ato capaz, deverá demonstrar que está investido de autoridade para a sua realização. Trata-se da chamada competência administrativa, ou em termos técnicos ‘atribuição’, sem a qual a realização do ato resultará nula ou anulável, conforme impossível ou possível a sua convalidação.”[2]
Não é outra a orientação do Supremo Tribunal Federal: “A competência para a prática do ato administrativo, seja vinculado, seja discricionário, é a condição primeira de sua validade.”[3]
1.2. Previsão normativa da competência (pressuposto vinculado do ato administrativo)
Não há competência sem previsão normativa: constitucional, infra-constitucional, regulamentar e/ou regulatória. O fato é que há de se ter uma norma que seja a origem do poder em nome de que o ato realizar-se-á. A competência pode decorrer de lei específica do ente federativo ou da própria Constituição da República (Lei Orgânica ou Constituição Estadual), sendo certo que “a lei não é fonte exclusiva de competência administrativa. Para órgãos e agentes de elevada hierarquia, ou de finalidades específicas, pode a fonte da competência situar-se na própria Constituição”, consoante lição de José dos Santos Carvalho Filho que ainda aduz:
“Em relação a órgãos de menor hierarquia, pode a competência derivar de normas expressas de atos administrativos organizacionais. Nesses casos, serão tais atos editados por órgãos cuja competência decorre de lei. Em outras palavras, a competência primária do órgão provem da lei, e a competência dos segmentos internos dele, de natureza secundária, pode receber definição através dos atos organizacionais.
Pode-se firmar, assim, a conclusão de que a competência administrativa há de se originar de texto expresso contido na Constituição, na lei (neste caso, a regra geral) e em normas administrativas, como, aliás, bem sintetiza CASSAGNE.”[4]
O pressuposto subjetivo do ato é, neste contexto, sempre vinculado, uma vez que a capacidade e a competência decorrem do ordenamento, incidente em dada realidade. Malgrado possa ser necessário algum esforço hermenêutico em algumas circunstâncias, por meio de processo interpretativo, é possível reconhecer a quem compete expedir o ato.
O ordenamento, quando prevê a competência, a estabelece com base na matéria objeto de execução, no local do seu exercício e na própria estruturação hierárquica da pessoa política ou administrativa que atua. Daí afirmar a doutrina que a competência é definida em razão da matéria (competência ratione materiae), do âmbito territorial (competência ratione loci) e da hierarquia. Segundo o professor argentino Julio Isidro Altamira Gigena, a doutrina classifica a competência em razão da matéria (princípio da especialidade), do território (âmbito espacial dentro do qual o órgão exerce a função), do tempo (às vezes a competência se encontra sujeita a um prazo de duração) e em razão do grau: “sabemos que a estrutura da Administração é piramidal, e no ápice se encontra o hierarca máximo que tem as maiores atribuições, e os funcionários que se encontram nos graus inferiores terão competência para assuntos de menor envergadura, na medida em que se distanciam do ápice da pirâmide, sempre e quando esteja a Administração organizada internamente na forma desconcentrada, pois do contrário, ou seja, se é uma organização concentrada, o único componente é quem está no ápice.”[5]
Quando se trata de competência imputada a órgão simples ou colegiado, tem-se como indispensável atentar para as competências como fixadas no ordenamento e distribuídas pela normatização infralegal, observado o escalonamento sucessivo de poderes na estrutura hierárquica.
2. A delegação de competência na esfera administrativa
É aspecto inerente às estruturas hierarquizadas a viabilidade de o superior hierárquico transferir ao inferior função que originariamente lhe foi cominada. Referido procedimento qualificação como “delegação de competência”.
Segundo a doutrina clássica, a delegação de competência afigura-se lícita quando exercida em um mesmo Poder, organizado hierarquicamente em sua estrutura administrativa, desde que não se trate de competência exclusiva, nem mesmo de determinados atos de natureza política como o poder de tributar, sancionar ou vetar lei aprovada pelo Legislativo.
No direito comparado, conceitua-se a delegação de competência como uma forma de desconcentração derivada, resultante de um ato da autoridade delegante, quando possível em face do ordenamento.[6] De fato, a desconcentração pode ocorrer de forma originária ou derivada. Segundo Diogo Freitas do Amaral, a desconcentração originária “decorre imediatamente da lei, que desde logo reparte a competência entre o superior e os subalternos” e a desconcentração derivada “só se efetiva mediante um ato específico praticado para o efeito pelo superior. Por exemplo, a lei confere aos Ministros a competência para conceder licença para férias aos funcionários do Estado: se nova lei vem transferir essa competência para os diretores-gerais, há desconcentração originária; se porém, a lei se limita a permitir aos Ministros que deleguem tal competência nos diretores-gerais, haverá desconcentração derivada”.[7]
Assim sendo, se a lei não qualifica como exclusiva a competência de um agente público, nenhum vício há no fato de a autoridade proceder à delegação administrativa em favor de outro servidor. Tal procedimento viabilizará o fenômeno da desconcentração, ausente qualquer irregularidade na espécie.
Sublinhe-se que as competências administrativas não têm origem específica e exclusiva na legislação. Embora sua fonte primária seja sempre a distribuição constitucional de competências e a normatização realizada nas leis federais, estaduais, distritais e municipais, é possível que, respeitado o delineamento das regras da CR e da legislação, atos regulatórios da Administração especifiquem as competências em face dos órgãos que integram as pessoas políticas ou administrativas. Acresce-se, ainda, a possibilidade de, por ato administrativo concreto, ocorrer a delegação, sem a necessidade de lei específica que assim o autorize. Aquiesce-se com a posição de José dos Santos Carvalho Filho segundo a qual a competência dos órgãos de menor hierarquia pode derivar de normas expressas de atos administrativos organizacionais. “Nesse caso, serão tais atos editados por órgãos cuja competência decorre da lei. Em outras palavras, a competência primária do órgão provém da lei, e a competência dos segmentos internos dele, de natureza secundária, pode receber definição através dos atos organizacionais.”[8]
Conclui-se, destarte, que a competência administrativa pode se originar de texto expresso contido na Constituição, na lei e em normas administrativas que a pormenorizem, ao que se acresce a legitimidade do ato de delegação administrativa. Também por este motivo, não se identifica vício no sistema que permite a delegação de um agente superior em face de outro inferior.
3. Delegação: questionamento, normatização e suas consequências
O Direito Administrativo sempre enfrentou, com cautela, a controversa figura da delegação. Autores como Lafayette Pondé, ainda na década de 80, pontuavam as críticas ao instituto: “As dificuldades começam na contradição mesma em que a delegação descansa: admitir que uma autoridade transfira a outra o exercício das atribuições de que dispõe como um dever em razão do seu cargo e não como favor de ordem pessoal, é presumir que essa autoridade tenha o poder de alterar a lei que fixou nesse cargo tais atribuições. Se se procura explicar esse poder pela necessidade de o delegante descarregar suas tarefas legais, ainda aí é admitir na organização administrativa do Estado ofícios inúteis, ociosos, à espera das delegações. (…)A delegação administrativa enfrenta essa contradição: um órgão passa a atuar validamente sem que a lei lhe tenha dado esse poder, ou – o que é talvez pior – contra a lei que a outro órgão atribuiu esse poder: ‘trata-se de um poder conferido pela lei a uma autoridade (delegante) que possibilita a uma outra autoridade (delegada) prover, de modo jurídico e eficaz, sobre uma matéria que é da competência originária da autoridade delegante.’”[9]
Em resposta a tais ponderações, a maioria da doutrina clássica já pontuava como competência intrínseca à hierarquia o poder de delegar, salvo os limites explicitados (competência exclusiva, competência privativa, proibição relativa a determinados atos políticos). Hoje em dia, diplomas específicos regulam os pressupostos e o regime jurídico do instituto, legitimando a delegação até mesmo fora da linha hierárquica estatal.
Como já se reconhece amplamente “Mas acontece que as delegações se multiplicam hoje, mais do que nunca, nem sempre à base de um texto de lei, senão de decretos, em termos genéricos, quando não se insinuam, já à conta das novas dimensões das estruturas governamentais e, correlatamente, da maior presença do poder público em face dos problemas a resolver, já sob alegação da conveniência de deixar aos órgãos da periferia administrativa, supostamente mais bem informados desses problemas, ou mais capacitados para apreciá-los, o poder de decidir sobre eles. E a coisa chega a tal vulto que já há quem pretenda que a delegabilidade seja a regra, a indelegabilidade, a exceção”.[10]
Atualmente, não só no âmbito federal, mas na maioria dos Estados e Municípios que possuem legislação de processo administrativo, tem-se primazia da regra que fixa a delegação como possibilidade somente passível de restrição se houve norma específica limitadora ou proibitiva. Assim o artigo 12 da Lei Federal n° 9.784/99, que prevalece em face da regra do artigo 11, ao admitir delegação de competência, sempre que não houver expresso impedimento legal: “Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte de sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.” A esse respeito, invoca-se a ideia geral de que decorre da própria hierarquia administrativa o poder de delegar competências. Outrossim, exigir lei específica que autorize um superior a transferir parte da sua responsabilidade ao inferior inviabilizaria o próprio funcionamento da Administração Pública. Não se coaduna com o trâmite demorado do processo legislativo a celeridade inerente à execução das competências administrativas. Se, para que cada órgão ou autoridade pública pudesse delegar parcela das suas funções a um subalterno fosse necessária aprovação de lei pelo Congresso Nacional, Assembleia Legislativa ou Câmara de Vereadores, não raras vezes estaria inviabilizada a própria atuação da Administração. Em face de tais ponderações, tem-se entendido que prevalece a regra do artigo 12 da Lei Federal n° 9.784/99, donde se conclui ser lícito ao hierarca delegar parte das suas competências ao subalterno, à exceção dos casos em que houver expressa proibição legal.
O mencionado artigo 12 da Lei nº 9.784 autoriza a delegação de competências, no âmbito federal, também para órgãos e agentes públicos que não sejam hierarquicamente subordinados à autoridade delegante. Para tanto, é indispensável evidenciar a conveniência administrativa, em virtude de aspectos técnicos, sociais, econômicos, jurídicos ou territoriais. A delegação de competências deixa de ser, assim, instituto decorrente exclusivamente do poder hierárquico para, além de tal feição, assumir contornos de mecanismo excepcional de alteração de competência, se presentes as exigências normativas e ausentes as vedações legais. Esta tese já havia sido defendida por Laferriere que considerava não ser o superior hierárquico a única entidade com poder de delegar competência, sendo clara a orientação no Direito Comparado segundo a qual “o poder de delegação é susceptível de existir mesmo entre órgãos não hierarquizados”, restando certa a existência de “múltiplos exemplos legais de delegação sem existência de qualquer vínculo prévio entre delegante delegado”, o que “afasta por completo a concepção clássica de relacionamento deste instituto com a hierarquia administrativa”.[11]
No tocante às expressas proibições do ordenamento em vigor, no texto constitucional encontram-se regras que proíbem delegação de determinadas competências. O artigo 84, parágrafo único, da CR, p. ex., somente admite que o Presidente da República delegue as atribuições previstas nos incisos VI, XII e XXV do citado artigo. Com isto, à exceção da prerrogativa de editar decretos sobre as matérias das alíneas ‘a’ e ‘b’ do inciso VI, do poder de conceder indulto e comutar penas (inciso XII) e da responsabilidade de prover e extinguir os cargos públicos federais (inciso XXV), não pode o Presidente da República transferir as demais competências enumeradas no artigo 84 da CR, cujo exercício lhe foi imposto com privatividade. No âmbito federal, tem-se que o artigo 13 da Lei Federal n° 9.784/99 veda, de modo explícito, que no âmbito federal sejam objeto de delegação atos de caráter normativo, decisão de recurso administrativo e competência exclusiva do órgão ou agente público. Nada impede, ainda, que outras indelegabilidades decorram de outras leis federais, além de diplomas estaduais, distritais ou municipais que expressamente venham proibir a transferência, por determinado órgão ou agente, de competência sua a outro, subordinado ou não.
3.1. Quem delega não renuncia a suas competências: efeitos
Considerando que a delegação consiste em simples atribuição da execução de determinada atividade, nada obsta que aquele que detém a sua titularidade e jamais a ela renunciou retome a sua prestação. Como pondera a doutrina administrativa tradicional, o ato de delegação não retira a competência da autoridade delegante que, a qualquer momento, pode suprimir a execução da atribuição transferida ao órgão ou agente delegado.[12] A extinção da delegação pode se dar por revogação, com os atendimentos dos requisitos necessários para prática do ato revocatório.
Em excelente obra sobre a matéria, o juiz português José Cândido de Pinho, ao tratar da natureza jurídica da delegação, afirma que o delegante não perde seus poderes ao atribuir sua execução ao delegado. Outrossim, não se trata de autorização, nem mesmo de uma competência imperfeita tornada perfeita com o ato de delegação, mas “o que subjaz à delegação é um espírito de eficiência do aparelho administrativo, em que a habilitação surge talhada para servir propósito desconcentracionistas, permitindo que, perante dada carga de serviço concentrada num só órgão, outro (já existente) o possa aliviar no exercício da tarefa”, motivo por que conclui:
“Melhor se coloca neste ‘ranking’ a idéia de uma transferência de exercício. O que o delegado faz é o exercício de uma competência que não sua, e portanto, que não é própria, mas do delegante (logo, alheia), em virtude de um ato de transferência. (… ) Por tal razão é que o delegante pode avocar e revogar os actos praticados pelo delegado. (…) Eis porque o delegante não se demite da sua competência, de que continua aliás ser dono, nem perde de vista, vigiando-o, o modo como o delegado actua em concreto. (…) Assim sendo, a competência do delegado traduz-se numa forma de competência precária, dado o exercício de poderes do delegado estar sempre sujeito a condição resolutiva: o ato revogatório do delegante.
Em síntese, quando atribuído a um superior hierárquico, o poder de delegação traduz-se numa faculdade dispositiva do exercício da competência do subalterno: o exercício da competência deste último órgão pode ser alargado ou diminuído por vontade do delegante.”[13]
De fato, quem recebe os poderes exerce competência própria do delegante. Não há dúvida que a competência do delegado só existe em razão do ato de delegação praticado pela autoridade a que o ordenamento reconheceu poder-dever de atuar (desconcentração derivada). Por isto, a doutrina afirma que “o exercício dos poderes delegados é o exercício de uma competência alheia, não é o exercício de uma competência própria. O delegado, quando exerce os poderes delegados, está a exercer uma competência do delegante, não está a exercer uma competência própria”.[14]
No Direito Comparado, há entendimento no sentido de que, como o que se delega é o exercício e não a titularidade da competência, os atos realizados por delegação consideram-se praticados pelo órgão delegante que poderá dirigir e fiscalizar os atos do delegatário no exercício das funções delegadas.[15] Doutrinadores como Diogo Freitas do Amaral, embora também reconheçam os poderes de superintendência e controle do delegante, defendem que “o delegado exerce a competência do delegante em nome próprio: trata-se a nosso ver, do exercício em nome próprio de uma competência alheia”.[16] No Brasil, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que, praticado o ato mediante delegação de competência, é o delegado, não delegante a autoridade responsável, sendo certo que a revogação subseqüente da delegação não exclui tal responsabilidade do delegado pelo ato praticado na sua vigência.[17]
O Tribunal de Contas da União em mais de uma oportunidade já fixou que a delegação de competência não exime de responsabilidade a pessoa delegante, “porque inadmissível a delegação de responsabilidade, devendo responder pelos atos inquinados tanto a pessoa delegante como a pessoa delegada, segundo a responsabilidade de cada uma”.[18] O entendimento da Corte de Contas é no sentido de que “A delegação de competência não implica delegação de responsabilidade, competindo ao delegante a fiscalização dos atos de seus subordinados, especialmente em situações nas quais (…) a necessidade de supervisão não pode ser subestimada.”[19]
4. Conclusão:
Sem norma constitucional ou legal específica e sem que haja ato específico da autoridade competente que regularmente atribua a execução da competência a terceiro, é mister observar a titularidade originária das atribuições, tal como previsto no ordenamento, em sua integralidade. Em outras palavras: não será lícita qualquer atividade realizada por outro agente público que não o órgão originariamente competente, se não houver autorização expressa, seja em ato normativo, seja em ato administrativo concreto, capaz de fundamentar a atividade do subalterno ou terceiro.
A competência do delegado só existe em razão do ato de delegação praticado pela autoridade a quem o ordenamento reconheceu poder-dever de atuar. Sem desconcentração derivada, ou seja, sem transferência prévia de execução a um subalterno ou a um terceiro, é inviável descumprir a distribuição legislativa de competências. E para que ocorra a delegação, é fundamental não haver proibição no ordenamento de regência, sendo esse o entendimento prevalecente no Direito Administrativo contemporâneo. Em face da delegação, é preciso reconhecer que a autoridade delegante não renunciou à sua competência, sendo-lhe lícito retomar o seu exercício e imprescindível o acompanhamento das atividades do delegado.
Nesses termos e com as cautelas necessárias, ganha espaço no cotidiano da Administração Pública o emprego dessa técnica cada vez mais comum para viabilizar a gestão pública.
[1]ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 435-436.
[2] OLIVEIRA, Antônio Flávio. Ato administrativo: o fenômeno da encampação por defesa do mérito em ação de mandado de segurança. Fórum Administrativo — Direito Público , Belo Horizonte, Fórum, a. 6, n. 60, p. 6837, fev, 2006.
[3] RMS nº 26.967-DF, rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma do STF, julgamento em 26.02.2008, DJe de 03.04.2008.
[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 93.
[5] ALTAMIRA GIGENA, Julio Isidro. Lecciones de derecho administrativo. Córdoba: Advocatus, 2005 p. 216.
[6] AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de direito administrativo. 2. ed. 11. reimp. ed. 1994. Coimbra: Almedina, 2006. v. 1, p. 664.
[7] AMARAL, Diogo de Freitas do. Curso de direito administrativo. v. 1. , op. cit., p. 660.
[8] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo, op. cit., p. 93.
[9] PONDÉ, Lafayette. Da delegação administrativa. Revista de Direito Administrativo, v. 140, p. 1-2, abr./jun. 1980.
[10] PONDÉ, Lafayette. Da delegação administrativa. Revista de Direito Administrativo, op.cit, p. 2-3.
[11] OTERO, Paulo. Conceito e fundamento da hierarquia administrativa. Coimbra: Coimbra Editora, 1992. p. 143 e 145.
[12] Esta a lição de Odete Medauar: “Numa estrutura hierarquizada e tratando-se de delegação de superior para subordinado, a autoridade delegante mantém o poder de dar instruções e o poder de controle sobre os atos do delegado. Em princípio, mesmo tendo transferido certas atribuições ao delegado, a autoridade delegante pode exercê-las. Esta tem a faculdade de revogar a delegação a qualquer tempo, pela mesma forma com que a editou. Em geral, a responsabilidade pelos atos e medidas decorrentes de delegação cabe ao delegado.” (MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 63).
[13] PINHO, José Cândido de. Breve ensaio sobre a competência hierárquica. Coimbra: Almedina, 2000. p. 12-13; 146-147.
[14] AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de direito administrativo. v.1, op. cit., p. 684.
[15] ENTRENA CUESTA, Rafael. Curso de derecho administrativo. 13ª ed. Madrid: Tecnos, 1999. v.1/I. p. 74.
[16]AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de direito administrativo, v.1, op. cit., p. 684.
[17] “EMENTA: I. Mandado de segurança: praticado o ato questionado mediante delegação de competência, é o delegado, não o delegante, a autoridade coatora. II. Ato administrativo: delegação de competência: sua revogação não infirma a validade da delegação, nem transfere ao delegante a responsabilidade pelo ato praticado na vigência dela.” (Ag. Regimental no MS n° 23.411-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno do STF, DJU de 09.02.2001, p. 18).
[18] Acórdão nº 248/2010, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, Plenário do TCU, julgamento em 24.02.2010
[19] Acórdão nº 170/2018, rel. Min. Benjamin Zymler, Plenário do TCU, julgamento em 31.01.2018. Também no sentido de que “A delegação de competência não afasta a responsabilidade da autoridade que a delegou”, confira-se: Acórdão nº 1.786/2014, 1ª Câmara do TCU, rel. Min. Augusto Sherman, julgamento em 06.05.2014