Direito Administrativo: dos velhos conceitos aos desafios do século XXI

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Ao definir o Direito Administrativo, a doutrina utiliza critérios variados para tentar lhe fixar o conceito. Alguns critérios são aplicados isoladamente e outros de modo combinado, delineando noções mais ou menos complexas.

Segundo o critério do Poder Executivo, o Direito Administrativo seria o conjunto de regras que normatiza a atividade do conjunto de órgãos públicos do Executivo. Outros doutrinadores vincularam a disciplina ao tratamento das relações jurídicas firmadas entre a Administração Pública e os administrados, sendo este o critério das relações jurídicas. A famosa Escola do Serviço Público conceituou o direito administrativo como o ramo da ciência jurídica que se refere à organização e funcionamento dos serviços públicos. Em posição diversa e mais ampla, os defensores do critério teleológico vincularam a disciplina à normatização das atividades estatais voltadas à realização dos fins públicos. Já os estudiosos que optaram pelo critério subjetivo definiram o direito administrativo como o ramo do direito relativo à Administração Pública.

As citadas definições apresentam perspectivas restritas, fundadas em aspectos menos amplos do que a matéria abrangida, de fato, pelo Direito Administrativo. Esse ramo do direito público interno refere-se a quatro grandes aspectos da atividade estatal:

1) a estrutura dos órgãos públicos e das entidades públicas ou privadas que exercem a atividade administrativa em quaisquer dos Poderes (Legislativo, Judiciário e, com predominância, Executivo) ou mesmo fora da máquina estatal, com base em vínculo jurídico específico (como, p. ex., contrato administrativo). Trata-se de quem exerce a função administrativa imposta pelo ordenamento jurídico ao Estado (aspecto subjetivo).

Destaca-se, aqui, as noções de Administração direta e indireta, bem como a noção de terceiro setor (com exame das modalidades de parcerias que podem ser firmadas entre Estado e sociedade). Também cabe o exame de figuras jurídicas como as de concessão, permissão, parceria público-privada, convênios e consórcios públicos, de modo a compreender todas as pessoas que, com base em vínculos legais e administrativos diversos, podem exercer atividade administrativa.

Neste ponto, tem-se como desafios contemporâneos o exame da viabilidade do uso, ou não, de smart contracts e de outros instrumentos, inclusive tecnológicos, que modernizem os vínculos entre Estado e terceiros, além do aperfeiçoamento na própria estrutura da Administração Pública.

2) a atividade material que, em determinada época, o ordenamento jurídico fixa como sendo de competência administrativa do Estado. Trata-se, aqui, das atribuições que a Constituição e a normatização infra-constitucional definem e regulam como tarefa administrativa a ser realizada direta ou indiretamente pelo Poder Público (aspecto material). Aqui se enquadram o poder de polícia, os serviços públicos, as atividades de fomento e até mesmo as diversas formas de intervenção do Estado na propriedade.

Um dos principais desafios do Direito Administrativo contemporâneo é definir como utilizar recursos tecnológicos como big data, de modo a extrair dados relevantes capazes de orientar o planejamento das políticas públicas em cada uma das searas de atuação administrativa (como, p. ex., os serviços públicos de educação, saúde, segurança pública), obtendo maior efetividade em cada uma das atividades, com interação direta entre sociedade e Estado.

3) a infraestrutura necessária para a Administração Pública exercer as suas competências, destacando-se o quadro de pessoal (agentes públicos), o patrimônio (bens públicos) e o regime jurídico (regime jurídico administrativo). Trata-se aqui da base necessária à atividade administrativa do Poder Público: profissionais qualificados para trabalhar como servidores e que se tornam a Administração Pública junto aos cidadãos (agentes públicos), bens que sirvam de instrumento à realização das diversas atividades e consecução do interesse da sociedade (imóveis, móveis, bens imateriais), além do conjunto de normas (princípios e regras) especiais e incidentes nas relações jurídico-administrativas.

Nesses aspectos, a tecnologia apresenta alternativas de gestão que precisam ser analisadas, tais como blockchain (tecnologia de registros distribuídos com potencial para transformar, dentre outros, um dos pontos nevrálgicos do Direito Administrativo, qual seja, o sistema licitatório atual), a chamada “internet das coisas”, algoritmos que permitam a avaliação das condições dos bens públicos e a automação na própria gestão interna de pessoal. Os usos possíveis da inteligência artificial repercutem na infraestrutura pessoal, patrimonial e do próprio regime jurídico administrativo, sendo necessário fixar-lhe os contornos de incidência adequada, de modo a assegurar conformidade constitucional.

4) as garantias reconhecidas ao administrado para o proteger em face da Administração Pública e os mecanismos de controle que buscam assegurar a legalidade dos comportamentos administrativos. A independência reconhecida a esses aspectos para fins de estudo no Direito Administrativo decorre, em princípio, da necessidade de se reforçar os limites impostos ao Poder Público quando atua em face de terceiro, com destaque às garantias previstas no ordenamento em favor do cidadão (ex: ampla defesa e contraditório nos processos punitivos, proteção das liberdades individuais em cláusulas pétreas da Constituição, obrigatoriedade de motivar as decisões estatais, publicidade dos comportamentos estatais, dentre outros aspectos).

Desde a origem, o Direito Administrativo compromete-se com o estudo dos mecanismos aptos a conter e a sanar os abusos de poder cometidos na estrutura do Estado, sendo cíclicos os períodos em que se vive maior autoritarismo na atividade pública, a desafiar busca obsessiva de efetividade quanto às garantias dos cidadãos, direitos fundamentais consagrados na CR. Na última década, a compreensão de que o controle representa atividade relevante do Estado, muito além da função jurisdicional e atuação dos Tribunais de Contas, tornou evidente a necessidade de aprofundar o estudo de mecanismos de autotutela administrativa colegiada, mediação e conciliação pelo Poder Executivo, com reforço da juridicidade da atividade de fiscalização exercida por órgãos internos da Administração Pública, como é o caso das corregedorias e das controladorias de Estado.

Colocam-se, também nesse ponto, desafios relativos ao uso da tecnologia cognitiva: assim, p. ex., na implantação do “Estado em rede”, cujas competências diversas exerçam-se de modo articulado, simplificado e célere, tornando-as qualitativamente eficientes. Aparato tecnológico que não seja aleatório, nem signifique inobservância de garantias do ordenamento, e que represente oportunidade de trazer a Era Digital também aos órgãos de controle, deve ser objeto de estudo no Direito Administrativo como meio capaz de ensejar o necessário aperfeiçoamento público.

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