Sustentabilidade: licitação e contratos administrativos Parte 2

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1. Origens do conceito de sustentabilidade

Não é recente na doutrina o entendimento de que sustentabilidade implica conciliação de valores como a exploração equilibrada dos recursos naturais, nos limites da satisfação das necessidades e do bem-estar da presente geração, assim como sua conservação no interesse de gerações presentes e futuras. Nesse sentido, tem-se o ensinamento de José Afonso da Silva no sentido de que, antes mesmo da Constituição de 1988, a Lei Federal nº 6.983, de 31.08.1981, já havia enfrentado nos arts. 1º e 4º a ideia de desenvolvimento sustentável, “pondo, corretamente, como o principal objetivo a ser conseguido pela Política Nacional do Meio Ambiente a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.”[1]

Outros documentos já tinham manifestado clara preocupação com a sustentabilidade como é o caso da Declaração de Meio Ambiente, adotada pela Conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, em julho de 1972; nele restou fixado que a proteção e melhor do meio ambiente traduz questão fundamental a afetar o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro. Vinte anos depois da Declaração de Estocolmo, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro de 3 a 14 de junho de 1992, reafirmou tais princípios e adicionou expressamente os princípios do desenvolvimento sustentável e meio ambiente. Durante essa Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no RJ em 1992, foi negociada e assinada uma Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. A Declaração de Estocolmo abriu caminho para que as Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental entre os direitos sociais do Homem, “com sua característica de direitos a serem realizados e direitos a não serem perturbados.”[2]

Resultou do princípio 4 da Declaração do Rio (Eco 92) que “Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste.” O documento final da Rio+20, realizada nesse ano de 2012, assentou no item 12, consagrando uma visão comum entre os signatários, ser necessário “tomar medidas urgentes para alcançar o desenvolvimento sustentável. Portanto, renovamos nosso compromisso com o desenvolvimento sustentável, avaliação dos progressos até à data e as lacunas na implementação dos resultados das cimeiras mais importantes sobre o desenvolvimento sustentável e enfrentar desafios novos e emergentes.” No item 39 expressa que “a fim de alcançar um justo equilíbrio entre as necessidades econômicas, sociais e meio ambiente das gerações presentes e futuras, é necessário promover a harmonia com a natureza.” Ademais, foi reforçado no item 42 o “papel fundamental de todos os níveis de governo e órgãos legislativos na promoção do desenvolvimento sustentável” e no item 43 admitida a participação pública e o acesso à informação como mecanismos para promoção do desenvolvimento sustentável. A convergência de ambas atuações remanesce clara no item 46 ao proclamar “que a implementação do desenvolvimento sustentável dependerá envolvimento ativo de ambos os setores público e privado”, sendo importante a contribuição da comunidade científica e tecnológica a esse propósito (item 48). Identifica-se comprometimento na promoção da integração equilibrada das dimensões do desenvolvimento sustentável (item 76).

 

2. O desenvolvimento sustentável

Tais observações coadunam com a ideia de sustentabilidade como um processo que exigea intervenção dos governos em diversas searas (social, financeira, econômica, institucional) com a preocupação de viabilizar qualidade de vida, satisfazer as necessidades dos cidadãos, sem risco de destruição de elementos como água, solo, ecossistemas e outros necessários à sobrevivência humana. É Rosa Maria Meneguzzi quem define o desenvolvimento sustentável como o “desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras, com equilíbrio entre os fatores sociais, ambientais e econômicos”.[3]

Não se trata de proibir o uso de recursos naturais, nem de admitir a sua destruição ou comprometimento desarrazoado da sua durabilidade, mas de perseguir um mínimo de equilíbrio entre o que é preciso para manter os recursos existentes no meio ambiente e o que é indispensável para evolução econômica, tecnológica e cultural da população.

É Daniel Ferreira quem elucida que o desenvolvimento precisa ser triplamente sustentável – no viés econômico social e ambiental – “ou não é desenvolvimento”. A sustentabilidade econômica, tem relação com o crescimento econômico e das estruturas produtivas, assegurando aumento do PIB e do PPC, retroalimentando a economia e surtindo efeitos benéficos no tecido social. Valores como democracia e equidade exigem a sustentabilidade social, com o aumento contínuo da “capacidade das pessoas de fazerem e serem aquilo que têm razão em valorizar. Em síntese, ela revela o que o desenvolvimento humano faz. (…) Some-se a isso que a sustentabilidade social é a responsável pela manutenção dos micro-universos sociais, aqueles referidos e referíveis apenas por meio da cultura, de modo a garantir sua identidade.” Já a sustentabilidade ambiental requer que o haja patrimônio ambiental a ser repassado às futuras gerações assegurando-lhes a possibilidade de escolhas para satisfação das suas necessidades. “De conseguinte, a sustentabilidade ambiental deve ser assumida como um freio, não no sentido de atrasar o avanço na direção do desenvolvimento, mas de dar a temperança necessária à escolha da velocidade e dos caminhos eleitos no rumo à ecossocioeconomia do amanhã.” Promover esse desenvolvimento constitui direito fundamental que reclama entrosamento do Estado e da sociedade, sendo a sustentabilidade ambiental um imperativo constitucional.[4]

Reconhece-se que parte da doutrina assevera não ser o desenvolvimento sustentável uma norma principiológica, mas um “projeto político envolvo numa nebulosa de realidades” (Chantal Cas) ou um “rastro ziguezagueante” e impreciso (Pierre-Marie Dupuy), como bem lembra a jurista portuguesa Carla Amado: “Exemplos de ‘falsos princípios’ jurídicos de Direito do Ambiente são: o desenvolvimento sustentável, que nada mais é do que uma equação de ponderação circunstanciada e conjuntural do interesse de preservação ambienta e dos interesses de desenvolvimento econômico; a solidariedade intergeracional’, prenhe de simbolismo e intenção ética, mas destituída (no estado actual) de condições de operacionalização real; a precaução, com a sua deriva formulativa e desrazoável radicalismo.”[5]

Malgrado tais críticas, é certa a necessidade de melhorar a tomada de decisão pública no tocante aos comportamentos que têm repercussão ambiental, com potencial destrutivo ou de comprometimento dos recursos naturais existentes. É preciso atentar para o desempenho ambiental dos bens ao longo do seu ciclo de vida (desde a produção até o descarte final), bem como os impactos das obras e dos serviços prestados ao Estado e pelo Estado. Tal exigência decorre da própria noção de preservação do meio ambiente como direito fundamental dos cidadãos, donde resulta clara a obrigatoriedade de planejamento capaz de fazer convergir o pressuposto do menor custo possível, da redução dos impactos prejudiciais, bem como do atendimento das necessidades sociais. Trata-se de integrar, de modo equilibrado, uma demanda estatal presente em relação a um determinado objeto e a proteção do meio ambiente, obrigação constitucional irrenunciável. Para tanto, é preciso repensar a governança ambiental, reconhecendo o potencial danoso dos comportamentos da máquina administrativa de modo a conceber mecanismos de sustentabilidade que o afaste.

 

3. A necessária atividade do Estado. A “ecoaquisição” ou “licitação verde”.

O desafio do desenvolvimento sustentável requer um esforço significativo do Poder Público. Como assevera Maria Augusta Soares de Oliveira Ferreira, “Não podemos nem devemos mais confirmar – reafirmar a máxima liberal ‘as empresas partem na frente e os governos correm atrás. Especialmente em questões relacionadas ao meio ambiente, por razões constitucionais e de Estado, a Administração Pública precisa partir na frente, pois é seu poder-dever a defesa e a preservação do meio ambiente.” Parte-se da premissa de que não se pode cobrar dos outros aquilo que não se faz; assim sendo, a Administração não pode confirmar o dito popular “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.”[6] Sem dúvida, é necessária mudança da cultura institucional vigente no Estado, com estruturação de redes de trabalho, cujas atuações convirjam para o alcance de um novo paradigma de sustentabilidade no cotidiano administrativo.

Nesse mister, tem-se nas licitações e nos contratos administrativos seara própria aos esforços públicos, mediante fixação dos critérios de sustentabilidade que promovam e incentivem a produção de bens, a realização de obras e a prestação de serviços que não degradem o ambiente, de modo a fomentar empresas privadas a ampliar o fornecimento de objetos sustentáveis ao Poder Público. Trata-se, pois, do Estado utilizar o seu poder de comprar para incentivar o mercado a produzir bens, a prestar serviços e a executar obras com melhores padrões de qualidade socioambiental. É Murillo Giordan Santos quem acrescenta que, dentre as várias opções possíveis de contratação, o Poder Público “deve optar por aquelas menos gravosas ao equilíbrio ambiental, o que constitui uma ação não poluidora e uma forma de promoção e incentivo ao desenvolvimento de meios de produção menos degradantes.”[7]

Se assim atuar a Administração Pública, teremos o que a doutrina nomina de “ecoaquisição”, “licitação positiva” ou “licitação verde, ecológica ou ambiental” ou “compra ambientalmente amigável”, influenciada por parâmetros de consumo menos agressivos ao meio ambiente, mediante adoção de critérios razoáveis ambientais, sociais e econômicos quando da escolha dos objetos de que necessita o Estado. A proteção do meio ambiente decorre manifesta do comprometimento de perseguir contratos satisfatórios, com evolução tecnológica e sem sacrifício dos recursos necessários às gerações futuras, o que implica consumo seletivo e tentativa de não intoxicação/destruição ambiental. Não se trata de um juízo simples e linear, que admite decisão abstrata desvinculada das multiplicidades presentes na realidade em questão. Apesar de se tratar de um desafio de monta, cabe reconhecer que o Estado deve valer-se de meios capazes de induzir o mercado ao fornecimento de bens e serviços conforme padrões de consumo sustentáveis, equilibrando parâmetros como economicidade, eficiência e redução de danos ao meio ambiente, sem comprometimento da competitividade e ampla concorrência. Teremos realizada uma política de proteção ambiental inibitória de riscos que precisam ser evitados, sem olvidar da obrigação de realizar o melhor negócio, incluindo-se aspectos de natureza econômica e financeira.

Conforme lúcido ensinamento de Eduardo Fortunato Bim, trata-se da “licitação que integra critérios ambientais de acordo com o estado da técnica, ou seja, com o melhor para o meio ambiente de acordo com a atual ciência num preço razoável”, situação em que se identifica “um esforço governamental com base jurídica, propiciado não apenas por ela, mas principalmente pela consciência institucional do consumo sustentável (educação ambiental) para adquirir bens, serviços e obras com reduzido impacto ambiental em comparação com os outros que servem à mesma finalidade.”[8]

Também assevera Rosa Maria Meneguzzi que a licitação sustentável “Seria contratar (comprar, locar, tomar serviços…), adequando a contratação ao que se chama consumo sustentável”. Considerando que “o governo é grande comprador e grande consumidor de recursos naturais, os quais não são perpétuos: acabam”, pondera que “Como o governo compra muito poderia estimular uma produção mais sustentável, em maior escala, além de dar o exemplo” para concluir que “licitações sustentáveis seriam aquelas que levariam em conta a sustentabilidade ambiental dos produtos e processos a elas relativos.” Nesse contexto, valorizam-se os custos efetivos que “consideram condições de longo prazo, buscando gerar benefícios à sociedade e à economia e reduzir os danos ao ambiente natural.”[9]

 

4. Fundamentos normativos da licitação sustentável

É inviável alcançar tão pretensiosos objetivos sem que sejam adotados instrumentos normativos adequados, tratamento jurídico próprio na matéria, bem como mecanismos técnicos que instrumentalizem a sustentabilidade como direito inerente à cidadania.  Não há dúvida que, além do fundamento constitucional (artigos 170, VI e 225, IV da CR), diplomas legais já traziam parâmetros de sustentabilidade como é o caso da Política Nacional de Meio Ambiente veiculada pela Lei Federal nº 6.938/81 (especialmente o artigo 4º, I, IV, V e VI; o parágrafo único do artigo 5º e o artigo 10 com a redação da Lei Complementar nº 140/2011). Também o artigo 12 da chamada Lei Geral de Licitações (Lei Federal nº 8.666/93) obrigava que no caso de se contratar obras e serviços de engenharia, os projetos básico e executivo deveriam considerar requisitos que concretizam o paradigma da sustentabilidade, atentando para impacto ambiental, possibilidade de emprego de materiais e tecnologia existentes no local da execução e operação, adoção de normas de segurança do trabalho, dentre outros.

Não se ignore que o artigo 4º, VII da Lei de Parcerias Público-Privadas (Lei Federal nº 11.079/04) havia fixado como diretriz vinculante a “sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria. A política nacional sobre mudança do clima instituída pela Lei Federal nº 12.187/09 mencionou expressamente o desenvolvimento sustentável e o princípio da prevenção (artigo 3º, “caput”), fixando compatibilização entre desenvolvimento econômico-social com proteção do sistema climático (artigo 4º, I). A Lei Federal nº 12.305, de 02.08.2010, que instituiu a política nacional de resíduos sólidos, impôs como objetivos a prioridade para aquisição de produtos reciclados e recicláveis, bem como de bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis. Além disso, fixou como objetivo o estímulo à implementação da avaliação do ciclo de vida do produto, o incentivo ao desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, incluídos a recuperação e o aproveitamento energético, bem como o estímulo à rotulagem ambiental e ao consumo sustentável  (artigo 7º, XI, XII, XIII, XIV e XV).

Sobre tais diplomas, a doutrina pontua:

“A Lei de Mudança do Clima, ao estabelecer a preferência nas licitações por produtos que propiciem uma maior economia de energia, água e outros recursos naturais, bem como a favor da redução da emissão de resíduos, vem a ser fortalecida pela nova lei de resíduos sólidos. Comparando-se os termos do art. 6º, XII, da lei de mudança do clima e o art. 7º, XI, ‘a’ e ‘b’, da lei de resíduos sólidos, percebe-se claramente a complementariedade entre os dois, pois a reciclagem e o consumo social e ambientalmente sustentáveis (Lei de Resíduos Sólidos) são dois pilares primordiais para o enfrentamento das mudanças climáticas e exemplos fundamentais de medidas para uma maior economia de energia, água e outros recursos naturais, bem como para a redução da emissão de resíduos, conforme determinado pela Lei de Mudança do Clima.”[10]

Além disso, os artigos 30, 31 e 32 da Lei Federal nº 12.305/10 dispõem acerca da responsabilidade compartilhada; trazem exigências para produtos a serem licitados pela Administração que não pode estimular o descumprimento da Lei de Resíduos sólidos – política que instituiu – ao aceitar que concorram em licitações produtos cujos responsáveis, fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes descumpram a lei ou mesmo o plano de gerenciamento obrigatório (artigo 27). “Significa dizer que, caso esteja disponível no mercado, a preços razoáveis (lembrando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade adiante analisados), produtos que sejam, por exemplo, fabricados a partir de material reciclado, a Administração deverá, nos termos da lei (art. 7º, XI, ‘a’), dar preferência a esses produtos.” Frise-se, cumulativamente, a previsão de responsabilidade compartilhada e redução de consumo, sendo certo que a Administração terá que dar preferência a produtos com embalagens menores (art. 7º, XI, v e artigo 31). Outros exemplos de sustentabilidade oriundos da lei são a exigência nas licitações de que pessoas jurídicas a serem contratadas cumpram as obrigações da logística reversa (art. 33), do cadastramento em razão de operarem com resíduos perigosos (art. 38) e de não incorrerem nas proibições do artigo 47.[11]

Diante do conteúdo das prescrições normativas, é clara a importância das Leis 12.187/09 (Política Nacional sobre Mudança do Clima) e 12.305/10 (Política Nacional e Resíduos Sólidos) que introduziram previsão legal expressa de inclusão de critérios preferenciais para contratações de objetos coerentes com a preservação do meio ambiente. De fato, o artigo 6º, XII da Lei 12.187/09 determinou o “estabelecimento de critérios de preferências nas licitações e concorrências públicas (…) para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos” e o já citado artigo 7º, XI a e b da Lei Federal nº 12.305/10 determinou a prioridade nas aquisições e contratações governamentais para: a) produtos reciclados e recicláveis; b) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis.

A isso se acrescem leis estaduais, como, em Minas Gerais, a Lei Estadual nº 18.031, de 12 de janeiro de 2009, que dispõe sobre a Política Estadual de Resíduos Sólidos, e no artigo 4º consagra:

a) a coleta seletiva: recolhimento diferenciado de resíduos sólidos previamente selecionados nas fontes geradoras, com o intuito de encaminhá-los para reutilização, reaproveitamento, reciclagem, compostagem, tratamento ou destinação final adequada;

b) destinação final ambientalmente adequada dos resíduos: encaminhamento dos resíduos sólidos para que sejam submetidos ao processo adequado, seja ele a reutilização, o reaproveitamento, a reciclagem, a compostagem, a geração de energia, o tratamento ou a disposição final, de acordo com a natureza e as características dos resíduos e de forma compatível com a saúde pública e a proteção do meio ambiente;

c) disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos: disposição dos resíduos sólidos em local adequado, de acordo com critérios técnicos aprovados no processo de licenciamento ambiental pelo órgão competente;

d) gestão integrada dos resíduos sólidos: conjunto articulado de ações políticas, normativas, operacionais, financeiras, de educação ambiental e de planejamento desenvolvidas e aplicadas aos processos de geração, segregação, coleta, manuseio, acondicionamento, transporte, armazenamento, tratamento e destinação final dos resíduos sólidos;

e) logística reversa dos resíduos sólidos: conjunto de ações e procedimentos destinados a facilitar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos aos geradores, para que sejam tratados ou reaproveitados em seu próprio ciclo produtivo ou no ciclo produtivo de outros produtos;

f) manejo integrado de resíduos sólidos: forma de operacionalização dos resíduos sólidos gerados pelas instituições privadas e daqueles de responsabilidade dos serviços públicos, compreendendo as etapas de redução, segregação, coleta, manipulação, acondicionamento, transporte, armazenamento, transbordo, triagem, tratamento, comercialização e destinação final adequada dos resíduos, observadas as diretrizes estabelecidas no Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos;

g) reaproveitamento dos resíduos sólidos: processo de utilização dos resíduos sólidos para outras finalidades, sem sua transformação biológica, física ou química;

h) reutilização dos resíduos sólidos: processo de utilização dos resíduos sólidos para a mesma finalidade, sem sua transformação biológica, física ou química.

É certo, por conseguinte, que, além da mudança fixada no artigo 3º da Lei Federal nº 8.666 pela Lei Federal nº 12.349, outros diplomas em vigor, nas esferas estaduais, distrital e municipais, também servem como fundamento na organização de um sistema apto a cumprir a missão da sustentabilidade como papel irrenunciável do Estado brasileiro. Tem-se a incorporação da proteção ambiental como um mais um princípio a ser ponderado em cada procedimento licitatório que resultará em contratos administrativos.

 

5. Instrumentos de sustentabilidade nas licitações públicas

Ao analisar os modos através de que é possível definir a sustentabilidade em cada situação, Marcos Weiss Bliacheris invoca a transversalidade e explicita que ela “visa a integração das distintas políticas setoriais de forma que uma não anula os efeitos da outra, devendo ser levados em consideração também os aspectos culturais e sociais inerentes a essas políticas (art. 6º, III, Lei nº 12.305/2010). Decorre diretamente da amplitude da questão ambiental que passa a permear praticamente toda a atividade econômica e quiçá humana.” A isto, o autor acrescenta:

“A avaliação do administrador, para implementar a licitação sustentável, deverá levar em conta as características do produto ou serviço a ser adquirido ou contratado e jamais de obrigações inerentes ao fornecedor.

A Lei de licitações, ao tratar do impacto ambiental, sempre o situa nas etapas de projeto básico e executivo (artigos 6º, IX, e 12, VII), ou seja, no momento de planejamento ou definição do serviço a ser contratado ou da especificação do produto a ser contratado.

Não poderão ser exigidas condições do fornecedor, até mesmo porque as condições de habilitação restringem-se àquelas previstas na Lei de Licitações.

O produto ou serviço deverá ser avaliado no mais amplo sentido, desde as tecnologias e processos utilizados em sua fabricação (art. 6º, XII, Lei nº 12.187/2009) até a sua destinação final (art. 7º, XI, ‘a’, Lei nº 12.305/2010).

(…)

A avaliação de todo o ciclo de vida dos produtos é uma característica que perpassa toda a política pública de licitações sustentáveis.”[12]

Tais métodos vêm sendo defendidos pela doutrina como instrumentos de se evitar técnicas mais onerosas nos vínculos públicos. Invoca-se a importância de se render às finalidades da sustentabilidade como a inibitória (proíbe ineficiência e ineficácia nas licitações e contratações públicas); antecipatória e prospectiva (obriga prevenção e antecipação, com planejamento estratégico e antevisão dos resultados de obras, serviços e utilização dos bens); indutora (induzir comportamentos intertemporalmente responsáveis). Essa a lição de Juarez Freitas segundo quem a licitação “pode-deve servir como promotora das políticas voltadas à equidade de longo alcance, com apreço à saúde pública e à redução (ou internalização) de externalidades negativas, nada se licitando que não se submeta ao crivo ampliado da ponderação custo-benefício, reconstruído agora para ser um julgamento mais rico, confiável e complexo do que rotineiro.” Nesse novo momento da evolução das contratações públicas, a licitação, no lugar dos conhecidos vícios, começará a ser produtivamente responsável por notáveis transformações políticas, jurídicas, sociais, econômicas, ambientais e éticas. Transforma-se, pois, em instrumentos “que, com isonomia e busca efetiva do desenvolvimento sustentável, visam a seleção de proposta mais vantajosa para a Administração Pública, ponderados, com a máxima objetividade possível, os custos e benefícios sociais, econômicos e ambientais. Ou, de forma mais completa, são os procedimentos administrativos, por meio dos quais um órgão ou entidade da Administração Pública convoca interessados – no bojo de certa isonômico, probo e objetivo – com a finalidade de selecionar a melhor proposta, isto é, a mais sustentável, quando almeja efetuar ajuste relativo a obras e serviços, compras, alienações, locações, arrendamentos, concessões e permissões, exigindo na fase de habilitação as provas realmente indispensáveis para assegurar o cumprimento das obrigações pactuadas.”[13]

Diante desse contexto, devem as licitações adotar o parâmetro da sustentabilidade na descrição do objeto a ser contratado, com repercussão no julgamento das propostas, evitando-se fixar exigências como requisitos de habilitação, até mesmo por ser necessária previsão legal de qualquer condição habilitatória dos interessados em disputar o certame. À obviedade, nenhum vício existe em fixar deveres a serem cumpridos pelo futuro contratado, no momento da execução do acordo administrativo nos estritos termos do previsto já na minuta do edital, com base no ordenamento de regência. O objetivo é que, com os instrumentos adequados e sem exclusões indevidas ou excessos, sejam firmados contratos em cuja execução sobrevenha o menor uso possível de recursos naturais, o menor consumo de água e energia, a viabilidade de reutilização ou reciclagem, geração reduzida de resíduos, logística reversa efetiva, ausência ou restrição de materiais perigosos ou tóxicos, maior vida útil dos produtos, coleta do material utilizado para fins de reaproveitamento, donde se infere evidente compromisso com a ecoeficiência, ponderadas em face da competitividade e da economicidade. Também é preciso atentar para as vantagens sociais ou sacrifícios impostos à população, bem como para o melhor resultado econômico e financeiro, ponderado em face das variáveis a serem consideradas, numa gestão racional e adequada dos múltiplos condicionamentos que limitam a liberdade contratual do Estado. O desafio de tal construção, normativa e concretamente, será analisado no último artigo sobre a matéria, terceira parte do presente estudo.

[1] SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4ª ed. 2ª tir. São Paulo: Malheiros editores, 2003, p. 26-27, itálico no original.

[2] SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional, op. cit., p. 58-59; 63-64; 66; 69-70.

[3] MENEGUZZI, Rosa Maria. Conceito de licitação sustentável in Licitações e contratações sustentáveis. 1ª ed. 1ª reimp. Coord. SANTOS, Murillo Giordan. BARKI, Teresa Villac Pinheiro. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 22.

[4] FERREIRA, Daniel. A licitação pública no Brasil e sua nova finalidade legal. A promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 52-53;55; 57-58; 60.

[5] GOMES, Carla Amado. Direito administrativo do ambiente. In: Tratado de Direito Administrativo Especial: v.I. Coord. OTERO, Paulo. GONÇALVES, Paulo. Coimbra: Almedina, 2009, p. 189.

[6] FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira. Apontamentos sobre a gestão socioambiental na administração pública brasileira in Sustentabilidade na Administração Pública: Valores e práticas de gestão socioambiental. Coordenadores: BLIACHERIS, Marcos Weiss. FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 37-38.

[7] SANTOS, Murillo Giordan. Poder normativo das licitações sustentáveis in Licitações e contratações sustentáveis, 1ª ed. 1ª reimp. Coordenadores: SANTOS, Murillo Giordan et al. BARKI, Teresa Villac Pinheiro. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 166

[8] BIM, Eduardo Fortunato. Considerações sobre a juridicidade e os limites da licitação sustentável in Licitações e contratações sustentáveis. 1ª ed. 1ª reimp. Coordenadores: SANTOS, Murillo Giordan et al. BARKI, Teresa Villac Pinheiro. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 177

[9] MENEGUZZI, Rosa Maria. Conceito de licitação sustentável in Licitações e contratações sustentáveis, op. cit.,  p. 21-22

[10] FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira. Apontamentos sobre a gestão socioambiental na administração pública brasileira in Sustentabilidade na Administração Pública: Valores e práticas de gestão socioambiental, op. cit.,p. 126

[11] FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira. Apontamentos sobre a gestão socioambiental na administração pública brasileira in Sustentabilidade na Administração Pública: Valores e práticas de gestão socioambiental, op. cit., p. 127-128

[12] FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira. Apontamentos sobre a gestão socioambiental na ad BLIACHERIS, Marcos Weiss. Licitações sustentáveis: política pública  in SANTOS, Murillo Giordan et al. Licitações e contratações sustentáveis. 1ª ed. 1ª reimp. Coordenadores: SANTOS, Murillo Giordan et al. BARKI, Teresa Villac Pinheiro. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 148

[13] FREITAS, Juarez. Licitações e sustentabilidade: ponderação obrigatória dos custos e benefícios sociais, ambientais e econômicos. Interesse Público. Belo Horizonte: Fórum, a. XIII, n. 70, p. 24-25, nov./dez. 2011, p. 32-34, itálico no original

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