Saúde pública: visão crítica e uma alternativa de aperfeiçoamento

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Para Joel dos Santos Lopes

que em vida tanto inspirou

e na morte fez surgir novas forças

para a busca de uma saúde pública digna.

Minha eterna gratidão.

O controle da saúde pública

Alguns entes federativos têm buscado definir um novo modelo controle administrativo na seara da saúde pública. No lugar de um órgão limitado ao cumprimento de mandados judiciais decorrentes de ações com habitual sucumbência do Estado, a ideia é conceber uma estrutura capaz de reduzir a judicialização, com atividade responsável de planejamento do Estado, com foco específico no aspecto coletivo.

Diante do excesso de ações judiciais e dos problemas daí resultantes, tem-se um movimento de adoção de mecanismos alternativos como consensualização pré-ajuizamento das demandas, além da possibilidade de acordo nas ações em curso. Identifica-se que, além da participação social na formação da vontade pública como no caso dos Conselhos de Saúde, instituições que exercem atividade de controle verificam omissões e vícios na execução das atividades de saúde como é o caso do Ministério Público, das Defensorias e dos Tribunais de Contas.

Cabe à Administração Pública, até para que ocorra participação responsável nas mediações a serem adotadas, reforçar a atividade de autotutela administrativa colegiada. Em outras palavras, é preciso que o Estado, em sua própria estrutura do Executivo, tenha órgão capaz de captar os problemas identificados, analisar os recursos disponíveis (de pessoal, orçamentário, patrimonial) e decidir como atuar. Em alguns casos, será possível imediatamente traçar um projeto de correção dos vícios apontados. Em outros, a solução adequada não implicará mudanças na decisão administrativa, cabendo ao Poder Público decidir fundamentadamente e apresentar as razões de fato e de direito que justificam seu comportamento.

Decisões tomadas em sede de controle pela própria Administração permitem que sejam considerados aspectos dificilmente passíveis de exame pelo Judiciário. É preciso considerar a necessidade de criar bens materiais (como a construção de edifícios, aquisição de equipamentos, em alguns casos), bem como de prestar serviços (como o atendimento direto ou através de programas que estabeleçam parcerias com as comunidades), todas essas providências que exigem dispêndio de recursos públicos e gestão administrativa do Estado. Os gastos do erário devem se orientar pela razoabilidade e eficácia administrativa, mormente diante do excessivo número de demandas enfrentadas pelo Poder Público. Quanto maiores as demandas e sua complexidade, maior a responsabilidade do gestor encarregado da escolha pública relativa à medida a ser adotada. Não é deferida ao Poder Público a alternativa do excesso, nem mesmo da ausência ou insuficiência. Referido equilíbrio apresenta maior potencial de razoabilidade na estrutura da Administração que, com os dados recolhidos, poderá fundamentar sua decisão a qual estará submetida, inclusive, a eventual controle pelo Judiciário.

O objetivo, portanto, é adotar um meio capaz de evitar a proliferação de ações judiciais com altos índices de sucumbência, significativo sacrifício a direitos fundamentais dos cidadãos e riscos de responsabilização para os agentes públicos. Outrossim, com o novo Código de Processo Civil tornou-se obrigatória a busca do consenso no início das ações judiciais e o Estado precisa estar preparado, do ponto de vista técnico, para decidir quanto à viabilidade, ou não, de fazer o acordo, fundamentando fática e juridicamente seu comportamento.

 

A implantação de um órgão colegiado como alternativa ao aperfeiçoamento do sistema

Sendo assim, cabe adotar o formato de órgão colegiado que exerça autotutela administrativa no setor de saúde. Não se ignore a possibilidade de benefícios não somente de economia pela Administração Pública e respeito à dignidade humana da população, mas de melhoria no planejamento e estruturação do serviço de saúde e fornecimento de medicamentos, o que exige atenção contínua do Poder Público para fins de aperfeiçoamento, tendo em vista a fundamentalidade do direito em questão.

Ademais, a atividade de uma Câmara (órgão colegiado) enseja, enfim, o definitivo registro unificado das informações relacionadas aos pacientes, moléstias, médicos prescritores e o serviço de advocacia utilizado para provocar as ações judiciais, bem como outros dados relevantes. Com isso, os diversos órgãos envolvidos, inclusive os de controle, terão acesso simultâneo a dados técnicos e objetivos necessários para exame de cada questão. O Estado, por sua vez, pode melhor o mapeamento de todas as ações dos interessados, evitando ações criminosas orquestradas como ocorrente em outros Estados.  Também terá uma visão superior dos principais problemas de gestão do SUS, principalmente no interior das unidades federativas. Assim, diante da grave situação decorrente do movimento de judicialização da saúde (realidade negativa atual), vislumbra-se a necessidade de se adotar um meio de aperfeiçoamento progressivo da atividade do Estado nessa seara (situação de melhoria buscada para o futuro).

Nesse contexto, é preciso normatizar a procedimentalização administrativa para que se exerça a autotutela administrativa na seara da saúde pública. Essa medida permitirá algo que nenhum dos outros mecanismos alternativos à judicialização enseja: a visão coletiva dos problemas apontados.

Em regra, os Conselhos implantados, inclusive em outros Estados da federação, viabilizam o atendimento de demandas isoladas que chegam ao conhecimento de quem promove a consensualização. Não raro, cria-se uma “segunda porta” de preferência para acesso a serviços e bens da saúde pública, sem superar, de fato, as carências sociais e sem universalizar, de modo isonômico, o acesso ao sistema. A longo prazo, essa estrutura torna-se insustentável, pois não enfrenta as causas dos problemas, corrigindo-os; ao contrário, somente se cria uma nova “porta” de atendimento dos pedidos, com manutenção dos problemas originários que continuarão a produzir resultados danosos. Com a autotutela administrativa, o Estado – ao decidir sobre os problemas apresentados por órgãos e instituições que atuam no setor – poderá intervir mantendo uma visão ampla do sistema. Em alguns casos, promoverá o aperfeiçoamento da sua ação, de modo a beneficiar todos que dele dependem e não apenas parte dos cidadãos que apresentaram seu pedido e inconformismo. Em outros casos, apresentará as razões fáticas verídicas e/ou fundamentos que justificam seu comportamento originário, permitindo melhor compreensão e adesão social e institucional.

Evita-se, com esse procedimento, descumprimento da isonomia, inerente ao controle pulverizado e individualizado presente na prestação jurisdicional (“microjustiça” levando à “macroinjustiça”). Com a autotutela administrativa colegiada, tem-se a criação de um espaço próprio à diminuição das disparidades, inclusive regionais, no atendimento de saúde, com universalização do acesso ao sistema e consolidação das redes de atenção em todo Estado. Isso porque a visão coletiva será o critério orientador do exercício da competência pela Câmara instituída. Consequentemente, os cidadãos mineiros, atingidos por problemas existentes na saúde pública, poderão, progressiva e isonomicamente, se beneficiar do aprimoramento da ação estatal ou do conhecimento dos fundamentos do comportamento anterior, objeto de impugnação.

Como se trata de uma atividade administrativa superior, de controle dos comportamentos estatais na seara da saúde, de modo a corrigir vícios e rever políticas públicas dentro do limite máximo possível, tem-se clara a competência da própria das Secretarias e dos Ministérios que, em cada nível da federação, tenha atribuição para estruturar órgão que exerça essa função de autotutela, instituindo órgão próprio e viabilizando suas atividades.

O objetivo futuro, que ora se vislumbra como alternativa de aperfeiçoamento, é a estruturação de um órgão com competência de aperfeiçoamento não para demandas extraordinárias, mas para competências basilares do Estado que apresentem a) omissões totais ou parciais que ensejem judicialização relevante; b) problemas de gestão que causam ineficiência administrativa na prestação dos serviços de saúde e fornecimento de medicamentos. Para tanto, há necessidade de um regramento que institua órgão colegiado não para atuar após a judicialização, cumprindo as determinações judiciais, mas antes de ajuizada a ação, evitando a judicialização considerando a capacidade do Estado de aperfeiçoar suas ações e atender certas demandas administrativas.

 

Sugestão quanto à estrutura de uma Câmara Técnica

Vislumbra-se o cabimento da criação de uma Câmara com membros que tenham mandato com prazo fixo, com recondução possível condicionada ao atingimento dos resultados especificados.

São muitos os pontos de vista a propósito da saúde. Com efeito, a visão de um jurista é diversa da que um enfermeiro possui no cotidiano de uma unidade de saúde, assim como a de um geriatra – que trabalha com o fim da vida humana – é diversa da perspectiva de um pediatra – encarregado do início da nossa existência. Não é viável aperfeiçoar o sistema de saúde sem buscar o intercâmbio desses pontos de vista e sem tentar equacionar as mais diversas demandas. Repita-se: em matéria de saúde, os problemas são inúmeros e o convencimento dos atores a propósito da interdisciplinariedade das competências é requisito para a necessária evolução. Trata-se de mudar uma cultura de trabalho, incentivando a oitiva entre ciências distintas (medicina, direito, farmácia, fisioterapia, administração, contabilidade, enfermagem, fonoaudiologia, dentre tantas outras) e a atuação coordenada dos seus profissionais.

Devem ser indicados profissionais dedicados somente a interesses objetivos de natureza pública na área da saúde, devidamente preparados para enfrentar e se adaptar à complexidade do gerenciamento estatal e do serviço a ser prestado.

Especialmente na área da saúde, há vínculo direto com grupos econômicos que fornecem equipamentos, insumos, além dos setores privados que prestam serviços complementares ao Estado, o que exige preparo técnico superiores dos agentes públicos. É preciso resistir a pressões internas e externas nem sempre comprometidas com a melhoria do serviço, o que também requer um esforço contínuo e deliberado. Grupos de técnicos especialistas que integrem a Câmara não podem permanecer isolados em uma elite à frente dos órgãos, sem que os processos adotados e o conteúdo das ideias encontrem correspondência nos demais agentes que prestam o serviço. Profissionais que trabalham na área de saúde devem ser capazes de se comprometer com a vida humana e com a obtenção de melhor qualidade de vida para os cidadãos, usando o conhecimento técnico e empírico que detém para alcançar esse objetivo, sem olvidar dos limites presentes superáveis e insuperáveis para execução das atividades públicas.

Tão importante quanto à seleção de profissionais com habilidade para integrar o órgão, é fundamental a séria monitorização do processo, o controle periódico e efetivo mediante comparação dos resultados com as previsões iniciais e a avaliação dos resultados finais. A coordenação e a monitorização regular da gestão tornam possível a correção dos vícios, antes que eles assumam graves proporções, causando sérias consequências à continuidade de um órgão com claro potencial positivo para a população e, assim, para o Estado.

Considerando a realidade buscada, destaca-se como missão exercer autotutela administrativa colegiada, mediante provocação de órgãos da saúde e de instituições com competências de controle.  Para tanto, a visão a prevalecer é que estejamos diante de uma instituição de referência no aperfeiçoamento das atividades da Saúde Pública.

Os membros da Câmara necessitarão, na maioria dos casos, de manifestações técnicas que, em cada seara, fundamentem a decisão a ser tomada. Poderão ser solicitados pareceres que analisem a questão orçamentária, aspectos técnicos como, p. ex., relativos à medicina baseada em evidência, bem como aspectos jurídicos que incidam na matéria, com apreciação, inclusive, dos resultados da judicialização que eventualmente já exista.

Entende-se fundamental romper com a desconfiança que anteriormente incidiu sobre as análises técnicas realizadas. O novo modelo deve ser sério e imparcial, com incorporação da credibilidade indispensável para a eficácia das atividades. Esse escopo somente se realizará se as manifestações técnicas redigidas nos limites do Estado forem fiéis à realidade técnica, orçamentária e jurídica das questões. Daí a importância do convencimento dos envolvidos quanto à imparcialidade e objetividade necessárias às análises realizadas.

 

O procedimento, plano de ação e cautelas fundamentais

O objetivo de não transformar a Câmara em uma “segunda porta” – que, no lugar de aperfeiçoar o sistema de saúde, termine por fomentar desigualdades -, implica limites claros ao reconhecimento de legitimidade ativa para provocar a atuação da Câmara.

Poderão deflagrar a autotutela administrativa, órgãos e instituições que atuem no setor de saúde pública e que, em razão das suas competências, possam apontar problemas do sistema que exijam providências com repercussão coletiva: Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia Pública, Ouvidorias de Saúde e órgãos das Secretarias e Ministério da Saúde.

A articulação entre as diversas esferas competentes do Executivo e agentes atuantes no controle da saúde pública tem como escopo realizar a premissa do chamado “Estado em Rede”. Especialmente em matéria de saúde, é preciso incorporar a relevância de cada órgão atuar em sua seara, mas sempre de forma coordenada com os demais, de modo que o serviço possa ser aperfeiçoado, considerando-se a estrutura do Estado com a incorporação positiva dos diversos esforços.

A Câmara se apresenta como espaço adequado para a confluência de ações e decisões. Evita-se uma atividade sanitária em que diferentes atores exerçam suas atribuições ignorando a atividade dos demais, principalmente diante da manifesta inter-relação das diferentes competências no resultado final. Se se está diante de atividades vinculadas a um mesmo objetivo, o seu exercício isolado e estanque traz claros os riscos de contradições, duplicidade de serviços, insuficiências e ausência total de prestação. Atuação coordenada, com esforços convergentes é um imperativo. Por outro lado, pensar o Estado em Rede na área de saúde não pode ser confundido com troca inócua de informações ou partilha vazia de dados. É preciso que haja a estruturação de um agir no qual as atribuições materialmente relevantes de cada unidade e de cada ator sejam exercidas logicamente, mediante colaboração efetiva, planejada e capaz de produzir resultados de qualidade. O ideal é que isso dê com atenção à simplificação administrativa, mediante uso de tecnologias inovadoras e aproveitamento de estruturas já existentes.

A relevância desses parâmetros é clara na medida em que a saúde promovida pelo Estado implica atividade de profissionais das searas as mais diversas: do gestor público ao médico; do jurista ao farmacêutico, do administrador de recursos orçamentários aos mais diversos profissionais de saúde. Cada um, ao atuar na sua área, deve ter ciência da inserção da própria competência na arquitetura encarregada de realizar a saúde, buscando colaboração e integração que conduzam ao desempenho eficiente. A ideia de atividade em rede exige espaço de integração com participação coordenada dos diversos profissionais, de modo que o atendimento das demandas sanitárias da sociedade sejam aperfeiçoadas.

Para cumprir esse escopo, vislumbra-se o seguinte Plano de Ação:

 

AÇÃO DESCRIÇÃO
O quê? Implantação de uma Câmara que exerça autotutela administrativa colegiada
Por quê? Enfrentar os problemas da judicialização, corrigir vícios e aperfeiçoar políticas públicas numa perspectiva coletiva, viabilizar a consensualização ampliada pelo novo CPC
Quem? Autoridades Superiores da Secretaria e Ministério (Ministros e Auxiliares diretos, Secretários e Subsecretários)
Onde? No órgão central de Saúde da União, DF, Estado ou Município (Ministério da Saúde, Secretaria da Saúde)
Quando? Período de 6 meses a partir do projeto para implantação e, daí em diante, de forma perene
Como? Através do passo a passo descrito em plano de ação

Uma vez tomada a decisão política no sentido de instituir a Câmara de Revisão e redigido ato normativo a partir de que se institua a Câmara, caberá observar as competências e adotar as medidas procedimentais cabíveis. Publicada a Resolução, serão indicados os membros que integrarão a Câmara, bem como os servidores que darão suporte administrativo. Também será lícito à Secretaria ou ao Ministério assinar convênio com os órgãos e instituições que terão legitimidade para provocar a atuação da Câmara. É preciso eficiente comunicação entre os envolvidos, a fim de que se extraia o potencial máximo positivo da nova estrutura.

Vislumbra-se a necessidade de que esse projeto seja inserido no Plano Plurianual, de modo que se tenha recursos suficientes para a sua realização. Nessas primeiras etapas, é preciso mobilizar e sensibilizar todos os agentes da importância da implantação do projeto, expondo os impactos que a sua não consecução traz aos cidadãos e aos cofres públicos, com ineficiência das instituições, inclusive de controle, envolvidas. É preciso que atividades como fóruns e seminários sejam realizadas, a fim de que os envolvidos convençam-se da necessidade de abandonar a zona de conforto inerente à realidade a que estão adaptados, mesmo com os problemas atuais.

A partir das primeiras manifestações dos órgãos encaminhadas à Câmara, torna-se possível consolidar um Plano de Trabalho contendo metas de aperfeiçoamento e controle a serem atingidas pela instituição e os diversos prazos. É necessário estruturar atuação em módulos que poderão observar critérios materiais, temporais e geográficos. Esses parâmetros serão essenciais na definição dos indicadores que meçam o desempenho do programa especificamente quanto ao alcance dos seus objetivos.

Esse modo de atuação implica que sejam definidas as atividades a serem implantadas prioritariamente, de modo que possam ser colocadas em prática com rápido e efetivo benefício para a população. Ademais, significam transparência e permitem o acompanhamento da ação e a concretização dos resultados.

Ao analisar cada matéria, deve ser realizado diagnóstico, mediante levantamentos e pesquisas em cada setor: orçamentário, técnico (saúde) e jurídico. Dessa forma será possível mapear gastos, levantar programas já existentes, verificar disponibilidades de recursos físicos e financeiros, coletar informações relevantes relativas a procedimentos de saúde ou medicamentos, identificar pontos críticos e favoráveis dos temas jurídicos envolvidos.

Entende-se cabível o desenvolvimento de um software que receba todas as informações afetas à tramitação administrativa dos pedidos apresentados à Câmara. É importante que esse sistema permita registro unificado das informações relacionadas aos pacientes, moléstias, médicos prescritores e o serviço de advocacia utilizado para provocar as ações judiciais, bem como outros dados que se fizeram relevantes. Com isso, os diversos órgãos envolvidos terão acesso simultâneo a dados técnicos e objetivos necessários para exame da questão. Ademais, o Estado poderá melhor o mapeamento de todas as ações dos interessados, evitando ações criminosas orquestradas como ocorrente em outros Estados.  Também terá uma visão superior dos principais problemas de gestão do SUS, principalmente no interior do Estado. Alguns Estados já desenvolveram sistemas para viabilizar a gestão de dados relativos às demandas que envolvem assistência à saúde. No Estado do Mato Grosso, o SICAM subsidia o Judiciário e órgãos auxiliares com informações lançadas a partir de formulários encaminhados à Câmara técnica. Sistemas dessa natureza podem ser utilizados como parâmetro para instituição do software do Estado de MG, com as adaptações pertinentes à realidade local.

As decisões da Câmara devem ser tomadas por maioria e terão ampla publicidade. É preciso deixar normativamente expressa a possibilidade de a Administração Pública invalidar decisão da Câmara que apresente vício insanável, bem como a legitimidade do controle judicial, tendo em vista, respectivamente, a Súmula 343 do STF e o artigo 5º, XXXV da Constituição da República.

Uma vez tomada a decisão da Câmara, serão definidas as ações e, ainda, objetivos, metas e recursos financeiros necessários à correção dos vícios ou melhoria na atividade estatal. Devem ser definidos indicadores para acompanhamento e aprimoramento de cada uma das iniciativas. As ações devem ser implantadas o mais celeremente possível.

A avaliação e monitoramento das ações adotadas é importante para assegurar o desempenho eficaz que justifica a implantação da Câmara. Essas medidas, realizadas de forma contínua, viabilizarão que sejam identificados os pontos críticos, efeitos adversos, as melhorias cabíveis e os procedimentos com resultados positivos. Assim será possível identificar outras necessidades e prioridades a serem enfrentadas, indicar modificação de estratégias que sejam mais eficientes, com replanejamento das atividades, se preciso.

Dentre providências possíveis, aponta-se a realização de levantamento das principais falhas da saúde pública que ensejam ações judiciais perante o o Poder Público com base na atuação de órgãos de controle e de representação judicial; estudos da viabilidade de implantar projetos que corrijam os vícios e aperfeiçoem a política pública adotada; uso de estrutura física dos órgãos do Executivo e de agentes públicos integrantes dos quadros do Estado, com prioridade para servidores efetivos com experiência de gestão e visão sistêmica da saúde pública; fazer parcerias entre os entes federativos a fim de assegurar, respectivamente, recursos orçamentários e capilaridade institucional nas providências a serem adotadas; promover seminários e fóruns que conscientizem os agentes envolvidos da importância do projeto para a saúde da população e melhor gestão dos recursos públicos; promover atividades de integração entre os diversos setores envolvidos na saúde pública com a atuação da Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais.

Uma vez instituído o projeto, identifica-se um fluxo possível, quando as diversas esferas estiverem funcionando adequadamente:

1) Ouvidorias de Saúde (para captação, com capilaridade, pelo próprio Executivo dos principais problemas do sistema de saúde em cada unidade federativa)

2) Câmara de Revisão (para correção, com um prisma coletivo, dos vícios possíveis e aperfeiçoamento das políticas públicas, nos casos em que possível)

3) Ministério Público e Defensoria Pública (para atendimento da população com demandas não satisfeitas apesar da autotutela administrativa colegiada pela Câmara de Revisão)

4) Mediação Judicial (para acordos nos quais o Estado considerará as decisões da Câmara de Revisão, se existentes)

5) Prestação da tutela jurisdicional (para os casos em que não houver acordo judicial possível)

Destaca-se a necessidade de o próprio Executivo divulgar o funcionamento dos órgãos, o fluxo e o procedimento. Afinal, é indispensável um sistema de educação, com informação qualificada, capaz de atingir as instituições relevantes que atuam no setor e, principalmente, a população, de modo a evitar que o usuário do sistema judicialize por desconhecimento de uma via capaz de satisfazer sua pretensão de um modo eficaz e justo.

 

Conclusão

O que se busca, há mais de uma década, é vislumbrar saídas exequíveis para que se promova a prestação do serviço de saúde de modo minimamente eficiente em face da população que dele necessita. A instituição de uma Câmara de Revisão de Saúde viabiliza a integração entre as diversas searas das Ciências envolvidas no tema da saúde pública, prepara a participação do Estado nas fases de mediação e outras tentativas de conciliação se eventualmente necessária a judicialização, além de permitir a compreensão prévia, dos gestores superiores, dos principais problemas de planejamento e execução. Assim, tem-se um procedimento que poderá, enfim, de forma legítima, concretizar ditames como o artigo 196 da Constituição da República, tornando efetiva a ideia de um Estado Democrático de Direito, capaz de assegurar a vida e saúde dignas à população.

 

 

 

 

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