Doença mental e incapacidade no PAD

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1. Doença mental: desaparecimento da capacidade e repercussão na esfera funcional[1]

Preliminarmente, é necessário reconhecer a consequência jurídica de eventual doença mental no vínculo estabelecido entre o Estado e o agente público. A esse propósito, cumpre analisar as próprias noções de capacidade e competência daqueles que exercem atribuições administrativas sob dois enfoques.

Sob um determinado prisma, é preciso que o ente federativo ou entidade da Administração Indireta tenha existência jurídica consoante normas do ordenamento jurídico (Constituição e legislação de regência). Já sob outro prisma, é indispensável analisar se o agente público, que exerce determinada competência administrativa, tem capacidade nos termos da legislação civil e, ainda, se recebeu no feixe de atribuições que lhe imputou a ordem jurídica poder específico para aquela conduta.

Certo é que a capacidade do agente é pressuposto indispensável para a regularidade do ato que pratica enquanto Administração. Daí porque a doutrina pontua que no Direito Público é preciso aferir a capacidade da Administração e das pessoas físicas que integram o seu quadro de pessoal e concretizam a competência em questão.

As pessoas físicas investidas regularmente no exercício de função pública travam com o Estado relações jurídicas de diversas naturezas: estatutária, contratual trabalhista ou contratual temporária, em hipóteses excepcionais. Para que essa relação se instaure e se mantenha é indispensável que o indivíduo tenha, além de personalidade, capacidade. Afinal, é preciso que possa exercer direitos e assumir obrigações, nos estritos termos em que previsto na legislação civil, sob pena de não lhe ser lícito o exercício de competências administrativas.

Sobre a personalidade, já ensinava Guido Zanobini que “a personalidade surge com o nascimento e se extingue com a morte: no direito moderno essa não é reduzida pela enfermidade mental, nem pela condenação penal, nem por outra causa diversa da morte”. O autor italiano já assentava que faltam normas gerais sobre a capacidade no Direito Público[2], motivo por que devem ser observadas, analogicamente, as normas do direito privado (sobre a maioridade, sobre interdição, etc). Também Bielsa já advertia que as normas do Código Civil têm um valor científico indiscutível nessa seara. Para ele, a capacidade no negócio jurídico privado é conceito equivalente ao de competência no Direito Administrativo, sendo a competência e a manifestação de vontade requisitos essenciais para a validade do ato.[3] Destarte, é preciso que a Administração, ao manifestar vontade no cumprimento dos seus deveres, o faça mediante servidores que estejam aptos a produzir atos jurídicos, porquanto capazes.

A falta de capacidade impossibilita o exercício do cargo, emprego ou função pública. Afinal, como já ensinava Cretella Júnior, para o exercício de cargo público é preciso que o candidato apresente boa saúde, comprovada em inspeção médica oficial, variando conforme a natureza do cargo a ocupar, as exigências previstas em lei.[4] Daí porque se requer exame de sanidade física daquele que se pretende tornar servidor. Trata-se de imposição legal exigida em favor do adequado funcionamento do serviço público. Conforme a natureza do trabalho, as exigências são de determinada natureza, sendo diversas em outras funções peculiares. De todo modo, é preciso que haja capacidade física e mental necessária ao cumprimento dos deveres públicos atinentes a cada cargo, emprego ou função pública, o que requer análise preliminar e acompanhamento subsequente.

A relação entre o servidor e o Estado constitui-se, segundo Zanobini, mediante o provimento administrativo de nomeação. Este, entretanto, é ato conclusivo de um complexo procedimento, sendo necessário examinar os pressupostos, que são estabelecidos taxativamente na lei. Tais pressupostos concernem aos requisitos que deve apresentar a pessoa física a ser nomeada. Alguns desses requisitos se identificam com específicas condições de capacidade e particularmente com aquela específica relativa à capacidade de direito funcional; outros são qualidade física ou intelectual requerida pela Administração, e pela lei, em face daquele que intenciona assumir seu serviço. Possuir os requisitos de capacidade e qualquer outro prescrito pela lei constitui o pressuposto subjetivo do procedimento, por meio de que a Administração constitui a relação jurídica.[5]

À obviedade, é preciso que a capacidade do servidor, aferida no momento em que a relação jurídica com o Poder Público se inicia, mantenha-se ao longo do tempo, sob pena de, desaparecendo em definitivo, justificar o seu afastamento enquadrada a hipótese no caso de aposentadoria por invalidez.

 

2. Aposentadoria e Proibição de retrocesso social

A aposentadoria é o direito à inatividade remunerada assegurado ao servidor público, quando presentes determinados pressupostos constitucionais e legais autorizativos, como bem pontua a doutrina. Nas palavras de Cármem Lúcia Antunes Rocha, trata-se do direito constitucional fundamental do trabalhador de continuar a receber, em pecúnia, valor legalmente estipulado à sua manutenção, sem a correspondente contraprestação material imediata em atividade, nas condições previstas no sistema jurídico[6]. Outra não é a lição de Ivan Barbosa Rigolin:

“Aposentadoria é o direito ou a garantia constitucional de inatividade remunerada ao servidor público (como, a seu turno, ao trabalhador da empresa) que tenha cumprido o tempo de serviço mínimo exigido (aposentadoria por tempo de serviço), ou se tenha invalidado enquanto na ativa (aposentadoria por invalidez), ou tenha atingido o limite máximo de idade admitido para o serviço público (aposentadoria compulsória por idade.”[7]

Representa conquista da sociedade que se organiza como um Estado Democrático de Direito não abandonar sem recursos suficientes para sua sobrevivência digna, servidores que, no exercício das suas atribuições, concretizam competências estatais de que necessitam os cidadãos. Não há de se ignorar que alguém que “serve ao público”, realizando tarefas de competência do Estado em favor da sociedade, não pode ser deixado na miséria, quando inválido ou na velhice. O servidor não é um inimigo da Administração, nem merece ser deixado à margem de um mínimo de garantias consagradas no ordenamento. Ademais, não pode ser utilizado como um mero instrumento do Estado sem que a ele se dispense um mínimo de reconhecimento digno, jurídico e adequado. É inconcebível que uma pessoa cujo trabalho profissional significa exercício de competência do Estado seja exposta ao desamparo, em situação de vulnerabilidade máxima que cumule doença e desemprego.

Ao trabalhar o princípio da proibição de retrocesso social, a Procuradora Luísa Cristina Pinto e Netto assevera que “o princípio da socialidade se dirige ao Estado não só como imposição de uma atuação na busca de condições materiais de existência digna para os indivíduos, mas também coloca obrigações ao Estado no sentido de concretizar a solidariedade entre os indivíduos.”[8]

Como membros de uma mesma sociedade, exige-se de cada cidadão solidariedade com aquele agente que honrou seu compromisso com a coletividade durante o período de trabalho regular. A relação servidor-Estado/sociedade é complexa e não implica somente débito do servidor em face do Estado e da sociedade, durante o período de exercício do cargo, emprego ou função pública. Ao contrário, também a coletividade e, em seu nome, o Estado têm uma dívida perante o agente que, em atividade, colaborou a realização das competências administrativas. Reconhecer o crédito que o servidor tem perante a sociedade, mormente em situações especiais como as de doença mental, é um dever amparado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, cuja releitura se impõe para que se transmute institutos como a aposentadoria de “privilégio ou favor” em verdadeiro “direito fundamental”.

Na mesma linha de raciocínio, Eurico Bitencourt Neto assevera que a existência digna não se faz exclusivamente por meio do direito ao mínimo existencial:

“Mas a ideia de existência digna reclama outros instrumentos de respeito e proteção. Cabe, portanto, dizer que existência digna é a vida humana tendo respeitada sua dignidade, o homem preservado como sujeito de direitos e, na medida das limitações de uma vida em sociedade, senhor da determinação do desenvolvimento de sua personalidade. A existência digna não significa mera subsistência ou sobrevivência, antes postula condições que permitam a fruição dos direitos fundamentais, a fim de possibilitar o pleno desenvolvimento da personalidade.

Manter uma existência digna é dar as condições para que o ser humano não perca tal capacidade de autodeterminação e de ser sujeito, não sendo comparado a simples objeto da ação do Estado ou de terceiros.

(…) Daí que, se é certo que a conjugação entre os princípios da dignidade da pessoa humana e da socialidade postulam mais que um mínimo, mas um ‘médio de existência’, tal padrão deve ser concretizado pelo regime geral dos direitos fundamentais, especialmente os direitos sociais.”[9]

É nesse contexto que se insere o direito outorgado pelo sistema ao servidor de se retirar do serviço público no caso de doença (inclusive mental) que o incapacite, com desligamento definitivo dos quadros de pessoal do Estado.

 

3. Aposentadoria pela superveniência de doença incapacitante

Já se explicitou que a superveniência de doença que incapacite o servidor para o trabalho implica desligamento definitivo dos quadros de pessoal do Estado. A outorga de proventos integrais ou proporcionais ao tempo de serviço depende da situação que conduziu à aposentadoria, nos estritos termos das regras em vigor. Se originariamente restringia-se a compensação da inatividade remunerada ao benefício que o Estado obteve com o trabalho realizado em seu favor pelo agente público, entende-se hoje em dia que é preciso reconhecer a dignidade da pessoa humana como princípio capaz de evidenciar a constitucionalidade de se prever uma vantagem como proventos integrais vitalícios em situações específicas como moléstias graves, contagiosas ou incuráveis.

Ao analisar a profissionalização do regime da função pública, Raquel Dias Silveira observa:

“Trata-se de garantir ao servidor todos os meios dispensados ao digno e adequado tratamento como profissional e detentor dos mesmos valores reconhecidos àqueles que se encontram inseridos no mercado de trabalho relativo à iniciativa privada, com as derrogações próprias do regime jurídico-administrativo.” [10]

Tradicionalmente, denomina-se aposentadoria compulsória aquela que se defere ao servidor quando atinge determinada idade. A Constituição Brasileira de 1988 fixou a idade de 70 (setenta) anos como aquela a partir da qual é imperioso o deferimento da inatividade remunerada ao servidor (artigo 40, § 1º, II). Contudo, inexiste discricionariedade também na hipótese de o servidor tornar-se inválido permanente para o exercício da atividade pública, o que implicará sua aposentadoria (artigo 40, § 1º, I). Ainda segundo Cretella Júnior:

“A aposentadoria por invalidez, que se verifica quando o servidor sofrer acidente, for atacado por doença profissional ou por moléstias gravíssimas enumeradas em lei, é o descanso a que tem direito o funcionário incapacitado para o exercício por achar-se gravemente doente.

Podendo a invalidez ser motivada por causas inerentes ao próprio serviço (acidente no exercício ou doença profissional), ou causas alheias ao serviço, costumam os autores dividir a aposentadoria em extraordinária e ordinária.”[11]

A invalidez do servidor pode decorrer de acidente de serviço ou de moléstia profissional, ao que se acrescem as hipóteses de doença grave, contagiosa ou incurável definidas em legislação específica (artigo 40, § 1º, I da Constituição da República). Nesses casos, o servidor terá direito a proventos integrais. Nos demais, em que não haja acidente de serviço, moléstia profissional, nem doença grave, contagiosa ou incurável, fará jus a proventos proporcionais. Essa é a lição de Ivan Barbosa Rigolin que, ao interpretar o texto constitucional, frisa o caráter compulsório da inatividade causada por invalidez:

“E afirmamos ser compulsória a aposentação constante do inc. I do art. 40 porque, em ocorrendo a invalidez do servidor, a Administração precisa aposentá-lo, independentemente da vontade daquele, o qual, como inválido, nenhum serviço aproveitável pode prestar à Administração; a causa da invalidez (para efeito de determinar a integralidade ou proporcionalidade dos proventos), neste caso, é o que menos importa: invalidou-se o servidor, precisa a Administração aposentá-lo.”[12]

Se existem fatos jurídicos que causam a extinção da relação estatutária oriundos da vontade do servidor, como o pedido de aposentadoria por tempo de serviço, é certo que a aposentadoria por invalidez permanente independe de qualquer ato de vontade do sujeito ou de escolha discricionária da Administração. Diante da situação em que se demonstre, de maneira segura e suficiente, estar o servidor definitivamente inválido para o exercício da função pública, surge o dever de a Administração aposentá-lo nos termos da lei.

José Maria Pinheiro, em idêntico sentido, preleciona:

“Como a inaptidão física ou psíquica independe de fatores externos, tampouco da vontade do servidor, desnecessário se faz, para a aquisição desta modalidade, a observação dos demais requisitos. A invalidez, por si só, desde que comprovada por perito legalmente habilitado, se basta para que seja gerado o direito desta aposentação, ou seja, a incapacidade do servidor público, uma vez, comprovada, pressupõe a inatividade remunerada, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, excepcionalmente se a invalidez decorrer de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei.”[13]

O procedimento pode ser iniciado pela autoridade pública competente ou, no caso de doença mental, até mesmo por curador do servidor que deflagre a investigação a propósito das suas condições físicas e mentais. Durante a aferição da capacidade do servidor, é indispensável que a Administração use da prudência necessária para evitar abusos ou eventual deferimento de vantagem indevida na situação específica em tese.

O fundamental é analisar a presença, ou não, dos pressupostos que autorizam a aposentadoria por invalidez para, se presentes, deferi-la e, se ausentes, recusá-la, evitando gastos indevidos para o erário, com sacrifício do interesse da sociedade. Se, como já se explicitou, é preciso assegurar a aposentadoria por invalidez como instrumento de dignidade de servidor integrante do quadro de pessoal do Estado, igualmente indispensável é evitar que referido direito seja outorgado a quem não satisfaça os seus pressupostos autorizadores. É manifesto o cuidado dos Tribunais Superiores em fixar, diante dos contornos específicos de cada situação, qual o universo de deveres e prerrogativas incidentes na espécie.[14]

No X Congresso Nacional de Direito Disciplinar, Maria Christina Seabra Dutra, da Universidade de Campinas, reportou-se às lições de Léo da Silva Alves para advertir:

“Quem trabalha na complexa seara do processo administrativo disciplinar precisa ter sensibilidade para avaliar os casos concretos. Não está apertando parafusos de uma máquina inerte, mas operando em torno da vida, da subsistência, da dignidade de alguém. É aqui que entra, para que as soluções sejam justas, a figura jurídica da ‘eqüidade’.”[15]

O desafio da equidade é significativo principalmente no tocante às doenças mentais, em razão da dificuldade em diagnosticá-las, de estabelecer os limites dos tratamentos disponíveis, bem como de caracterizar eventual incapacidade definitiva. Em alguns casos de abandono de cargo, de inassiduidade habitual ou de mesmo abuso de poder é viável que haja um quadro de doença mental subjacente. Já em outras circunstâncias tal situação inexiste. Cabe à Administração aferir com qual realidade se depara em cada caso.

Outrossim, é mister considerar que a invalidez tem sentido relativo que inclusive depende da função pública em tese. Há cargos que exigem maior vigor físico ou mental e que, portanto, requerem condições físicas e psicológicas próprias, peculiares à natureza especial da atividade que exige maior acuidade dos sentidos.

Em todas as situações, contudo, é preciso que a avaliação da capacidade seja feita conforme os conceitos da medicina vigentes, o que exige um estudo meticuloso e especializado, mediante anamnese minuciosamente levada a efeito por profissionais qualificados.

 

4. Doenças mentais e prova pericial: o desafio nos processos disciplinares

É basilar que médicos diagnostiquem a natureza da doença, declarando se a mesma caracteriza invalidez permanente para o exercício da função pública ou simples patologia que, mediante afastamento temporário e tratamento adequado, pode ensejar retorno seguro do servidor às suas atividades. Especificamente no caso de doenças mentais, é preciso, por um lado, evitar o estigma da exclusão automática e precipitada dos agentes que, corretamente tratados, podem reassumir as suas atividades, ainda que mediante readaptação. Por outro lado, é necessário agir com a cautela indispensável para não manter em exercício indivíduos que exigem cuidados de saúde e, mesmo com estes sendo realizados, não detém condições para exercer as competências do Estado junto à sociedade, sob pena de a colocar em risco.

Como já observou Maria Christina Seabra Dutra,

“É realmente tarefa difícil examinar e julgar situações em que se envolvem os servidores, o que requer ir muito além do exame dos fatos, incluindo todas as circunstâncias que envolveram os acontecimentos, para propor, a final, uma solução justa para a execução da autoridade competente.

(…) o que reputo mais dolorosos de terem sido apreciados foram os casos de servidores que cometeram infrações em surtos de doenças mentais, e os casos de servidores alcoólicos e drogaditos, estes dois últimos em quantidade considerável, que foram enviados para julgamento, na maioria dos casos pelo desespero das próprias chefias, que já não tinham meios de contornar as situações que vinham ocorrendo. Tais fatos, sempre aliados à falta de apoio dos órgãos de Previdência, que chegam ao cúmulo de recomendar a demissão destes doentes, caso seja proposta a sua aposentadoria provisória por invalidez.”[16]

A perícia médica, nesses casos, será a medida indispensável para formação do seguro juízo a propósito das condições de saúde do servidor sobre cuja capacidade haja fundada dúvida. Afinal, doenças comprovam-se através de exames médicos, sendo necessários laudos que se pronunciem sobre as mesmas. Por conseguinte, somente após a indispensável inspeção médica que instrua procedimento próprio é que se tornará possível aferir se o servidor deve voltar ao serviço, se é preciso lhe outorgar licença para tratamento de saúde ou, em determinadas circunstâncias, deferir-lhe a aposentadoria, em razão de incapacidade superveniente para o exercício de competência pública que impede se ultime punição disciplinar. Segundo Zanobini, a aposentadoria, se embasada na inabilitação a continuar no serviço, deve necessariamente ser acompanhada da necessária documentação sanitária.[17]

A jurisprudência pátria vem frisando a inadmissibilidade de se ultimar processo disciplinar cujo resultado seja a demissão de servidores que se incapacitaram no exercício do cargo ou função pública:

“Administrativo. Servidor público. Aposentadoria por invalidez. Alcoolismo. Incapacidade para exercer a função policial. Processo administrativo disciplinar. Demissão. Cassação de aposentadoria. Ato administrativo. Anulação. óbito superveniente do servidor. Ofensa de menor potencial lesivo. Reintegração.”[18]

“MANDADO DE SEGURANÇA. PROCURADOR DO MUNICÍPIO DEMITIDO APÓS PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. Apelante que foi demitido por estar exercendo a advocacia privada quando estava de licença médica. Sentença que denegou a segurança. Reforma que se impõe. Fundamentos contidos no parecer da comissão especial de inquérito administrativo da Prefeitura de Queimados que se mostram desproporcionais. Farta quantidade de laudos médicos oriundos de profissionais da própria municipalidade atestando a incapacidade do servidor para o exercício da função. O fato de o apelante estar exercendo a advocacia privada não é sinal de que está curado de sua doença. Ao contrário, é sinal de que pode estar lesando terceiros. Se os médicos atestaram a existência de doença, cabe ao poder público afastar o servidor, na forma da lei, recebendo seus proventos; se, por acaso, outro fato sobre sua vida privada foi divulgado no curso do processo administrativo, é caso de alertar a família ou outros envolvidos, e não de restringir o exercício do direito do servidor, demitindo-o.

Se uma pessoa portadora da doença em questão está exercendo a advocacia, deve-se oficiar a OAB e não elucubrar sobre uma suposta falta de boa-fé, o que, obviamente, não se exige de pessoas neste estado.

Reprovação no estágio probatório. Não se pode impor ao apelante o ônus de não ter cumprido o estágio probatório, porquanto não tem culpa de estar há anos de licença médica. Não é razoável que o ente municipal tenha resolvido demitir o servidor sem se aprofundar sobre a causa e efeito de sua doença. Reintegração do servidor em cargo público que se impõe. Provimento do recurso.”[19]

No Parecer nº 13.076 aprovado pelo Governador do Rio de Janeiro em 31.07.2001, a Procuradoria daquele Estado já assentara:

PROCESSO ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR. 1. AGENTE PENITENCIÁRIO PORTADOR DE TRANSTORNO DE PERSONALIDADE PARANÓIDE E TRANSTORNO PSICÓTICO AGUDO TRANSITÓRIO QUE COMETE AS INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS CAPITULADAS NO ART. 191, INCS. III E IX, DA LEI COMPLEMENTAR N.º 10.098/94, SENDO, À ÉPOCA, PARCIALMENTE CAPAZ DE ENTENDER O CARÁTER CRIMINOSO DO FATO MAS INCAPAZ DE DETERMINAR-SE DE ACORDO COM ESTE ENTENDIMENTO,  NÃO  PODE  SER PUNIDO ADMINISTRATIVAMENTE POR INIMPUTÁVEL.  2. ARQUIVAMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR COM SUGESTÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ PARA O SERVIÇO PÚBLICO EM GERAL.”

Denota-se que a própria Administração Pública, bem como o Judiciário no controle de alguns atos disciplinares, tem atentado para a presença de patologias como transtornos psicóticos agudos e transitórios, personalidade paranóica e outras doenças mentais que impedem a responsabilização do agente. Afinal, se o mesmo tornou-se inimputável, impõe-se o dever de absolvição no tocante a eventuais infrações administrativas praticadas quando já presente o quadro de doença mental. Se o servidor já não possuía mais a capacidade de entendimento e determinação, não compreendendo os seus atos e as respectivas consequências em sua inteireza, inviável demiti-lo; afigura-se inadmissível punir alguém que, doente, requer tratamento e acompanhamento de diversos profissionais de saúde.

Consubstancia dever da autoridade administrativa tomar as providências que permitam conclusão segura a propósito das condições físicas e mentais do servidor. Segundo o STJ, mesmo na seara penal “o incidente de insanidade mental é meio essencial à aferição da inimputabilidade do acusado, se afigurando absolutamente necessário, não havendo se falar em constrangimento ilegal com a sua instauração”.[20] Especificamente na esfera disciplinar, apenas diante das medidas adequadas poderá se concluir pela viabilidade do retorno ao trabalho, outorga de licença, eventual necessidade de readaptação ou aposentadoria por invalidez. Reitere-se ser competência do médico atestar, na esfera administrativa, a existência da doença, ou não. Com base nesse pronunciamento é que caberá à comissão processante disciplinar formar o juízo adequado à espécie. Sublinhe-se, nesse aspecto, a independência das instâncias disciplinar e criminal, consoante sólida orientação da jurisprudência:

“4. Realizada a prova pericial no âmbito administrativo, constatando a ausência de inimputabilidade a ensejar a excludente de culpabilidade alegada pelo recorrente, não se deve condicionar a validade desta prova à mesma conclusão no processo criminal, haja vista a independência entre as instâncias.”[21]

 

5. O processo disciplinar e o incidente de incapacidade mental

O processo disciplinar tem por objetivo a responsabilização administrativa cabível quando um agente público comete qualquer ilícito em face da ordem jurídica. A pena aplicada ao servidor, como toda sanção administrativa, define-se como “a direta e imediata consequên­cia jurídica, restritiva de direitos, de caráter repressivo, a ser imposta no exercício da função administrativa, em virtude de um comportamento juridicamente proibido, comissivo ou omissivo”. Esta penalidade incide em face de uma infração administrativa, a saber, “o com­portamento voluntário, violador da norma de conduta que o contempla, que enseja a aplica­ção, no exercício da função administrativa, de uma direta e imediata consequência jurídica, restritiva de direitos, de caráter repressivo”, consoante lição de Daniel Ferreira.[22]

Para que seja possível apurar responsabilidade do servidor em face de determinadas infrações disciplinares é clara a necessidade de que o mesmo seja imputável, o que não se afigura possível se o mesmo tornara-se incapaz. A incapacidade por doença mental impede, assim, a punição do infrator, sendo necessário atentar para tal aspecto no bojo de sindicância ou processo administrativo.

Se é dever do Estado exigir comprometimento e responsabilidade dos seus servidores, é também sua obrigação lhes amparar com os direitos expressamente previstos no ordenamento para momentos graves e de crise como o adoecimento mental. É manifesto que, hodiernamente, aumentou de modo significativo o número de servidores policiais que são diagnosticados com comprometimento da higidez mental, inclusive em razão do difícil cotidiano de violência que são obrigados a enfrentar, no serviço de segurança pública. Identificar a presença, ou não, de doença mental não é apenas “solidariedade concretizadora do mínimo de dignidade humana”, mas cumprimento do dever de agir do qual o Estado não pode descurar, porquanto irrenunciável. Se cabe ao Poder Público penalizar o servidor, após ampla defesa e contraditório, quando se depara com uma infração, também é sua obrigação apurar eventual quadro de doença mental quando este se afigura como possível na espécie. A mera viabilidade teórica de demitir ou aplicar outra penalidade a um servidor que ainda está na ativa, não significa autorização para ignorar possível inimputabilidade. Consubstancia dever jurídico da Administração avaliar a sanidade mental dos seus agentes se há dúvida quanto à mesma.

Vige, no Direito Administrativo, o princípio da verdade material. Este princípio impõe ao agente público competente, o dever de perseguir a comprovação dos fatos ensejadores de um determinado pronunciamento estatal. Assim sendo, é dever da Administração reconstruir os fatos que autorizam a sua ação, os quais não podem ser ignorados com seus contornos reais também em virtude do princípio da realidade. Por isto a doutrina vem afirmando que cabe aos órgãos públicos e às autoridades administrativas promover ampla produção probatória que viabilize uma percepção adequada a propósito da realidade administrativa, sob o prisma jurídico e fático. No caso em comento, isso significa produzir a perícia médica sem a qual não é viável formar seguro juízo sobre a condição mental do servidor.

Nem mesmo o silêncio do servidor pode significar reconhecimento da infração ou prova da sua boa condição mental, uma vez que o silêncio não conduz à presunção de veracidade dos fatos que ensejaram a apuração do ilícito, nem mesmo a qualquer conclusão sobre a sanidade do agente. O processo administrativo, inclusive o de natureza disciplinar, não se orienta pelo princípio da verdade formal, mas sim pelo princípio da verdade material. Consequente­mente, não é uma ação ou omissão do acusado que conduzirá, por si só e de forma isolada, à formação do convencimento administrativo final sobre quaisquer dos aspectos relevantes na espécie. Cabe à autoridade adminis­trativa competente buscar reconstruir a realidade em que a infração se deu e analisar as condições de saúde do servidor, coletando os elementos que demonstrem a verdade dos fatos que viabilizarão a imposição disciplinar, ou não. Segundo Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, “Nem mesmo a confissão do acusado põe fim ao processo; sempre será necessário verificar, pelo menos, sua verossimilhança, pois o que interessa, em última análise, é a verdade, pura e completa”.[23]

Sobre essa matéria, o Superior Tribunal de Justiça proclamou:

“Na hipótese, cabia à administração proceder às diligências necessárias para a descoberta da verdade quanto à participação do impetrante na gerência da empresa, e não simplesmente colocar o ônus da prova sobre o servidor, que, por meio de sua curadora, tentou demonstrar a inatividade da empresa desde a fundação. Agindo assim, a administração esquivou-se das suas funções, lançando ao servidor a incumbência de comprovar a ausência de circunstância irregular.”[24]

Tem-se caracterizada, portanto, a necessidade de o Poder Público, em cada caso, promover a avaliação técnica dos dados relativos à saúde do servidor. No âmbito federal, a Lei nº 8.112 prescreve no artigo 160 que “Quando houver dúvida sobre a sanidade mental do acusado, a comissão proporá à autoridade competente que ele seja submetido a exame por junta médica oficial, da qual participe pelo menos um médico psiquiatra”, determinando o parágrafo único que o “incidente de sanidade mental será processado em auto apartado e apenso ao processo principal, após a expedição do laudo pericial”.

As regras explícitas no Estatuto federal são reproduzidas em alguns ordenamentos estaduais e municipais e ensejaram jurisprudência que exige evidência de dúvida razoável sobre a sanidade mental do servidor público que se entende infrator:

“Inexistindo dúvida razoável acerca da sanidade mental do acusado, torna-se dispensável o processamento do respectivo incidente, nos moldes do art. 160 da Lei n. 8.112/1990”.[25]

“Depreende-se que não há prova capaz de macular a validade do processo administrativo disciplinar de que se originou o ato de demissão. Muito embora se possa inferir que o impetrante apresentava problemas de saúde, não se pode precisar que a Comissão Processante desrespeitou o disposto no art. 160 da Lei 8.112/90 por deixar de instaurar o incidente de insanidade mental, pois não havia elementos que indicassem não estar o impetrante em perfeitas condições para assumir a responsabilidade pelos atos irregularidades que lhe foram atribuídos , tampouco cabe instruir o feito para esclarecer tal questão.”[26]

“Não demonstrada dúvida razoável relativa à insanidade mental de servidora pública submetida a processo administrativo disciplinar, é legítimo o indeferimento do requerimento de exame médico pericial.”[27]

Independente de regra expressa como a do artigo 160 da Lei Federal nº 8.112, é certo que a produção de prova pericial, como o exame médico para aferir a sanidade mental do servidor, deve se realizar quando necessária à instrução do feito disciplinar. Medidas protelatórias, sem elementos fáticos que indiquem sua necessidade, não devem ser realizadas. Ao contrário, diligências convenientes à compreensão do estado de saúde do servidor, que se afigura como condição para o cabimento, ou não, do sancionamento pretendido, devem se realizar na fase instrutória do procedimento.

Sobre a realização exame pericial, a 2ª Turma do STF já assentou a inadmissibilidade de determinar compulsoriamente a sua realização para fins de identificação de imputabilidade, ou não, na esfera penal:

“3. Havendo dúvida sobre a imputabilidade, é indispensável verificar-se, por procedimento médico realizado no incidente de insanidade mental, se, ao tempo da ação ou da omissão, o agente era totalmente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (critério psicológico). 4. O incidente de insanidade mental, que subsidiará o juiz na decisão sobre a culpabilidade ou não do réu, é prova pericial constituída em favor da defesa, não sendo possível determiná-la compulsoriamente quando a defesa se opõe.”[28]

Registre-se a especificidade de, na esfera disciplinar, ser interesse do Poder Público reunir os dados fáticos que permitam definir sobre a viabilidade, ou não, da punição do servidor, incluindo-se a sanidade mental caracterizadora da sua capacidade. Não se trata somente de “interesse da defesa” reunir elementos técnicos sobre a eventual doença mental de quem teria praticado infração disciplinar, mas consubstancia ônus da própria Administração, em observância à verdade material, aferir autoria, veracidade da infração e aspectos essenciais como a capacidade do acusado.

Isso não significa, entretanto, que é possível obrigar o servidor público a se submeter ao exame pericial. O que se exige é que o Poder Público instaure o incidente devido e enseje a realização da perícia médica cuja finalidade é avaliar a sanidade mental do acusado à época da infração. Cumprido esse dever pela Administração Pública, caso o servidor não se submeta ao exame e mantenha sua recusa, cabe à comissão processante avaliar se há outros elementos probatórios suficientes que permitam a conclusão sobre a incapacidade por doença mental. Em caso negativo, a falta de evidências probatórias da incapacidade implica considerar o servidor mentalmente são, motivo por que se dará prosseguimento ao processo disciplinar. Em caso positivo (hipótese rara, visto que se trata de conclusão técnica dependente de perícia), considerar-se-á o servidor incapaz, excluindo-se a atribuição punitiva do Estado.

O Supremo Tribunal Federal tem considerado até mesmo descabida a instauração do incidente na persecução penal “ante a constatação de que o paciente, no momento da prisão, desenvolvia normalmente suas atividades laborais e de que nem sequer havia relatos de surtos paranóicos ou psicóticos, assim como nada se sabe sobre dependência química dele, paciente, ou quanto à precedência de tratamento médico do gênero”[29]. O Superior Tribunal de Justiça já concluiu no mesmo sentido, tendo em vista “inexistirem nos autos quaisquer dúvidas acerca da sanidade do recorrente”, sendo que as instâncias de origem asseveraram que “em nenhum momento do processo ele teria demonstrado ser portador de qualquer deficiência mental ou distúrbio que comprometesse a sua capacidade de compreensão dos fatos que lhe foram imputados”.[30]

Destarte, a ausência da prova pericial aliada à falta de outros elementos probatórios aptos a demonstrar a doença mental incapacitante do servidor implica prosseguimento regular também do PAD, com exercício da competência disciplinar que investigue e identifique a autoria e a materialidade da infração.

 

7. Sobre o exame médico da sanidade mental

Quando, realizada a perícia, os médicos atestarem a existência de doença mental incapacitante, cabe ao Poder Público afastar em caráter permanente o servidor que, na forma da lei, passará a receber os seus proventos. Afinal, é claro o próprio interesse público em reconhecer ao servidor incapacitado o direito constitucionalmente assegurado, o que se enquadra no sistema jurídico vigente.

Caso o laudo médico exclua a incapacidade permanente, incumbe ao Estado penalizar o acusado pela infração cometida, observada a exigência de proporcionalidade. Não se admite qualquer exame tendencioso, seja para incriminar o servidor ao ignorar indevidamente patologia presente, seja para absolvê-lo incorretamente com base em inexistente doença mental. É necessário ponderação e equilíbrio na aferição do quadro que deverá ensejar a punição adequada, apenas quando cabível.

Dentro desse panorama, entende-se que, se durante o processo disciplinar surgir dúvida a propósito da existência de doença mental, o diagnóstico seguro exige que se instaure um incidente de sanidade. O objetivo do referido incidente será especificamente aferir as condições mentais do servidor a quem se atribui o cometimento de uma infração. É preciso que seja avaliado o real estado de saúde do acusado, o que nem sempre é tarefa fácil, pois até mesmo o adoecimento pode demorar a ser percebido, em fases iniciais, pelos superiores, colegas e familiares. Ademais, não pode ser excluída eventual manipulação indevida de um quadro de adoecimento que, de fato, não ocorre. Diante da dúvida presente, a autoridade ou comissão processante encaminhará o servidor para exame por junta médica oficial, sendo necessária a participação de um médico psiquiatra. Afigura-se pertinente, inclusive, que a comissão processante apresente quesitos e indagações específicas, necessários ao esclarecimento das condições de saúde do servidor e à definição da sua capacidade quando da prática de eventual ilícito. Exatamente nesse sentido é a lição de João Bosco Barbosa, ao enumerar os seguintes quesitos que podem ser apresentados na tentativa de esclarecer o quadro em que se encontra o servidor:

“1) Estaria o servidor público acometido de alguma doença mental ou algum outro tipo de distúrbio mental que poderia interferir no seu desempenho funcional, alterando de forma patológica a sua capacidade de discernimento?

2) Sendo afirmativa a resposta anterior, qual a espécie nosológica?

3) O servidor, em virtude de provável perturbação da saúde mental ou outro tipo de anormalidade mental, poderia alterar a sua plena capacidade de entender o caráter delituoso do ato administrativo praticado?

4) O agente, em virtude de elevado nível de stress poderia ter alterado a sua plena capacidade de entender o caráter delituoso do ato administrativo praticado?

5) Tecnicamente, qual seria o motivo que levaria o agente público a fazer uso regular do medicamento controlado X?

6) A utilização diária do medicamento X, somada a forte pressão psicológica devido à problemas particulares narrados no processo administrativo disciplinar, em depoimento do próprio acusado, poderiam afetar a capacidade de discernimento desse agente, tornando-o incapaz de entender o caráter delituoso de um ato administrativo?

7) A submissão ao tratamento clínico neurológico em razão de uma patologia no sistema nervoso central poderia prejudicar a capacidade de discernimento do agente, tornando-o incapaz de entender o caráter delituoso de um ato administrativo?

8) Qual o estado atual da saúde mental do agente?”[31]

Caso a Junta Médica, ao responder quesitos dessa natureza, conclua que a saúde mental do agente público está definitivamente comprometida, cabe à Administração promover a sua aposentadoria por invalidez. Com efeito, no caso de laudo médico que conclua pela incapacidade definitiva e permanente do servidor, impõe-se, independente da vontade do agente, a concessão da inatividade remunerada, sendo-lhe devidos proventos integrais na hipótese de a lei vigente enumerar tal hipótese como doença que autoriza o benefício.

 

8. Conclusões

Com base em tais razões, afigura-se cabível que o Presidente de Comissão Processante, diante de dúvida sobre doença mental do servidor acusado de cometimento de infração, instaure um Incidente de Sanidade Mental, nos seguintes termos:

– À Comissão Processante é lícito propor ao Presidente, motivadamente, a instauração de Incidente de Sanidade Mental do servidor, quando houver dúvida se o mesmo é portador de doença mental, ou não.

– O pedido da Comissão Processante será instruído com elementos que o fundamentem, inclusive solicitação de resposta a quesitos que entenda necessários ao esclarecimento das condições mentais do acusado.

– O Presidente da Comissão decidirá, com base nos elementos colacionados, a pertinência de se submeter o servidor a exame por junta médica oficial, da qual participe, no mínimo, um médico psiquiatra.

– Deferida a instauração do incidente, o mesmo será processado em apartado, com autuação em apenso ao processo disciplinar após a expedição do laudo pericial e seu recebimento pela Comissão.

– O processo disciplinar suspende-se durante o exame das condições mentais do acusado, sendo vedado que corram prazos decadenciais ou prescricionais até a juntada do laudo médico aos respectivos autos.

– Os atos que independam da perícia médica poderão se realizar, bem como aquelas diligências e providências que podem ser prejudicadas pelo adiamento resultante do incidente.

– Caso a junta médica conclua pela incapacidade do servidor à época da infração, que o tenha impedido de compreender a natureza ilícita do seu comportamento ou de agir conforme esse entendimento, tratando-se de doença caracterizadora de invalidez permanente, impõe-se o arquivamento do processo disciplinar e início do procedimento de aposentadoria.

– No caso de invalidez permanente, decorrente de doença mental incapacitante, o procedimento administrativo apenas terá continuidade na hipótese de prejuízo a ser ressarcido em favor do Estado, hipótese em que deverá ser nomeado um curador pelo Presidente da Comissão Processante, se ainda não interditado definitivamente o servidor.

– Caso a junta médica conclua que a doença mental do servidor foi posterior à infração, o processo disciplinar continuará suspenso até que o servidor se restabeleça, momento em que retomará o seu curso, com a possibilidade de requerimento de reiteração de depoimentos testemunhais realizados sem a sua presença.

– Caso o servidor não se restabeleça e seja aposentado por invalidez, o processo disciplinar será arquivado. Nesse caso, se houver prejuízo para o Estado, o processo prosseguirá, com nomeação de curador pelo Presidente da Comissão Processante, na hipótese de não ultimada interdição do servidor em ação judicial.

 

 

 

 

 

 

[1] Os estudos originários sobre o tema foram feitos quando da elaboração do Parecer nº 14.980, de 04.12.2009. Disponível em http://www.age.mg.gov.br/images/stories/downloads/advogado/pareceres2009/parecer-14980.pdf. Acesso em 18.02.2009. No presente artigo foram feitas atualizações quanto aos fundamentos e novas inserções jurisprudenciais sobre a matéria.

[2] ZANOBINI, Corso de Diritto Amministrativo. 5ª ed. v. I. Milano: Giuffrè. 1947, p. 116 e 118.

[3] BIELSA, Rafael. Relaciones Del Código Civil con el Derecho Administrativo. Buenos Aires: Lajouane & Cia Editores, 1923, p. 78-79.

[4] CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo. V. IV. Rio de Janeiro: Forense. 1967, p. 205.

[5] ZANOBINI, Guido. Corso di Diritto Amministrativo. v. III. 3ª ed. Milão: Giuffrè, 1946, p. 28-29; 34.

[6] ROCHA, Cármem Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 411.

[7] RIGOLIN, Ivan Barbosa. O Servidor Público na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 166.

[8] NETTO, Luísa Cristina Pinto e. O princípio da proibição de retrocesso social. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 208.

[9] NETO, Eurico Bitencourt. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 118 e 123.

[10] SILVEIRA, Raquel Dias. Profissionalização da função pública. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 68.

[11] CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo. V. IV. Rio de Janeiro: Forense. 1967, p. 341-342.

[12] RIGOLIN, Ivan Barbosa. O Servidor Público na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 166.

[13] MADEIRA, José Maria Pinheiro. Servidor Público na Atualidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006. p. 290.

[14] REsp n. 8.599-MG, rel. Min. Ilmar Galvão, 2ª Turma do STJ, DJU de 27.05.91, p. 6953; Remessa Ex Officio n. 96.01.25017-4/DF, rel. Juiz Luiz Gonzaga Barbosa Moreira, 1ª Turma do TRF da 1. Região, DJU de 09.01.2001, p. 21.

[15]disponível em http://www.leodasilvaalves.com/pdfs/Organiza%C3%A7%C3%A3o%20de%20comiss%C3%A3o%20permanente.pdf, acesso em 25.11.2009.

[16] disponível em http://www.leodasilvaalves.com/pdfs/Organiza%C3%A7%C3%A3o%20de%20comiss%C3%A3o%20permanente.pdf, acesso em 25.11.2009.

[17] ZANOBINI, Guido. Corso di Diritto Amministrativo. v. III. 3ª ed. Milão: Giuffrè, 1946, p. 88-89.

[18] Apelação Cível nº 2001.34.00.016205-6, Ac. 16.205-DF, rel. Des. Federal Neuza Maria Alves da Silva, 2ª Turma do TRF 1. Região, DJU de 07.12.2006, p. 49.

[19] Apelação/Reexame Necessário, nº 2008.227.00180, rel. Desembargadora Renata Machado Cotta, 9ª Câmara Cível do TJRJ, julgamento em 10.02.2009.

[20] HC nº 325.052-SP, rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma do STJ, DJe de 07.12.2015.

[21] RMS nº 44.244-BA, rel. Min. OG Fernandes, 2ª Turma do STJ, DJe de 27.05.2014.

[22] FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 34 e 63.

[23] FERRAZ, Sérgio e DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 87.

[24] MS nº 10.906, rel. Min. Nilson Naves, 3ª Seção do STJ, DJe de 01.10.2008.

[25] MS nº 11.093-DF, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 3ª Seção do STJ, DJe de 02.06.2015.

[26] MS nº 16.038-DF, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção do STJ, DJe de 18.11.2011.

[27] Decisão monocrática no RMS nº 34.215-DF, rel. Min. Roberto Barroso, STF, DJe de 17.03.2017.

[28] HC nº 133.078-RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª Turma do STF, DJe de 22.09.2016.

[29] HC nº 101.515-GO, rel. Min. Ayres Britto, 1ª Turma do STF, DJe de 27.08.2010.

[30] RHC nº 36.996-ES, rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma do STJ, DJe de 05.06.2013.

[31] MARTINS, João Bosco Barbosa. A sanidade mental do imputado no processo administrativo federal. Disponível em http://jusvi.com/artigos/750. Acesso em 27.11.2009.

6 Comentários


  1. Eu cheguei a ser declarado, pela junta médica do estado, semi-imputável. No entanto a comissão ignorou e fui demitido.

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  2. Professora Raquel, parabéns pelo artigo, me ajudou muito em um Recurso Administrativo, obrigada.

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    1. Não tem nada melhor do que saber que um artigo divulgado auxiliou na proteção de um direito na vida real. Obrigada pela notícia por aqui!

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  3. Gostaria de saber se vcs atendem servidores do governo de São Paulo com licença médica negada

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