Diálogos Juninos ou “o uso normal e anormal de bens públicos” (TECLA SAP para crianças)

Tempo de leitura: 4 minutos

 

Dia 23 de junho e uma prosa sobre bens públicos:

– Tia Quel, é verdade que vocês fechavam a rua para “dançar quadrilha” na época do São João?

– É, amor.

– E tinha um bairro da cidade que ficava isolado, sem o povo ter como entrar e sair de ônibus ou de carro?

– Pois é…

– Como era isso?

– Era errado.

– Hum…

– Um grupo de pessoas não pode resolver sozinho que o restante não vai usar a rua para aquilo pra que ela serve, né?

– Nem se for para a quadrilha da escola?

– Fechando a rua sem pedir para ninguém e atrapalhando o resto do mundo? Nem se for quadrilha da escola…

– Tá.

– Posso explicar.

– Daquele jeito seu?

– É.

– Tá.

 

Tem umas coisas da cidade, do mundo, que é para todo mundo usar. Tipo a praia. Nenhum de nós pode querer ser “dono” da praia. A praia não está à venda. Qualquer um pode chegar lá, entrar no mar e se esticar na areia. Assim também as ruas. A gente pode andar por elas. E sem precisar pedir o prefeito ou quem quer que seja. É sair de casa e pronto. Todo mundo é igual na hora de andar por ela. E se não é, está errado.

Isso não significa que não haja regras. Tem praia que não pode usar protetor solar por causa do tipo de peixe que vive no mar dali. Os carros e ônibus vão pela rua, mas é preciso prestar atenção no semáforo, no lugar que pode estacionar e nos pedestres que também estão passando. O uso, em princípio, é livre e para todo mundo, mas tem regra. Algumas regras podem até limitar o que a gente quer fazer. Se elas forem “justas” (no direito, falamos “proporcionais”), é necessário cumprir. Não tem escapatória.

Essas coisas que são de “uso comum” (praia, rua), têm um jeito de serem aproveitadas que a gente chama de “normal”. São esses exemplos que eu dei: andar pela rua, nadar na praia… São formas de aproveitar que combinam com a natureza do bem, ou seja, que combinam com aquilo para que a coisa existe. Nem sempre temos um modo só de “proveito”. Às vezes, são muitos jeitos de usar aquilo. Por exemplo: pedestres andando na calçada, carros passando no meio da rua e bicicletas na ciclovia. Não tem nada de errado em ter vários usos “normais” desses bens que todo mundo pode aproveitar.

É possível também que essas coisas também tenham um uso “anormal”. Isso acontece quando a gente aproveita do bem para algo diferente do que é a natureza dele. Tipo dançar quadrilha no meio da rua. Rua não existe para as pessoas ficarem dançando quadrilha a torto e a direito; existe para a gente se movimentar, passar por ela, ir de um lugar a outro. Só que, de vez em quando, pode ser que usemos essa coisa para outro fim, que não o “normal”. Então, uma vez por ano, na véspera de São João, a gente pode pedir para dançar quadrilha na rua.

Primeiro, tem que ver quem é que pode dar essa autorização. Afinal, ninguém pode sair por aí fechando ruas da cidade como quiser. Depois, é preciso ver se é possível que esse “uso anormal” não impeça o jeito de usar principal: dá para dançar quadrilha sem fechar a rua? É que tem que acontecer assim, de preferência: sem atrapalhar demais. Se não der para evitar, é preciso assegurar uma alternativa para quem não vai poder ter o uso “normal”. Há outra rua que dá para desviar o trânsito? Se sim, como é que isso será feito? As pessoas afetadas vão saber antes? Por quanto tempo serão impedidas de passar por ali? Dá para conversar com as pessoas envolvidas, tentar chegar num acordo do que atrapalha o menos possível e decidir como será.

Então a gente pode resumir assim: o uso normal é o que combina com o que a coisa é. A rua, em princípio, serve para a gente passar por ela: a pé, de carro ou de bicicleta. A praia serve para se esticar, entrar no mar ou até jogar frescobol. Esses usos são “normais”. Ninguém precisa pedir autorização antes e deve respeitar as regras básicas. O uso anormal é diferente desse (a gente chama de “acessório” ou “secundário”): dançar quadrilha na rua, fazer campeonato de algum esporte na praia (até fechando uma área para só entrar quem pagar ingresso) e outros jeitos de usar as coisas não exatamente de acordo com a natureza delas. Aí, quem “manda na bagaça” (chama “autoridade competente”) autoriza e explica como vai ser. A ideia é ouvir os envolvidos sempre que possível e decidir para que se atrapalhe o menos possível o uso normal, pelo menor tempo necessário.

Ok. Talvez seja um pouco mais complicado que isso. Mas com esse básico já dá para entender alguns usos de um tipo de bem: os de “uso comum”. Tem advogado que não sabe tanto… Dúvidas mais complicadas? Habemus os comentários. Para crianças e adultos.

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