Publicidade não é propaganda. É transparência governamental e informação ao cidadão.

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1. Publicidade não é propaganda

A publicidade é instrumento essencial de concretização dos demais elementos do regime jurídico administrativo. Trata-se de meio eficiente para afastar o sigilo injustificável em qualquer Estado que se pretenda democrático e, portanto, sujeito à exigência de transparência estatal. Como esclarece a doutrina comparada, a democracia é um sistema que se pressupõe, por definição, transparente: “o poder e os seus órgãos, pensa-se, não devem ter segredos para os cidadãos, uma vez que estes são os autênticos titulares e ‘proprietários’ daquele. É notório, aliás, que os sistemas autoritários ou totalitários tendem naturalmente a levantar um impenetrável véu de mistério sobre a atuação de seus poderes: o segredo certamente aumenta a eficácia das técnicas de dominação e controle social.”[1] Também a doutrina brasileira adverte que “As idéias de publicidade e transparência parecem ser complementares. A partir da acepção comum das palavras, pode-se entender a publicidade como característica do que é público, conhecido, não mantido secreto. Transparência, ao seu turno, é atributo do que é transparente, límpido, cristalino, visível; (…)”. Daí se concluir que os atos administrativos devem ser públicos (levados ao conhecimento dos interessados por instrumentos legalmente previstos) e transparentes (devem permitir enxergar com clareza seu conteúdo e todos elementos de sua composição, inclusive motivo e finalidade, para que seja possível efetivar seu controle).[2]

Para evitar a manipulação indevida dos cidadãos e ensejar o real controle de juridicidade dos comportamentos estatais, tem-se a exigência publicidade que não se confunde com a ideia de propaganda afetada ao marketing. Isso porque, é entendimento assente que a publicidade implica transparência do comportamento e visa dar à sociedade o poder de avaliar e fiscalizar o fiel cumprimento dos objetivos públicos, enquanto a propaganda subverte o processo e, por se tratar de forma de manipulação das grandes massas, acaba por tirar da sociedade este controle, tornando-o disponível às maquinações do poder oportunista.  A propaganda realça elementos puramente emotivos, recorre frequentemente a estereótipos, põe em relevo apenas certos aspectos da questão, revelando caráter sectário e, como bem pontua Gisela Gondin Ramos, “se com a publicidade, é o povo quem controla o poder; na propaganda, é o poder que controla o povo.”[3]

À obviedade, não é entretenimento ou ardilosa manipulação que se espera da concretização da publicidade. O objetivo é fazer direta oposição aos indevidos procedimentos sigilosos, secretos, inquisitoriais. Nessa perspectiva, adverte-se a insuficiência, para seu cumprimento, da mera publicação, que significa nada mais que uma formalidade, muitas vezes inócua. “Com efeito, a publicação é apenas um dos elementos da publicidade que, para se configurar segue muito além reclamando, de fato e de direito, a indispensável transparência. E isto significa que, além de publicada, a informação seja compreensível ao destinatário. Exige, pois, que o cidadão tenha efetivas condições de cientificar-se do conteúdo e da finalidade da informação, e captar com certeza e segurança todas as implicações dela decorrentes.”[4]

2. Publicidade e seus contornos histórico, subjetivos, constitucional e legislativo

Historicamente, é comum, na realidade administrativa, que situações sigilosas e dados guardados em segredo estejam ligados a desvios e práticas espúrias. Não há dúvida que regimes totalitários como o nazismo afastaram a publicidade, assim como inúmeras ditaduras implantadas na América Latina no século XX. Para evitar a perpetuação ou regresso de tais vícios, é essencial viabilizar que a sociedade conheça os comportamentos públicos, sejam eles comissivos, sejam eles omissivos. Nesse sentido, permitir o acesso ao conteúdo da atividade estatal é, primeiramente, fator inibidor do exercício desregrado do poder, o que é o melhor caminho para melhoria da sua eficiência e exclusão de práticas corruptas.

A doutrina brasileira tem buscado o equilíbrio entre a transparência, que é dever de todo governo democrático, e a inviolabilidade da vida privada, na construção da lógica ponderada que orienta o Estado Democrático de Direito. Nesse sentido adverte que “Nos quadrantes de um Estado Totalitário há uma completa inversão desta lógica. O Estado se oculta e, ao mesmo tempo, assenhoreia-se da vida dos súditos, devassa-lhes a intimidade e os converte, de acordo com a execrável expressão nazista, em ‘homens de vidro’.”[5] A ideia é viabilizar o acesso à informação pública, essencial para que se concretize a democracia participativa, sem desrespeito ao núcleo fundamental da intimidade e privacidade humanas.

O fim da cultura do sigilo, com implantação da cultura da transparência, nesse contexto, é instrumento de concreção do exercício democrático do Poder, porquanto viabiliza, inclusive, a efetiva participação cidadã. A esse propósito, confiram-se as lições de Juliano Heinen no sentido de que “A noção de controle está ligada, essencialmente à noção de república e de democracia. Ela já vinha plasmada, pela via da transparência, em inúmeros dispositivos de cartas de direitos transnacionais, as quais autorizam que todo o cidadão possa pedir para qualquer autoridade pública a prestação das contas dos seus atos.”[6] Considerando a transparência, a partir da interação da publicidade conjugada com o direito à informação e com o princípio democrático, como dever imposto no exercício das funções administrativas, tem-se claro o repúdio à sacralização injustificada do segredo e a necessidade de sua realização potencializar a efetividade do controle.

Para que a publicidade seja realmente instrumento de garantia de concreção possível de todos os demais princípios administrativos, ensejando o controle da juridicidade pública, é necessária divulgação de conteúdo que seja passível de absorção. Referimo-nos aqui à limpidez da informação pública à sociedade, o que requer compromisso com a transparência efetiva em favor dos cidadãos. Para esse dever seja cumprido, o Estado deve informar de forma tempestiva e compreensível, além de reconhecer que a titularidade do direito à informação pertence aos cidadãos, não aos agentes públicos. A compreensão é que a informação é bem público e se impõe como regra; o sigilo é exceção e precisa ter fundamento legal, além de hipótese fática suficiente demonstrada em motivação ampla e adequada.

Os administrativistas vêm sublinhando a extensão do dever de transparência em face de toda a Administração Pública: “Por fim, é importante que não se deixe de fora o registro de que ao princípio da publicidade deve submeter-se todas as pessoas administrativas, quer as que constituem as próprias pessoas estatais, quer aquelas outras que, mesmo sendo privadas, integram o quadro da Administração Pública, como é o caso das entidades paraestatais (empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas).”[7] De fato, onde houver a presença da estrutura administrativa do Estado, é indispensável que a publicidade seja uma realidade objetiva, sob pena de comprometimento do próprio regime jurídico de direito público.

Na Constituição, são vários os dispositivos que consagram a publicidade. O art. 5°, XXXIII, determina que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. O art. 5°, XIV, da Constituição assegura a todos o acesso à informação, resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional e o art. 5°, XXXIV, garante a todos, independente de pagamento de taxas, direito de petição ao Poder Público em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder, bem como obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direito e esclarecimento de situações pessoais. Especificamente quanto aos atos processuais, o art. 5°, LX, da CR fixa que a lei só poderá restringir a sua publicidade quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. Em relação aos atos judiciais que incide a regra do inciso IX do art. 93 no sentido de que os atos administrativos são públicos “podendo a lei limitar a presença em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.

Uma das principais conclusões, à luz do texto constitucional é que, na seara administrativa, só se admite sigilo quando imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. A esse propósito, o art. 5°, XXXIII, da CR fundamenta a ausência de publicidade em contratações que envolvem questões sigilosas como, p. ex., é o caso da segurança nacional, quando há claramente outros interesses públicos concretamente envolvidos que transcendem o livre e amplo conhecimento dos atos administrativos, justificando a restrição ao princípio da publicidade, sem que se possa falar em ilicitude na espécie.

Não se ignore que o direito de petição e as certidões consistem em instrumentos básicos para que seja reclamada a concretização da publicidade. No âmbito federal, a Lei n° 9.784/99, em seu artigo 2°, parágrafo único, exige a divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição da República (inciso V), bem como a garantia dos direitos à comunicação nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio (inciso X).

Por sua vez, a Lei Federal n° 8.666/93, que veicula normas gerais de licitações e contratos administrativos, estabelece, em inúmeros dispositivos, mecanismos de concretização da publicidade obrigatória, senão vejamos: art. 21, I (obrigatoriedade da publicação do resu­mo do edital em datas prefixadas); art. 39 (previsão de audiência pública no caso de licitações que envolvam valores vultosos); art. 61, § único (publicação de extratos de contratos e convênios); art. 109, § 1° (publicação de intimação para atos decisivos como habilitação, julgamento, anulação, rescisão, revogação); artigo 25, § 2° (exige que os preços registrados sejam publicados trimestralmente para orientação da Administração na imprensa oficial), além de outros dispositivos, como o art. 4°, parte final; art. 34, § 1°, art. 40, VIII; art. 43, § 1° e art. 53, § 4°, da Lei n° 8.666. É certo que, malgrado a publicidade permeie todo o procedimento licitatório, não se aplica ao conteúdo das propostas, até o momento da sua abertura. Além desta restrição lógica, decorrente da necessidade de se resguardar o teor da proposta, mantendo a competitividade e lisura do certame, os demais atos deverão ter a sua publicidade assegurada, com livre acesso de terceiros e comunicação aos licitantes interessados a propósito dos atos que lhes sejam pertinentes.

Também cabe indicar vários diplomas legais cujas matérias tratadas relacionam-se diretamente com a publicidade. Assim é o caso da Lei Federal n° 9.507/97 e, enfim, da Lei Federal nº 12.527/2011 (Lei de Informação Administrativa).

3. Classificação: publicidade em sentido amplo e restrito, transparência ativa e passiva

No Direito Administrativo brasileiro, já se distinguia a publicidade em sentido amplo da publicidade em sentido restrito, sendo a última instrumental de outros princípios como ampla defesa e contraditório. Sob uma perspectiva mais ampla, o vínculo da publicidade assentava-se na divulgação dos atos públicos em órgão oficial (jornal, público ou privado, destinado à publicação dos atos estatais), excluída a hipótese de se utilizar a imprensa falada ou televisiva. No fim do século XX e início do século XXI, a publicidade eletrônica se definiu como complementar (suplementar) e não substitutiva da publicidade no órgão oficial.

Segundo Edmir Netto de Araújo, seria necessário distinguir publicidade geral e publicidade restrita: “A publicidade geral, produtora de efeitos, é a publicação, no órgão oficial) e não só na imprensa particular, embora esta não seja proibida e até mesmo exigida em certos casos), dos atos de efeitos gerais e externos, não se impedindo, todavia, (ao contrário, é até mais comum) a publicação de atos de efeitos internos e mesmo de efeitos individuais. Acresce, ainda, que a própria lei exige em muitas hipóteses, em razão do interesse publico, publicidade mais extensa ainda, em órgãos de comunicação de grande alcance e circulação, como ocorre nas licitações e concursos públicos.

Já a publicidade restrita, que pode constituir-se do conhecimento pessoal dos interessados diretos, por notificação, citação ou intimação, ou ainda por ‘afixação’ em local próprio da repartição, ou mesmo por franquear-se a presença do público ou dos interessados diretos, por notificação, citação ou intimação, ou ainda por ‘afixação’ em local próprio da repartição, ou mesmo por franquear-se a presença do público ou dos interessados no local onde o ato é ou será praticado, sem esquecer o registro dos atos em livros próprios ou arquivos das unidades administrativas, tem duas conotações (…).”[8]

A publicidade restrita, pois, refere-se à comunicação aos que podem ter seus universos jurídicos individuais afetados por comportamentos administrativos a respeito de determinada ação ou omissão do Estado. Trata-se de instrumento essencial à operacionalização da ampla defesa e do contraditório, conforme decisões dos tribunais superiores:

“Ofende as garantias do contraditório e da ampla defesa o convite aos interessados, por meio de edital, para subsidiar a Administração na demarcação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831, uma vez que o cumprimento do devido processo legal pressupõe a intimação pessoal.”[9]

“A Administração, diante do longo lapso temporal (três anos) decorrido entre a homologação do concurso e a nomeação do candidato ora recorrente, em respeito aos princípios constitucionais da publicidade e da razoabilidade, deveria ter comunicado pessoalmente a ele sua nomeação, para que pudesse exercer seu direito à posse, se assim fosse de seu interesse, apesar de não haver qualquer previsão no edital do certame quanto a isso. O princípio constitucional da publicidade (art. 37 da CF/1988) impõe o dever de a Administração conferir a seus atos a mais ampla divulgação possível, principalmente quando eles atingirem individualmente o administrado. Assim, não se afigura razoável exigir do candidato aprovado a leitura do Diário Oficial durante o prazo de validade do certame (quatro anos) no intuito de verificar a efetivação de sua nomeação. Esse entendimento da Min. Relatora foi integralmente acolhido pela Turma, mas o Min. Og Fernandes adicionou a ele o de que só a publicação do resultado do certame no DO não cumpre o princípio da finalidade do ato administrativo ao qual está, também, sujeita a Administração. Por isso tudo, anulou-se o ato administrativo que tornou sem efeito a nomeação do recorrente e se determinou a efetivação de nova nomeação, com a devida intimação pessoal desse candidato. Precedentes citados: RMS 24.716-BA, DJe 22/9/2008, e RMS 22.508-BA, DJe 2/6/2008.”[10]

A Lei de Informação Administrativa (Lei Federal nº 12.257/2011), que levou a efeito normatização unitária e sistemática para assegurar o acesso amplo a informações e documentos produzidos pela Administração, foi regulamentada no âmbito federal pelo Decreto nº 7.724/2012 que consagrou a “transparência ativa”. Essa expressão, utilizada no capítulo III do citado Decreto Federal, fixou o dever de a Administração divulgar, independente de solicitações, informações de interesse coletivo, salvo aquelas cuja confidencialidade seja prevista em lei. Não há dúvida que a tendência mundial é a disponibilização proativa de um volume crescente de informações, espontaneamente pela Administração, sobretudo pela internet, o que reduz o número de solicitações de informações.

Para o cumprimento da transparência ativa, tem-se o uso de todos meios disponíveis, destacando-se a internet obrigatória (salvo municípios de até 10000 habitantes). Os sites devem ter ferramenta de pesquisa, permitir gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e texto, de modo a facilitar análise de informações; formatos abertos, estruturados e legíveis por máquina, autenticidade, integridade e atualização das informações, acessibilidade a pessoas com deficiência. Quanto ao conteúdo, destacam-se: a) competências, estrutura organizacional, endereços e telefones das unidades e horários de atendimento ao público; b) registros de repasses ou transferências de recursos financeiros; c) registros de despesas; d) informações pertinentes a procedimentos licitatórios (também editais e resultados) e contratos; e) dados gerais para acompanhamento de programas, ações, projetos e obras; f) respostas a perguntas mais frequentes da sociedade.

Ainda quanto à transparência, o artigo 9º, II da Lei Federal nº 12.257 menciona realização de audiência ou consultas públicas, incentivo à participação popular ou a outras formas de participação como meio de acesso à informação.

Especificamente quanto à transparência passiva, tem-se a obrigação pública de manter Serviço de Informação ao Cidadão (SIC). O objetivo é atender e orientar o público; informar tramitação de documentos, protocolizar documentos e requerimento de informações, conforme resulta do artigo 9º, I da Lei nº 12.257. No âmbito federal, o Decreto nº 7.724/12 assim normatiza o Serviço de Informação ao cidadão:

“Art. 10.  O SIC será instalado em unidade física identificada, de fácil acesso e aberta ao público.

§1oNas unidades descentralizadas em que não houver SIC será oferecido serviço de recebimento e registro dos pedidos de acesso à informação.

§2oSe a unidade descentralizada não detiver a informação, o pedido será encaminhado ao SIC do órgão ou entidade central, que comunicará ao requerente o número do protocolo e a data de recebimento do pedido, a partir da qual se inicia o prazo de resposta.” 

Quanto à transparência passiva, em que o terceiro solicita o dado e a Administração tem o dever de o oferecer, ressalvadas hipóteses legais de sigilos, uma evolução significativa da Lei Federal nº 12.257 é a de que o pedido de informação não precisa ser motivado (artigo 10, § 3º). Já eventual recusa pela Administração exige motivação e que se enseje recurso (artigo 11 e §§; artigo 15 e seguintes), com o cumprimento do princípio devido processo legal, também incidente nas relações de direito público.

Reitera-se, aqui, que tomadas as providências aptas a operacionalizar a transparência ativa, a eficiência da divulgação feita pelo Estado diminui a necessidade de transparência passiva, tornando desnecessário que os interessados provoquem os órgãos e entidades administrativas em face do acesso prévio ao conteúdo dos comportamentos públicos.

4. A clara tendência jurisprudencial em favor da divulgação de dados públicos como meio de garantir a publicidade na esfera administrativa

No mundo contemporâneo, a amplitude das informações difundidas com recursos tecnológicos vem colocando em questão o desafio de, entre particulares, o indivíduo não ter a sua intimidade devassada indevidamente, com garantia de um mínimo de privacidade. Buscando concretizar esse parâmetro, foi editada em 2018 a chamada “Lei de Proteção de Dados”, a saber, Lei Federal nº 13.709, cujo objetivo é exatamente evitar que dados pessoais sejam indevidamente expostos nas relações privadas de natureza econômica. Nas relações públicas, no que tange aos assuntos que representam o exercício das funções do Estado que são de titularidade social, é clara a tendência de fazer prevalecer a transparência. Assim, se a Lei Federal nº 13.709/18 busca impedir uma transmissão indevida de informações pessoais em se tratando de relações de mercado, diplomas como a Lei Federal nº 12.527/2011 tiveram o compromisso em viabilizar o acesso às informações públicas, de modo a assegurar, em regra, o conhecimento sobre as condições de exercício das funções estatais.

Diante de diplomas como a Lei de Acesso à Informação e dos princípios constitucionais, os Tribunais vêm assegurando a primazia da publicidade, senão vejamos:

a) “ADI: divulgação de obras públicas e princípio da publicidade. O Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada em face da Lei 11.521/2000 do Estado Rio Grande do Sul, a qual obriga o Poder Executivo do referido Estado-membro a divulgar na imprensa oficial e na internet a relação completa de obras atinentes a rodovias, portos e aeroportos. A Corte apontou não se verificar a existência de vício formal ou material na edição da norma em comento, visto que editada em atenção aos princípios da publicidade e da transparência, a viabilizar a fiscalização das contas públicas.[11]

b) “Reclamação: direito à informação e sessões secretas do STM

Inicialmente, o Colegiado observou que a decisão proferida no julgamento do citado RMS 23.036/RJ não limitou o acesso dos então impetrantes a documentos e arquivos fonográficos relacionados apenas às sessões públicas dos julgamentos do STM. Naquela ocasião, pelo contrário, a Corte assentou não haver campo para a discricionariedade da Administração em restringir o amplo acesso que os então recorrentes deveriam ter aos documentos gerados a  partir  dos  julgamentos  ocorridos  no  período  em referência. Conferiu, assim, induvidosa amplitude àquela decisão e concluiu que o ato impugnado estava em evidente descompasso com a ordem constitucional vigente, que erigiu o direito à informação ao status de direito fundamental.

Por esse motivo, é injustificável a resistência do STM de se opor ao cumprimento da decisão pelo STF, que taxativamente afastou os obstáculos erigidos para impedir fossem trazidos à lume a integralidade dos atos processuais lá praticados, seja na dimensão oral ou escrita, cujo conhecimento cidadãos brasileiros requereram, para fins de pesquisa histórica e resguardo da memória nacional.

Asseverou que o direito à informação, a busca pelo conhecimento da verdade sobre sua história, sobre os fatos ocorridos em período avassalador do sentimento nacional e do espírito democrático que exsurgia, assim como sobre suas razões, integra o patrimônio jurídico de todo e qualquer cidadão e constitui dever do Estado assegurar os meios para o seu exercício.

Dessa forma, o Plenário concluiu que a autoridade reclamada deve permitir o acesso do reclamante aos documentos descritos no requerimento administrativo objeto da impetração em questão, ressalvados apenas  aqueles  indispensáveis  ao  resguardo  de  interesse  público  legítimo  e  à  defesa  da  intimidade  e aqueles cujo sigilo se imponha para proteção da sociedade e do Estado, o que há de ser motivado de forma explicita e pormenorizada pelo reclamado, a fim de sujeitar esse exame administrativo ao controle judicial.”[12]

c) “Verba indenizatória e publicidade – 3

Em conclusão de julgamento, o Plenário concedeu a ordem em mandado de segurança impetrado por veículo da imprensa contra ato do Senado Federal, que indeferira pedido de acesso aos comprovantes apresentados pelos senadores para recebimento de verba indenizatória, no período de setembro a dezembro de 2008 — v. Informativo 770. De início, reconheceu a legitimidade ativa da impetrante, por considerar haver direito líquido e certo à obtenção desses elementos, com base no princípio da publicidade (CF, art. 37, “caput”) e em outras disposições constitucionais correlatas, notadamente a liberdade de informação jornalística (CF, art. 220, § 1º). Ressaltou que as referidas verbas destinar-se-iam a indenizar despesas direta e exclusivamente relacionadas ao exercício da função parlamentar. Sua natureza pública estaria presente tanto na fonte pagadora — o Senado Federal — quanto na finalidade, vinculada ao exercício da representação popular. Nesse contexto, a regra geral seria a publicidade e decorreria de um conjunto de normas constitucionais, como o direito de acesso à informação por parte dos órgãos públicos (CF, art. 5º, XXXIII) — especialmente no tocante à documentação governamental (CF, art. 216, § 2º) —, o princípio da publicidade (CF, art. 37, “caput” e § 3º, II) e o princípio republicano (CF, art. 1º), do qual se originariam os deveres de transparência e prestação de contas, bem como a possibilidade de responsabilização ampla por eventuais irregularidades. Recordou que o art. 1º, parágrafo único, da CF enuncia que “todo o poder emana do povo”. Assim, os órgãos estatais teriam o dever de esclarecer ao seu mandante, titular do poder político, como seriam usadas as verbas arrecadadas da sociedade para o exercício de suas atividades. A Constituição ressalvaria a regra da publicidade apenas em relação às informações cujo sigilo fosse imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (CF, art. 5º, XXXIII, parte final) e às que fossem protegidas pela inviolabilidade conferida à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (CF, art. 5º, X, c/c art. 37, § 3º, II). Por se tratar de situações excepcionais, o ônus argumentativo de demonstrar a caracterização de uma dessas circunstâncias incumbiria a quem pretendesse afastar a regra geral da publicidade.

(…)

Verba indenizatória e publicidade – 4 O Plenário consignou que a autoridade impetrada teria justificado sua recusa nas duas exceções acima citadas. Refutou a assertiva de que a concessão da ordem poderia gerar um perigoso precedente, uma vez que permitiria igualmente o acesso a informações sobre verbas indenizatórias pagas no âmbito de outros órgãos estratégicos, como a ABIN, o Centro de Inteligência do Exército e da Marinha, a Comissão Nacional de Energia Nuclear do Ministério da Ciência e da Tecnologia, a Presidência da República e mesmo os tribunais superiores. Sublinhou que o caráter estratégico das atividades desenvolvidas por determinado órgão não tornaria automaticamente secretas todas as informações a ele referentes. No caso do Senado Federal, as atividades ordinárias de seus membros estariam muito longe de exigir um caráter predominantemente sigiloso. Em se tratando de órgão de representação popular por excelência, presumir-seia justamente o contrário. Nesse domínio, eventual necessidade de sigilo não poderia ser invocada de forma genérica, devendo ser concretamente justificada. Quanto à segunda exceção que justificaria a restrição à publicidade — informações relacionadas à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas —, não seria pertinente que se invocasse a intimidade, de forma genérica, para restringir a transparência acerca do emprego de verbas públicas exclusivamente relacionadas ao exercício da função parlamentar. A hipótese nada teria a ver com uma devassa genérica na vida privada dos agentes políticos. Não se cuidaria da divulgação, pelo Poder Público, da forma como os senadores gastariam o subsídio recebido a título de remuneração ou mesmo sobre o emprego de outras rendas privadas auferidas a título diverso. Além disso, anotou que o custo das cópias solicitadas seria arcado pela impetrante.[13]

d) “Servidor público e divulgação de vencimentos

É legítima a publicação, inclusive em sítio eletrônico mantido pela Administração Pública, dos nomes de seus servidores e do valor dos correspondentes vencimentos e vantagens pecuniárias. Esse o 32 entendimento do Plenário ao dar provimento a recurso extraordinário em que discutida a possibilidade de se indenizar, por danos morais, servidora pública que tivera seu nome publicado em sítio eletrônico do município, em que teriam sido divulgadas informações sobre a remuneração paga aos servidores públicos. A Corte destacou que o âmbito de proteção da privacidade do cidadão ficaria mitigado quando se tratasse de agente público. O servidor público não poderia pretender usufruir da mesma privacidade que o cidadão comum. Esse princípio básico da Administração — publicidade — visaria à eficiência. Precedente citado: SS 3902/SP (DJe de 3.10.2011).”[14]

e) Publicidade como instrumento de eficiência – prevalência em face do interesse coletivo: “Norteia a Administração Pública – gênero – o princípio da publicidade no que deságua na busca da eficiência, ante o acompanhamento pela sociedade. Estando em jogo valores, há de ser observado o coletivo em detrimento, até mesmo, do individual.”[15]

f) “O não fornecimento pela União do extrato completo – incluindo tipo, data, valor das transações efetuadas e CNPJ dos fornecedores – do cartão de pagamentos (cartão corporativo) do Governo Federal utilizado por chefe de Escritório da Presidência da República constitui ilegal violação ao direito de acesso à informação de interesse coletivo, quando não há evidência de que a publicidade desses elementos atentaria contra a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República ou de suas famílias. No caso, o não fornecimento de documentos e informações constitui ilegal violação ao direito de acesso à informação de interesse coletivo, sendo importante a sua divulgação, regida pelos princípios da publicidade e da transparência – consagrados na CF e na Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação). De igual forma, não há evidência de que a publicidade de tais elementos atentaria contra a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República ou de suas famílias. Ressaltese que o fornecimento apenas de planilha em que os gastos aparecem de forma genérica impede a elaboração de análise minimamente conclusiva. Deve-se, ainda, assinalar que a transparência dos gastos e das condutas governamentais não deve ser apenas um flatus vocis, mas sim um comportamento constante e uniforme. Além disso, a divulgação dessas informações seguramente contribui para evitar episódios lesivos e prejudicantes.”[16]

g) “O Ministério das Relações Exteriores não pode sonegar o nome de quem recebe passaporte diplomático emitido na forma do parágrafo 3º do art. 6º do Anexo do Decreto 5.978/2006. O nome de quem recebe um passaporte diplomático emitido por interesse público não pode ficar escondido do público. O interesse público pertence à esfera pública, e o que se faz em seu nome está sujeito ao controle social, não podendo o ato discricionário de emissão daquele documento ficar restrito ao domínio do círculo do poder. A noção de interesse público não pode ser linearmente confundida com “razões de Estado” e, no caso, é incompatível com o segredo da informação. Noutra moldura, até é possível que o interesse público justifique o sigilo, não aqui.”[17]

h) “Habeas data” e informações fazendárias – 2

O Plenário destacou que o Estado não poderia deter em seus registros ou bancos de dados informações dos contribuintes e se negar a fornecê-los a quem de direito. As informações fiscais relativas ao próprio contribuinte, se sigilosas, deveriam ser protegidas da sociedade em geral, mas não de quem elas se referissem (CF, art. 5º, XXXIII). O texto constitucional não deixaria dúvidas de que o “habeas data” protegeria a pessoa não só em relação aos bancos de dados das entidades governamentais, como também em relação aos bancos de caráter público geridos por pessoas privadas.

(…)

Outrossim, o acesso pleno à informação contida em banco de dados públicos, em poder de órgãos públicos ou entidades privadas, seria a nova baliza constitucional a ser colmatada por processo de concretização constitucional, tese esta corroborada pela Lei 12.527/2011 – Lei de Acesso à Informação (LAI). Essa lei regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37, e no § 2º do art. 216 da CF, subordinando todos os órgãos públicos integrantes da Administração Direta. O novel diploma destinar-se-ia a assegurar o direito fundamental de acesso à informação, em conformidade com os princípios básicos da Administração Pública, previstos no art. 37 da CF, tendo como diretriz fundamental a observância da publicidade, como preceito geral, e do sigilo, como exceção. Nessa senda, caberia aos órgãos e entidades do poder público, observadas as normas e procedimentos específicos aplicáveis, assegurar a gestão transparente da informação, propiciando amplo acesso a ela e sua divulgação quanto às informações fiscais de interesse dos próprios contribuintes que as requeressem. O acesso à informação tratada pela lei em comento compreenderia, entre outros, os direitos de obter informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos (LAI, art. 7º), o que se aplicaria com perfeição ao caso concreto.” (Repercussão Geral no RE nº 673.707-MG, rel. Min. Luiz Fux, Pleno do STF, Informativo 790 do STF)

i) Sigilo empresarial (BNDES) e competência do TCU – sigilo X publicidade:“(…)no âmbito do Direito Público, a Administração, também, estaria pautada por princípios basilares estampados no art. 37 da CF, dentre eles o da publicidade, preceito que recomendaria a atuação transparente do agente público. Por se tratar de princípio, ele, também, comportaria exceções, todas fundadas no texto constitucional: a) o sigilo que fosse imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (CF, art. 5º, XXXIII), e b) o sigilo que dissesse respeito à intimidade ou ao interesse social (CF, art. 5º, LX). Nesse contexto, seria tarefa simples aceitar que a necessidade de preservação do sigilo bancário e empresarial poderia estar contida nas exceções constitucionais, seja porque resultante da reserva de segurança da sociedade, ou por representar um desdobramento da preservação da intimidade ou do interesse social. Em decorrência dessa premissa, o que se vedaria ao TCU seria a quebra do sigilo bancário e fiscal, “tout court”, consoante decisões proferidas no MS 22.801/DF (DJe de 14.3.2008) e no MS 22.934/DF (DJe 9.5.2012) no sentido de que a LC 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, não poderia ser manejada pelo TCU para que fosse determinada a quebra de sigilo bancário e empresarial. O caso em comento, entretanto, seria diferente dos referidos precedentes, porquanto a atuação do TCU teria amparo no art. 71 da CF e se destinaria, precipuamente, a controlar as operações financeiras realizadas pelo BNDES e pelo BNDESPAR. Cuidar-se-ia de regular hipótese de controle legislativo financeiro de entidades federais por iniciativa do Parlamento, que o fizera por meio da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados. Nesse particular, o referido órgão determinara ao TCU que realizasse auditoria nas operações de crédito envolvendo as citadas instituições financeiras, com fundamento no art. 71, IV, da CF. Ademais, não se estaria diante de requisição para a obtenção de informações de terceiros, mas de informações das próprias instituições, que contrataram terceiros com o emprego de recursos de origem pública. A pretensão do TCU seria o mero repasse de informações no seio de um mesmo ente da federação, e isso não ostentaria a conotação de quebra de sigilo bancário. Essa diferença seria relevante para legitimar a atuação da Corte de Contas, sob pena de inviabilizar o pleno desempenho de sua missão constitucionalmente estabelecida. (…)

O Colegiado ressaltou que a preservação, na espécie, do sigilo das operações realizadas pelo BNDES e BNDESPAR com terceiros, não apenas impediria a atuação constitucionalmente prevista para o TCU, como também representaria uma acanhada, insuficiente, e, por isso mesmo, desproporcional limitação ao direito fundamental de preservação da intimidade. Partindo-se da premissa de que nem mesmo os direitos fundamentais seriam absolutos, a identificação do seu núcleo duro e intransponível poderia ser feita por meio da teoria germânica da restrição das restrições, ou seja, a limitação a um direito fundamental, como o da preservação da intimidade, do sigilo bancário e empresarial, deveria inserir-se no âmbito do que fosse proporcional. Deveria haver, assim, uma limitação razoável do alcance do preceito que provocasse a restrição ao direito fundamental. Assim, quando um ato estatal limitasse a privacidade do cidadão por meio da publicidade de atos por ele realizados, haveria a necessidade de se verificar se essa contenção, resultante da divulgação do ato, se amoldaria ao que fosse proporcional. Essa ótica da publicidade em face da intimidade não poderia ir tão longe, de forma a esvaziar desproporcionalmente a tutela do dinheiro público. A insuficiente limitação ao direito à privacidade revelar-se-ia, por outro ângulo, lesiva aos interesses da sociedade de exigir do Estado brasileiro uma atuação transparente, incidindo em proteção deficiente. Nesse contexto, a teoria da restrição das restrições legitimaria a exigência do TCU dirigida ao BNDES para o fornecimento de dados sigilosos, na medida em que o sigilo bancário e empresarial comportaria proporcional limitação destinada a permitir o controle financeiro da Administração Publica por órgão constitucionalmente previsto e dotado de capacidade institucional para tanto.

(…) A Turma asseverou que a exigência de TCU de fornecimento dos documentos pelo BNDES satisfaria integralmente os subprincípios da proporcionalidade: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. (…) Outrossim, sob o ângulo consequencialista, seria preciso evitar um desastroso efeito sistêmico que uma decisão favorável aos impetrantes poderia provocar.”[18]

Resulta claro desse conjunto de acórdãos dos Tribunais Superiores que, em se tratando do exercício de funções do Estado e da necessidade de preservar a transparência, há clara indicação de primazia em favor da publicidade. Na ponderação em situações de tensão da publicidade com a proteção à intimidade e à privacidade, a jurisprudência tem fixado a importância de viabilizar o controle dos comportamentos públicos, a divulgação como instrumento de ensejar o exercício devido das atribuições estatais e o conhecimento pela sociedade dos aspectos basilares das atividades desenvolvidas pelos servidores.

5. As dificuldades do Brasil em observar a transparência e a publicidade

No Brasil, a normatização do acesso à informação pública por lei específica só sobreveio em 2011, quando mais de 90 (noventa) países tinham passado pela implantação de leis de acesso a informação. A Suécia teve a sua pioneira Lei de Liberdade de Imprensa (Freedom of the Press Act) ainda em 1766, fixando que todo indivíduo tem direito de acessar documentos públicos, salvo aqueles classificados como secretos. Já os EUA só em  04 de julho de 1966 teve a Lei de Liberdade de Informação (Freedom of Information Act – FOIA), quando da presidência do norte-americano Lyndon Johnson. Na América Latina, em 1888 a Colômbia franqueou o acesso a documentos do governo, sendo que, quando da edição da Lei brasileira nº 12.257, Chile, Colômbia, El Salvador, Equador, Peru, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Uruguai também já contavam com leis de transparência. Destaca-se, em especial, nessa matéria, a influência do México cuja legislação, de 2002, foi referência como normatização adequada ao prever instauração de sistemas rápidos de acesso, a serem supervisionados por órgão independente (IFAI -Instituto Federal de Acesso à Informação e Proteção de Dados).[19]

Entre nós, malgrado dispositivos da CR como o art. 5º, XXXIII (todos têm direito de receber dos órgãos públicos informações do seu interesse particular, ou interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado); art. 5º, XIV; art. 37, § 3º, II e art. 216, § 2º, tivemos grande dificuldade em operacionalizar a publicidade em face dos órgãos públicos e entidades administrativas. Foram inúmeros instrumentos normativos sobre o sigilo (como o Decreto Federal nº 4.553, de 27.12.2002 e o Decreto Federal nº 5.301, de 09.12.2004), sem menção suficiente aos instrumentos necessários à transparência administrativa.

Diplomas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, que exigiu publicidade de dados de orçamento e despesa, iniciaram uma mudança de paradigma normativa, seguindo-se outros como a chamada “Lei da Transparência”, que  estabeleceu a criação dos portais da transparência, leis de processo administrativo (como a Lei Federal nº 9.784), a chamada “lei do habeas data”, a “lei de arquivos”, sem mencionar leis de diretrizes orçamentárias que passaram autorizar acesso de entidades não governamentais a diversos bancos de dados.

A pressão iniciada em 1992, com a “Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”, com instituições internacionais indicando a importância de implementar políticas de participação pública e acesso à informação aliou-se a algumas medidas inicialmente esparsas, como a criação de “sites” para disponibilizar dados sobre contas públicas, desenvolvimento de programas para informar a população sobre comportamentos diversos, além de entidades cujas atividades voltaram-se à obtenção de dados junto ao Estado. O acesso aos documentos que, embora em mãos do Estado, são de claro interesse coletivo, tornou-se um objetivo não apenas legitimado à luz do ordenamento constitucional e infra-constitucional, mas buscado em determinadas searas.

Embora sejam claras as dificuldades de, na prática, efetivar o acesso amplo a informações e aos documentos produzidos pelo Estado, reforça-se a imperiosidade da transparência para a consolidação da democracia e o aumento das noções de cidadania. Com efeito, só teremos participação popular e controle social se as pessoas tiverem conhecimento dos comportamentos dos agentes públicos. Isso sem mencionar outros ganhos como o uso dos dados divulgados para aperfeiçoar a gestão administrativa e o planejamento das políticas estatais, ensejando maior credibilidade do Poder Público em face da sociedade. Ademais, nos países em que há maior transparência, os indicadores de corrupção são mais reduzidos, evitando-se práticas que variam desde a atuação de lobistas até o desvio de montantes do erário, com fiscalização possível pelos próprios cidadãos.

O desafio que se coloca, portanto, é reconhecer a transparência pela concreção da publicidade como um direito subjetivo público, verdadeiro direito humano fundamental a que todos fazemos jus em um Estado Democrático de Direito.

 

 

[1] PASTOR SANTAMARÍA, Juan Alfonso. Principios de derecho administrativo general. 1ª ed. Reimp. Madrid: Iustel, 2005. v. 1. p. 116

[2] MOTTA, Fabrício. Função Normativa da Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 112

[3] RAMOS, Gisela Gondin. Princípios jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 413-414

[4] RAMOS, Gisela Gondin. Princípios jurídicos. op. cit., p. 413.

[5] VALIM, Rafael. O direito fundamental de acesso à informação pública. In Acesso à Informação Pública. VALIM, Rafael. et al (coordenadores). Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 35.

[6] VALIM, Rafael. O direito fundamental de acesso à informação pública. In Acesso à Informação Pública. VALIM, Rafael. et al (coordenadores). Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 35.

[7] HEINEN, Juliano. Comentários à Lei de Acesso à Informação. Lei nº 12.527/2011. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 22.

[8] ARAÚJO, Edmir Netto de. “Curso de Direito Administrativo”, SP, Saraiva, 2005, p. 58-59.

[9] MC na ADI nº 4.264-PE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno do STF, noticiado no Informativo 619 do STF, Informativo 629 do STF.

[10] RMS nº 21.554-MG, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma do STJ, Informativo 443 do STJ.

“Muito embora não houvesse previsão expressa no edital do certame de intimação pessoal do candidato acerca da sua convocação, em observância aos princípios constitucionais da publicidade e da razoabilidade, a Administração Pública deveria convocar pessoalmente o candidato, para que pudesse exercer, se fosse de seu interesse, seu direito à nomeação e posse.” (Agravo Regimental no RMS nº 23.467-PR, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma do STJ, DJe de 25.03.2011)  No mesmo sentido: RMS nº 23.106-PR, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma do STJ, DJe de 06.10.2010

[11] ADI nº 2.444-RS, rel. Min. Dias Toffoli, Pleno do STF, julgamento em 06.11.2014, Informativo 766 do STF

[12] Reclamação nº 11.949-RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno do STF, Informativo 857 do STF

[13] MS 28.178-DF, rel. Min. Roberto Barroso, Pleno do STF, julgamento em 04.03.2015, Informativo 776 do STF

[14] Repercussão Geral no ARE nº 652.777-SP, rel. Min. Teori Zavascki, Pleno do STF, julgamento em 23.04.2015, Informativo 782 do STF

No mesmo sentido, confira-se: Agravo Regimental na Suspensão de Segurança nº 3.902, rel. Min. Ayres Britto, Pleno do STF, Informativo 630 do STF

[15] HC nº 102.819-DF, rel. Min. Marco Aurélio, noticiado no Informativo 622 do STF, Informativo 629 do STF

[16] MS nº 20.895-DF, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Seção do STJ, julgamento em 12.11.2014, Informativo nº 552 do STJ

[17] MS nº 16.179-DF, rel. Min. Ari Pargendler, 1ª Seção do STJ, julgamento em 09.04.2014, Informativo nº 543 do STF

[18] MS nº 33.340-DF, rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, julgamento em 26.5.2015, Informativo 787 do STF

[19] Excelente estudo sobre a normatização do direito de acesso à informação em diversos países: MENDEL, Toby. Liberdade de informação: um estudo de direito comparado. Disponível em http://www.acessoainformacao.gov.br/central-de-conteudo/publicacoes/arquivos/liberdade-informacao-estudo-direito-comparado-unesco.pdf. Acesso em 30.10.2018

 

[5] VALIM, Rafael. O direito fundamental de acesso à informação pública. In Acesso à Informação Pública. VALIM, Rafael. et al (coordenadores). Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 35.

[6] VALIM, Rafael. O direito fundamental de acesso à informação pública. In Acesso à Informação Pública. VALIM, Rafael. et al (coordenadores). Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 35.

[7] HEINEN, Juliano. Comentários à Lei de Acesso à Informação. Lei nº 12.527/2011. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 22.

[8] ARAÚJO, Edmir Netto de. “Curso de Direito Administrativo”, SP, Saraiva, 2005, p. 58-59.

[9] MC na ADI nº 4.264-PE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno do STF, noticiado no Informativo 619 do STF, Informativo 629 do STF.

[10] RMS nº 21.554-MG, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma do STJ, Informativo 443 do STJ.

“Muito embora não houvesse previsão expressa no edital do certame de intimação pessoal do candidato acerca da sua convocação, em observância aos princípios constitucionais da publicidade e da razoabilidade, a Administração Pública deveria convocar pessoalmente o candidato, para que pudesse exercer, se fosse de seu interesse, seu direito à nomeação e posse.” (Agravo Regimental no RMS nº 23.467-PR, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma do STJ, DJe de 25.03.2011)  No mesmo sentido: RMS nº 23.106-PR, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma do STJ, DJe de 06.10.2010

[11] ADI nº 2.444-RS, rel. Min. Dias Toffoli, Pleno do STF, julgamento em 06.11.2014, Informativo 766 do STF

[12] Reclamação nº 11.949-RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno do STF, Informativo 857 do STF

[13] MS 28.178-DF, rel. Min. Roberto Barroso, Pleno do STF, julgamento em 04.03.2015, Informativo 776 do STF

[14] Repercussão Geral no ARE nº 652.777-SP, rel. Min. Teori Zavascki, Pleno do STF, julgamento em 23.04.2015, Informativo 782 do STF

No mesmo sentido, confira-se: Agravo Regimental na Suspensão de Segurança nº 3.902, rel. Min. Ayres Britto, Pleno do STF, Informativo 630 do STF

[15] HC nº 102.819-DF, rel. Min. Marco Aurélio, noticiado no Informativo 622 do STF, Informativo 629 do STF

[16] MS nº 20.895-DF, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Seção do STJ, julgamento em 12.11.2014, Informativo nº 552 do STJ

[17] MS nº 16.179-DF, rel. Min. Ari Pargendler, 1ª Seção do STJ, julgamento em 09.04.2014, Informativo nº 543 do STF

[18] MS nº 33.340-DF, rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, julgamento em 26.5.2015, Informativo 787 do STF

[19] Excelente estudo sobre a normatização do direito de acesso à informação em diversos países: MENDEL, Toby. Liberdade de informação: um estudo de direito comparado. Disponível em http://www.acessoainformacao.gov.br/central-de-conteudo/publicacoes/arquivos/liberdade-informacao-estudo-direito-comparado-unesco.pdf. Acesso em 30.10.2018

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