Parecer jurídico: o que é? quem pode elaborar? como fazer? (referências)

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1. Introdução

São inúmeras as dúvidas que os profissionais do direito enfrentam quando abraçam a atividade de consultoria e assessoramento jurídico a exigir a emissão de pareceres jurídicos de complexidades de níveis diversos. Em tempos de inteligência artificial e de informações múltiplas no mundo virtual, é comum encontrarmos “modelos” que se afirmam soluções para todos os problemas. Não é difícil imaginar que tais promessas não se sustentam no cotidiano complexo da Administração Pública. E o que se anunciou solução, termina sendo um problema maior do que a tentativa de construir o próprio modo de elaborar o parecer necessário.

Na tentativa de viabilizar uma compreensão adequada do tema, foram selecionadas algumas das melhores referências, organizadas de modo estruturado, com indicações bibliográficas que permitirão o aprofundamento da pesquisa.

Também consta ao fim do texto: a) o exame do tema (parecer jurídico – quem pode emitir?) no formato que é necessário absorver, seguindo-se a linha de densidade adequada aos temas complexos, com destinatários capazes de compreender o raciocínio desenvolvido; b) referências específicas do tema “licitação e contratos administrativos” (um artigo doutrinário que pode servir como marco teórico, ainda após a aprovação da Nova Lei de Licitações e slides de uma palestra sobre os problemas que os pareceres jurídicos podem encontrar nos procedimentos licitatórios).

 

2. Atividades de consultoria e assessoramento jurídico

Consultoria jurídica e assessoramento jurídico no âmbito federal –  “Nos termos da legislação específica, a atividade de consultoria jurídica compreende pronunciamentos típicos exteriorizados em expedientes e mediante figuras de manifestação formais, ao passo que a atividade de assessoramento jurídico abrange outras atividades decorrentes do exercício das atribuições próprias da função de Advogado Público Federal, a exemplo de orientações jurídicas prestadas em reuniões, por interlocuções telefônicas, por mensagens eletrônicas ou por outros meios de exteriorização de menor formalismo, conforme também disciplinadas em lei ou norma específica da AGU.” (Enunciado 45 do Manual de Boas Práticas  Consultivas da AGU. 4. ed., 2016)

Atividade de consultoria e assessoramento jurídico –  características:

– comprometimento com o ordenamento (XAVIER, Gabriela Costa; XAVIER, Camila Costa. Responsabilização do advogado público pela emissão de parecer jurídico. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3484, publicado em 14 de janeiro de 2013. Disponível em https://jus.com.br/artigos/23451. Acesso em 19 de outubro de 2017)

– “Sendo assim, a função de assessoria jurídica guarda natureza nitidamente preventiva e orientativa. Por meio de seu atuar, o causídico, antecipando os efeitos jurídicos das ações administrativas que se lhe encaminham, procura, como fim último, evitar vícios de legalidade que possam causar a nulidade de atos administrativos que lhes são submetidos para apreciação, ou ainda apresentar caminhos juridicamente adequados para que o Gestor Público adote as corretas medidas para atendimento da necessidade coletiva.” (CHAVES, Luiz Cláudio de Azevedo. O Exercício da função de Assessor Jurídico nos processos licitatórios: competências e responsabilidades. Disponível em http://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/viewFile/42/37. Acesso em 12 de outubro de 2017)

– Abrangência e limites: “A atividade de assessoria jurídica, em singela intelecção, destina-se a assessorar a interpretação e aplicação do ordenamento jurídico. Cabe ao assessor jurídico indicar os caminhos para a correta compreensão e cumprimento das normas – regras e princípios – por parte do administrador público.” (MOTTA, Fabrício Macedo. A atividade de assessoria jurídica no procedimento licitatório: fundamentos e limites. Direito e Administração Pública: estudos em homenagem a Maria Sylvia Zanella di Pietro.Organizadores Floriano de Azevedo Marques Neto, Fernando Dias Menezes de Almeida, Irene Patrícia Nohara e Thiago Marrara. São Paulo: Atlas, 2013, p. 896)

 

3. Espécies (facultativo, obrigatório e vinculante)

Parecer – Classificação

Doutrina tradicional do Direito Administrativo já classificava os pareceres jurídicos em:

– facultativo

– obrigatório

– vinculante

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello:

Parecer facultativo: consiste em opinião emitida por solicitação de órgão ativo ou de controle, sem que qualquer norma jurídica determine sua solicitação, como preliminar à emanação do ato que lhe é próprio. Por outro lado, fica a seu critério adotar, ou não, o pensamento do órgão consultivo. Consiste, destarte, em exercício de poder discricionário quanto ao pedido, e à efetivação do ato relativamente ao parecer. Este, portanto, externamente, não tem relevância jurídica, salvo se o ato a ele se reportar.

Parecer obrigatório: consiste em opinião emitida por solicitação de órgão ativo ou de controle, em virtude de preceito normativo que prescreve sua solicitação, como preliminar à emanação do ato que lhe é próprio. Constituem a consulta e o parecer fases necessárias do procedimento administrativo.

Parecer vinculante, ou (parecer conforme): é o que a Administração Pública não só deve pedir ao órgão consultivo, como deve segui-lo ao praticar o ato ativo ou de controle. Encerra regime de exceção, e só se admite quando expressamente a lei ou o regulamento dispõem nesse sentido. O ato levado a efeito em desconformidade com o parecer se tem como nulo.

(BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios Gerais de Direito Administrativo. v. I – Introdução. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 584)

 

3.1. Divergência quanto ao “parecer vinculante”

Sobre a existência de parecer vinculante, ou não, no âmbito do Direito Administrativo: divergência.

Posição que exclui a ideia de “parecer” vinculante: Parecer obrigatório e não vinculante como se denota do art. 42 da Lei Federal 9.784/99. Citando Adilson Dallari, Motta lembra a incongruência de tentar dar a característica de ‘vinculante’ a um parecer, pelo raciocínio lógico de que parecer vinculante não é parecer, é decisão. Parecer é manifestação opinativa (não ato) agregada como elemento de fundamentação ulterior do ato administrativo conforme artigo 50 par 1 da Lei 9.784. “Essa correta compreensão foi adotada pelo STF no Mandado de Segurança 24.073-3/DF, de relatoria do Ministro Carlos Mário Velloso, mas esquecida pela maioria votante, no julgamento do MS-24584/DF, em 2007.” (CHARLES, Ronny. Leis de Licitações Comentadas. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 242)

Diogo Figueiredo: “16. Em suma: (1) nenhuma lei poderia transformar a investidura de um agente jurídico com função advocatícia constitucional essencial à justiça, para atribuir-lhe funções administrativas extroversas incompatíveis com sua investidura e com seus inafastáveis requisitos de autonomia, como, tampouco, (2) nenhuma lei poderia desnaturar-lhe um ato próprio do controle de legalidade, característico de seu ministério, que é o Parecer jurídico – para transmutá-lo em mero ato de gestão administrativa” Decisão administrativa em relação ao parecer é sempre ato principal (parecer ato acessório). (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A responsabilidade do advogado do Estado. Revista de Direito da Procuradoria Geral. Rio de Janeiro: Centro de Estudos Jurídicos (CEJUR), 2008, v. 63, p. 107)

Luiz Cláudio de Azevedo Chaves:

– “Manifestando-se por meio de pareceres, o Assessor Jurídico não pratica ato decisório, expedindo atos apenas de cunho opinativo, muito embora, como se verá adiante, alguns atos opinativos são revestidos de força vinculante. Hely Lopes Meirelles bem definiu pareceres administrativos como sendo “manifestações de órgãos técnicos sobre assuntos submetidos à sua consideração.” Para o saudoso mestre, o parecer possui caráter exclusivamente opinativo, não acarretando vinculação da autoridade a que serve de consultor ou tampouco os particulares “à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subseqüente.” Complementa o raciocínio acrescentando que o ato administrativo, em si, é o ato que aprova o parecer, e este, poderá apresentar-se com a roupagem de ato normativo, ordinário, negocial ou punitivo. A doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello é no mesmo sentido. Na visão do ilustrado jurista, os pareceres são atos de administração consultiva e são aqueles que “visam a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa.

Mas não é sempre que o órgão jurídico é instado a ofertar parecer por ato de vontade da autoridade competente. Em algumas situações previstas em lei, a regularidade do ato que será (ou deverá ser) deflagrado, será dependente de análise jurídica prévia. Nessas hipóteses, o encaminhamento ao setor jurídico deixa de ser mera consulta para se tornar parte do devido processo legal.”

– sobre três espécies de pareceres: facultativo, obrigatório e vinculante:

“(…)esse entendimento ainda nutre certa controvérsia. A questão gira em torno da efetividade do parecer como ato administrativo. A doutrina pátria, em sua maioria, adota, conforme já visto, o entendimento segundo o qual o parecer sempre se constituirá um ato enunciativo, uma opinião técnica; jamais um ato administrativo, porquanto o ato administrativo em si (com característica de auto-executoriedade) é aquele proferido pela autoridade administrativa competente. Carlos Pinto Coelho Motta apud Dalari aponta o caráter vinculante da natureza própria do parecer jurídico proferido no processo licitatório, senão, veja-se:

“A incongruência de tentar dar a característica de “vinculante” a um parecer, pelo raciocínio lógico de que parecer vinculante não é parecer, é decisão. O parecer jurídico não se constitui como ato administrativo, representando apenas uma manifestação opinativa, que pode ser agregada como elemento de fundamentação ao ulterior ato administrativo, nos termos permitidos pelo §1. do art. 50 da Lei n. 9.784/99.”

Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari fortalecem a tese de que o parecer vinculante é a própria decisão e, portanto, caracteriza-o de forma absoluta como peça opinativa:

‘Parecer jurídico, portanto, é uma opinião técnica dada em resposta a uma consulta, que vale pela qualidade de seu conteúdo, pela sua fundamentação, pelo seu poder de convencimento e pela respeitabilidade científica de seu signatário, mas que jamais deixa de ser uma opinião. Quem opina, sugere, aponta caminhos, indica uma solução, até induz uma decisão, mas não decide.

Contudo, a jurisprudência do STF acomodou-se no mesmo diapasão de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, que serviu de pilar para a lição de Di Pietro, suso citada. No julgamento do MS 24.584, o Eminente Min. Joaquim Barbosa, em seu voto-vista, adotando a doutrina francesa da pena de Réné Chapus11, reconhece a existência de uma espécie de parecer a qual se reveste de força vinculante (característica que não se nega ser típica dos atos administrativos propriamente ditos), dependendo da obrigação que a lei impõe ao administrador proceder ou não à consulta. Entende que caso a lei estabeleça a obrigação de “decidir à luz de parecer vinculante ou conforme (décider sur avis conforme), o administrador não poderá decidir senão nos termos da conclusão do parecer, ou, então, não decidir.1 (grifos do original)

Prossegue o festejado Ministro da Corte Suprema, salientando que, nos casos de a lei estabelecer a obrigação de o gestor decidir na conformidade do parecer, caso não o faça, seu ato estará “maculado por vício de competência.” Mais adiante, no julgamento do MS 24.631, o emérito Magistrado, agora na qualidade de Relator, reafirmando a posição sustentada no julgado anterior, consignou em seu voto que:

“Nos casos de definição, pela lei, de vinculação do ato administrativo à manifestação favorável no parecer técnico jurídico, a lei estabelece efetivo compartilhamento do poder administrativo de decisão, e assim, em princípio, o parecerista pode vir a responder conjuntamente com o administrador, pois ele é também administrador nesse caso.”

De fato, não vejo como não admitir a classificação das espécies de pareceres para reconhecer que, em certos casos, a consulta assume, sim, a condição de pressuposto de perfeição do ato. Claro que o parecer, de per si, não é, e nunca será, capaz de criar efeitos jurídicos (criar, extinguir ou modificar direitos), mas sim o ato subseqüente a ele. Mas, se o ato subseqüente somente puder ser deflagrado na conformidade do parecer prévio (avis conforme, como dizem os franceses), fica nítido que o parecer não apenas integra a motivação do ato, mas é parte dele.” (CHAVES, Luiz Cláudio de Azevedo. O Exercício da função de Assessor Jurídico nos processos licitatórios: competências e responsabilidades, op. cit.)

“Além disso, aparentemente não existe, no Brasil, parecer vinculante, ao menos na forma como o Ministro Joaquim Barbosa definiu: hipótese legal que obrigue o administrador a ‘decidir’ conforme o parecer ou, então, a nada decidir. Em todos os casos, mesmo naqueles em que a manifestação das assessorias jurídicas é obrigatória, a autoridade sempre poderá refazer/modificar sua proposta de ação e, assim, submeter novamente a questão à análise jurídica. Simplesmente não faz sentido uma situação em que a lei obrigue o administrador a ‘decidir’ conforme o parecer (as aspas se justificam porque, em termos lógicos, inexistiria qualquer decisão), ou a nada decidir.”

Nota 11. “Mesmo na hipótese dos chamados ‘pareceres normativos’, coisa mais próxima à idéia de ‘parecer vinculante’ que conseguimos imaginar, sempre será possível rediscutir as hipóteses fáticas em relação às quais eles irão incidir, ou o administrador poderá mudar seu curso de ação – confundindo-se o conceito com o de ‘parecer obrigatório’ -, ou mesmo a autoridade poderá solicitar sua revisão diante de um novo quadro fático, doutrinário ou jurisprudencial. Não há, enfim, nada como uma vinculação absoluta da Administração Pública a um parecer.”

– “De resto, não é possível acreditar que o parecerista vire administrador, com todas as consequências práticas do conceito (prestação de contas ao Tribunal de Contas etc.), apenas porque a lei determina, em certos casos, a elaboração de opinião.”

– Parecer é obrigatório quanto à presença; mesmo no caso do art. 38 há consenso no STF e TCs de que a autoridade administrativa pode deixar motivadamente de segui-lo, arcando com os riscos. (MENDONÇA, José Vicente Santos de. A responsabilidade pessoal do parecerista público em quatro standards. Boletim de Direito Administrativo, junho de 2010, p. 709-710)

 

Sobre natureza não vinculante – Manual do TCU (2010):

“O parecer jurídico e técnico não vincula o gestor, que tem a obrigação de examinar a correção dos pareceres, até mesmo para corrigir eventuais disfunções na administração e, portanto, não afasta, por si só, a sua responsabilidade por atos considerados irregulares pelo Tribunal de Contas da União. Acórdão 206/2007 Plenário (Sumário)” (p. 270)

 

4. Composição de um parecer jurídico

(Referência: Júlio Esteves do Santos – Congresso Brasileiro do IBDA – ano 2017)

Cabeçalho:

Numeração: Parecer nº

Origem ou referência: Processo nº

Ementa

Interessado ou endereçamento

 

Desenvolvimento:

Relatório

Fundamentação

Desfecho:

Conclusão

Local e data

Assinatura/posto funcional/ registro OAB

 

Ementa: Síntese lógica e coordenada das principais palavras-chaves ou expressões utilizadas no parecer, conduzindo a um resumo do assunto versado na análise e a conclusão. Exemplo: Licitação pública. Contratação direta por exclusividade do favorecido. Ausência de documentação comprobatória. Não configuração de situação de inexigibilidade de licitação. Art. 25, I, da Lei nº 8.666/93.

Interessado: Em regra, o órgão ou autoridade administrativa consulente.

Relatório: Resumo da questão posta na consulta. Um fecho bastante usual do relatório: “É o relatório, passa-se a opinar”.

Fundamentação: Análise jurídica da questão posta na consulta, mediante exploração dos institutos e das normas jurídicas aplicáveis, seguida de argumentação que dê base à conclusão. Razões de fato e de direito que dão sustentação  ao entendimento defendido. Na hipótese de o assunto envolver polêmica, é importante situá-la com as correntes doutrinárias e jurisprudenciais que existam sobre a matéria. Se o problema apresenta várias indagações, a resposta  em tópicos surge como uma boa alternativa.

Conclusão: Parte em que se responde à consulta, aplicando-se ao caso concreto a tese jurídica aplicável, segundo a argumentação contida no tópico da fundamentação. Deve ser suficientemente clara, de modo que a autoridade competente  para decidir possa entendê-la, mesmo que não tenha formação jurídica. É comum a utilização, no final da conclusão, de expressões como:“É o parecer, s.m.j.” ou “É o parecer. À consideração superior”.

Colocar local, data e a assinatura do parecerista.

 

5. Parecer Jurídico na licitação

– Art. 38 da Lei 8.666: O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente:

(…) VI – pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade;

(…) Parágrafo único. As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.

 

5.1. Objetivo

Objetivo do parecer jurídico nos procedimentos licitatórios: “Esse prévio controle de que leis, regulamentos e a jurisprudência dos Tribunais de Controle Externo incumbem à assessoria jurídica tem por evidente propósito prevenir a adoção, em editais ou contratos e instrumentos congêneres, de disposições contrárias à ordem jurídica, bem como de precatar perdas e danos patrimoniais que a posterior atuação repressiva de controle externo não poderá recuperar, na maioria das vezes (…)”. Necessidade de o exame balizar-se pelo bloco de legalidade – valores, princípios, políticas públicas e objetivos que se deduzem da ordem jurídica: princípio da juridicidade. (PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Dotti Marinês Restelato. Assessoria jurídica e controle de juridicidade das licitações e contratações administrativas. Boletim de Licitações e Contratos, fev. 2015, ano 28, n. 1, p. 120 e 122)

 

Ronny Charles: O parágrafo único do artigo 38 traz expresso o caráter preventivo da análise pela assessoria jurídica: permite controle preventivo da legalidade, evita relações contratuais ilegais, equivocadas ou prejudiciais ao interesse público. Assim, imagina-se evitar a concretização de ato danoso ao Erário e materialização de prejuízos que a atuação repressiva não consegue recuperar. (CHARLES, Ronny. Leis de Licitações Comentadas. op. cit., p. 240)

 

5.2. Abrangência:

“Não é difícil perceber que a lei prevê diferentes possibilidades e graus de análise jurídica. Inicialmente, a análise jurídica das minutas de editais contratos, acordos, convênios é obrigatória, consistindo em etapa necessária de qualquer procedimento licitatório. A minuta, como se sabe, é um esboço inicial que não produz, de per si, efeitos jurídicos. A lei não impõem a análise obrigatória, por exemplo, do contrato administrativo (firmado, apto a produzir os seus efeitos jurídicos para as partes), mas somente de sua minuta, que constitui anexo do edital (art. 40, 2, III). Em se tratando de contratação direta, a minuta do futuro contrato também deve ser aprovada.”  (MOTTA, Fabrício Macedo. A atividade de assessoria jurídica no procedimento licitatório: fundamentos e limites. Direito e Administração Pública: estudos em homenagem a Maria Sylvia Zanella di Pietro. op. cit., p. 894)

– “O parágrafo único do art. 38 da Lei n 8.666/1993 não é expresso quanto à obrigatoriedade de que cada procedimento licitatório ou contratação direta tenha a respectiva minuta submetida a exame e aprovação pela assessoria jurídica. Contudo, em vista das peculiaridades de cada caso concreto e havendo dúvida acerca da perfeita identidade das minutas, há de prevalecer a regra geral de colher-se a manifestação do órgão jurídico. Se houve alteração nas normas de regência após a aprovação das minutas padronizadas, impõe-se, também nesse caso, a remessa das novas minutas ao exame e aprovação da assessoria jurídica.” (PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Dotti Marinês Restelato. Assessoria jurídica e controle de juridicidade das licitações e contratações administrativas. Boletim de Licitações e Contratos, fev. 2015, ano 28, n. 1, p. 124)

 

5.2.1. Parecer jurídico na modalidade licitatória de Convite: divergências

– omissão legislativa em se referir à carta convite: divergência doutrinária.

Posição 1: TCEMG – Parecer jurídico no convite desnecessário; carta convite não sujeita à exigência do art. 38, parágrafo único que só exigiu exame, pela assessoria jurídica, dos editais (Processo Administrativo 705142, rel. Conselheiro Subst. Licurgo Mourão, TCEMG, Sessão do dia 24.07.2007)

Manual do TCU (2010): Minutas de editais de licitação, contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração. Quanto a convite, é dispensável aprovação das respectivas minutas. A legislação não exige que os atos convocatórios de licitações realizadas nessa modalidade sejam examinados pelo setor jurídico.

Dispensa de parecer prévio da assessoria jurídica para convite não afasta a obrigatoriedade do exame prévio das minutas de contrato decorrente, haja vista a análise exigida independer da modalidade de licitação a realizar-se.

Controvérsia delineada – posição 2: “II.b. A segunda questão recebeu maior atenção da Doutrina. Rememorando, se indaga a necessidade da minuta de convite ser submetida ao exame jurídico, tendo em vista não se tratar de Edital em sentido estrito?  Jessé Torres Pereira Junior é bastante enfático ao afirmar que ao referir se a minutas de editais, a lei exclui do exame jurídico prévio o ato convocatório do convite, que é a carta, exclusão que se presume devida ao baixo valor do objeto e a simplicidade do procedimento que caracterizam tal modalidade. Porém, adverte o renomado doutrinador:  Todavia, convém que o convite siga modelos aprovados pelo órgão jurídico da Administração.

Maria Sylvia Zanella de Pietro segue na mesma direção: (…) há de se observar que a lei, qu ando quis referir-se genericamente ao edital e à carta-convite, falou em instrumento ou ato convocatório, como ocorre nos arts. 3°,  caput, e § 1º, inc. I; 62, § 1º etc.  (…)

(…) III. b .  A regra que prevê o exame e prévia aprovação de assessoria jurídica às minutas de edital estende-se também às licitações realizadas na modalidade Convite.  Observe-se tratar-se de medida necessária nas demais formas de contratação pela Administração.  A leitura crítica dos demais dispositivos da Lei nº 8.666/93 mostra que a expressão editais , ainda que se possa fazer críticas quanto a seu acerto técnico, é utilizada de forma indiscriminada e até mesmo fazendo expressa referência ao Convite, desautorizando interpretação fundadas no rigor sistemático que, ainda que recomendável, inexistente no caso concreto.  Por fim cabe apontar que o Tribunal de Contas de União vem reiteradamente decidindo pela necessidade de exame e aprovação da assessoria jurídica nos Convites.” (BLIACHERIS, Marcos Weis. Questões práticas atinentes ao parecer jurídico em licitações e contratos administrativos. Disponível em www.agu.gov.br/page/download/index/id/680225. Acesso em 17.10.2017)

Posição 2 – Ronny Charles: “Interessante que a norma não tratou acerca do exame do ato convocatório do convite. Para alguns, o legislador presumiu a desnecessidade em virtude da menor dimensão desses certames. O próprio TCU tem apontado entendimento de que, no caso do convite, essa análise é desnecessária. Nesse sentido, ele determinou a sua Secretaria de Administração que cientificasse às Unidades Gestoras Regionais acerca da necessidade de submeter os processos licitatórios à oitiva prévia da Consultoria Jurídica, exceto para os casos de Convite (TCU – Acórdão n 2.347/2006 – Plenário). Esse entendimento é identificado, também, na obra de orientações básicas, publicadas pelo TCU (2006, p. 57). Na citada publicação, é apresentado, como paradigma, trecho do Relatório do Ministro Ubiratan Aguiar, no Acórdão n 595/2001 da Segunda Câmara. Segundo tal manifestação, o parágrafo único do artigo 38 não seria aplicável às minutas do convite.” (CHARLES, Ronny. Leis de Licitações Comentadas. 4. Ed. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 242)

– Não obstante, o TCU registra que “as minutas de contratos advindos de convites devem, necessariamente, ser examinadas pela assessoria jurídica do órgão.” “Assim, para o TCU, embora seja dispensada a análise das minutas de convite (pelo órgão de assessoria jurídica), tal exame é obrigatório, em relação às minutas contratuais, mesmo que relacionadas a tal modalidade.”

Com base no entendimento adotado pelo TCU, no caso de licitação realizada na modalidade convite, parece correto o procedimento de envio do processo para o órgão de assessoramento jurídico, para análise e aprovação jurídica, ao menos, da minuta contratual, antes da realização da licitação.” (CHARLES, Ronny. Leis de Licitações Comentadas. op. cit., p. 243)

– Posição mais rígida: necessária não apenas a prévia análise da minuta contratual, mas aprovação prévia do instrumento convocatório. Nos termos do artigo 62, par. 1, a minuta do futuro contrato integra edital ou ato convocatório. “Como parte integrante, não há como dissociar a análise jurídica realizada, o que justifica que o parecerista examine eventuais disposições do certame, introduzidas na minuta do instrumento convocatório do convite, junto com a minuta contratual.” Mesmo nos convites que dispensam minuta de contrato (art. 62): necessária apreciação jurídica sobre minuta do respectivo instrumento convocatório. Quando “ultrapassamos a exegese tradicional, buscando identificar a função da norma estabelecida pelo parágrafo único do artigo 38 da Lei Geral de Licitações, verificamos que sua intelecção deve ser ampla.” A modalidade de convite também traz em si necessidade de instrumento convocatório para o certame, que nada mais é que edital. Regras do edital são, pois, aplicáveis ao instrumento convocatórios do convite (art. 21 parags 1 a 4; art. 22, par. 9, art. 23, par 7; artigos 41 e 47 entre outros). (CHARLES, Ronny. Leis de Licitações Comentadas. op. cit., p. 244)

– Sérgio Honorato dos Santos:  Se o objeto da análise pela Assessoria Jurídica é verificar a conformidade do ato convocatório com as exigências legais, evitando, ou pelo menos diminuindo, os riscos de ferir a legalidade ou de futuros questoinamentos que comprometam o andamento do certame, não há óbice a esse procedimento no caso de carta-convite (uma das modalidades de licitação). Impõe-se, portanto, o dever legal de remeter todo o processo ao exame da Assessoria Jurídica do órgão ou entidade licitadora para emissão de juízo de valor acerca das disposições elgais e regulamentares. (SANTOS, Sérgio Honorato dos. Carta-Convite – O exame prévio e a aprovação da assessoria jurídica – Breves Anotações. Boletim de Licitações e Contratos, junho de 2010, p. 564)

TCEMG – Recurso de Revisão 684.518, rel. Gilberto Diniz, TCEMG, sessão de 08.08.2007: Não faria sentido o legislador dispensar a obrigatoriedade do exame jurídico prévio do ato convocatório do convite e exigi-lo para o instrumento do contrato, que, pelo princípio da vinculação ao instrumento convocatório, submete-se integralmente às cláusulas e condições estabelecidas na carta-convite. A formalidade exigida no parágrafo único do art. 38 da Lei n. 8.666/93 destina-se, pois, a prevenir irregularidades e defeitos que poderiam comprometer a realização do certame e a futura contratação, não estando o administrador desobrigado a submeter a carta-convite a prévia aprovação do órgão jurídico se peculiaridades do objeto ou mesmo de execução contratual o exigirem. No caso em exame, não há sequer relato de ocorrência de prejuízo à Administração ou aos licitantes.

 

5.2.2. Contratação direta e parecer jurídico: divergências

Posição 1 – não obrigatoriedade: “A compulsoriedade legal, no entanto, não alcança os atos de dispensa e de inexigibilidade de licitação. (…) a LLC não exige expressamente que se submeta a matéria à apreciação e à aprovação dos assessores jurídicos. Assim, apesar de bastante recomendável que a decisão pela dispensa ou pela inexigibilidade esteja respaldada em parecer jurídico, em não havendo exigência legal para a consulta, a manifestação do parecerista jurídico não se reveste de caráter vinculante, mas opinativo.” (Acórdão 2121/10, Pleno do TCU)

– “A atuação do Assessor nos casos de dispensa e de inexigibilidade de licitação (…) A lei não impõe ao administrador a obrigação de ouvir seu órgão jurídico. Ao encaminhar os autos desses processos à assessoria jurídica, o administrador age discricionariamente (poderia perfeitamente deixar de fazê-lo). E, ao recebê-lo, o parecerista expede mera opinião técnica sobre preencher ou não os requisitos legais a hipótese que lhe fora submetida. Assim, o parecerista que se manifesta nesses processos não “aprova” ou “desaprova” a contratação direta. Opina se é ou não caso hipótese de dispensa ou inexigibilidade bem como se seus requisitos legais estão devidamente apontados nos autos. Portanto, seu parecer é de caráter facultativo. Eventual ilegalidade da contratação sem licitação, ainda que calcada em parecer jurídico, não eximirá a responsabilidade do administrador. E somente se estenderá tal responsabilidade ao parecerista quando comprovada a negligência ou imperícia na sua atuação profissional.

Esse foi exatamente o caso tratado no pelo Supremo Tribunal Federal no MS 24.073, da relatoria do Eminente Min. Carlos Veloso. A ação cuidava de ato relativo a uma inexigibilidade de licitação, calcada em parecer jurídico favorável, na qual o TCU considerara ilegal. Naquela assentada, o nobre relator reconheceu que “(…) se tratava de hipótese de parecer manifestamente não vinculante (interpretação de dispositivos da lei de licitações relativo a hipóteses de dispensa e inexigibilidade do certame licitatório).”

Poder-se-ia argumentar, apenas por ao apego ao debate, que o fato de as minutas de contratos serem necessariamente precedidas de análise e aprovação da assessoria jurídica (art. 38, par. único da Lei 8.666/93), os contratos oriundos das dispensas e inexigibilidade de licitação estariam submetidos ao mesmo crivo, tornando a natureza da manifestação do parecerista, quanto a essas contratações, igualmente vinculadas. Não é verdade.

(…) quando de sua análise, caberá à assessoria jurídica apenas e tão somente verificar se os requisitos da hipótese de dispensa ou inexigibilidade estão presentes. (…) Mas jamais poderá ‘concordar’ ou ‘discordar’ com a escolha, uma vez tratar-se de ato puramente discricionário, ou seja, fora da sua esfera de competência. (…) mas apenas e tão somente verificar se o órgão técnico justificou a razão da escolha e se a comprovação de exclusividade cumpriu os requisitos legais.” (CHAVES, Luiz Cláudio de Azevedo. O Exercício da função de Assessor Jurídico nos processos licitatórios: competências e responsabilidades. Disponível em http://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/viewFile/42/37. Acesso em 12 de outubro de 2017)

Posição 2 – obrigatoriedade: A lei, no art. 38, exige que a assessoria jurídica da Administração dê seu parecer nos processos de licitação, de dispensa ou de inexigibilidade, bem como que examine e aprove, previamente, as minutas de editais de licitação, dos contratos etc., obviamente mediante também a emissão de um parecer. (SANTOS, Sérgio Honorato dos. Carta-Convite – O exame prévio e a aprovação da assessoria jurídica – Breves Anotações. Boletim de Licitações e Contratos, junho de 2010, p. 560-561)

– Ronny Charles: No âmbito da Administração federal, a LC 73/93 coloca como atribuição da AGU, apreciar atos de dispensa e inexigibilidade. Entretanto, órgãos federais apresentam entendimento que contradiz tal regramento invocando o parágrafo único do artigo 38 que não menciona situações de dispensa e inexigibilidade (nelas não haveria edital) se se configurada dispensa de instrumento contratual em hipótese enquadrada no artigo 62 da Lei 8666. “Entendemos equivocado tal proceder. Em primeiro, na esfera federal, porque a Lei complementar n 73/93, no âmbito dos Ministérios, Secretarias e Estado-Maior das Forças Armadas, declara a competência dos membros da AGU, através de suas Consultorias Jurídicas, para examinar, prévia e conclusivamente, os atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade ou decidir a dispensa de licitação.”

– quanto às demais esferas, “parece esdrúxulo que, justamente em tais procedimentos, em que é dispensada ou declarada inexigível a competição (excluindo-se a minuta do edital) e deixada de lado a formalização contratual (dispensando-se a minuta do contrato), deixassem tais negócios de passar pelo crivo do órgão de assessoramento jurídico, que deve ser formado por membros de carreira, para não apenas orientar o gestor, como também cumprir a finalidade de coibir práticas contratuais ilegais e vícios no procedimento negocial.

Essa função de controle, por um órgão jurídico autônomo, formado por integrantes de carreira, investidos através de concurso público, é uma forte arma contra a corrupção, devendo ser ampliada não só pela União, mas também pelos outros entes da Federação, e cobrada pelos órgãos de controle.” (CHARLES, Ronny. Leis de Licitações Comentadas, op. cit., p. 245)

Referência de artigo sobre parecer jurídico nas contratações diretas disponível na internet (posição 2): DANTAS, Ana Carolina de Sá. Exigência de parecer jurídico na dispensa por valor. Conteudo Juridico, Brasilia-DF, 22 de novembro 2012. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.40736&seo=1>. Acesso em 05 junho de 2019

 

5.3. Exigência de fundamentação

“Duas singelas diretrizes podem ser estabelecidas para que o parecer jurídico cumpra o seu papel de oferecer orientação segura para os gestores públicos nos procedimentos licitatórios: (a) obrigatória referência a todos os dispositivos legais aplicáveis, com a devida interpretação a respeito da aplicabilidade de cada qual; e (b) eventuais divergências e sopesando os riscos de cada posicionamento. Uma outra diretriz, já comentada, pode ser identificada para oferecer segurança jurídica ao parecerista: a expressa delimitação da abrangência do parecer e dos atos praticados sob responsabilidade de outros agentes.” (MOTTA, Fabrício Macedo. A atividade de assessoria jurídica no procedimento licitatório: fundamentos e limites. Direito e Administração Pública: estudos em homenagem a Maria Sylvia Zanella di Pietro. op. cit., p. 902)

TCU especificando a fundamentação necessária em se tratando de pareceres jurídicos que examinam procedimentos licitatórios:

“13. O parecer emitido pela assessoria jurídica do Conselho Federal de Farmácia (CFF) no respectivo processo administrativo foi encaminhado, constando da peça 16 (item não digitalizável, p. 179) . Todavia, o documento não traz análise pormenorizada das minutas do edital e do contrato, o que descumpre o parágrafo único do art. 38 da Lei 8.666/1993.

  1. O voto condutor do Acórdão 1.944/2014 – Plenário-TCU, trata da questão, nos seguintes termos:
  2. Por outro lado, a partir da análise mais aprofundada dos documentos vinculados aos referidos certames, e ensejando a proposta de anulação dos procedimentos licitatórios, foram constatadas as seguintes irregularidades:
  3. a) adoção de pareceres jurídicos pró-forma; e
  4. b) projeto de implantação das creches diferentes do aprovado pelo FNDE.
  5. de fato, a utilização de pareceres jurídicos sintéticos, de apenas uma página, com conteúdo genérico, sem demonstração da efetiva análise do edital e dos anexos, em especial quanto à legalidade das cláusulas editalícias, permitiu, no caso concreto, a presença de itens posteriormente impugnados, inclusive por meio da presente representação, e que foram alterados nos certames subsequentes.
  6. Este Tribunal já se posicionou acerca da necessidade de os pareceres jurídicos exigidos pelo art. 38 da Lei8.666, de 21 de junho de 1993, integrarem a motivação dos atos administrativos, com abrangência suficiente, evidenciando a avaliação integral dos documentos submetidos a exame(v. g.: Acórdão 748/2011-Plenário) . (destaque não originais)
  7. Uma avaliação jurídica da minuta do edital nos moldes preconizados pela Lei 8.666/1993, art. 38, parágrafo único, poderia ter evitado a publicação do edital com as irregularidades questionadas pelo representante. De toda forma,  como essas irregularidades foram saneadas pela administração na republicação do edital, após intervenção do TCU, cabe, neste momento processual, diante da função pedagógica do Tribunal de Contas de União, ciênciaao Conselho Federal de Farmácia da impropriedade do parágrafo 13 desta instrução.(…)

PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO (…) b) Os pareceres jurídicos que suportam os procedimentos licitatórios e as contratações devem conter análise quanto a legalidade das cláusulas das minutas do edital e do contrato, com abrangência suficiente, evidenciando a avaliação integral dos documentos submetidos a exame, conforme parágrafo único do art. 38 da Lei 8.666/1993 e Acórdão 748/2011 e 1.944/2014 – ambos TCU – Plenário;

VOTO: (…) Por outro lado, a unidade técnica detectou a ocorrência de falhas na fase preparatória da licitação, a saber, a não elaboração do Mapa de Riscos, conforme preconizado pelo art. 26 da IN 5/2017 – SEGES/MPDG, e a falta de análise pormenorizada das minutas do edital e do contrato no parecer jurídico, o que descumpriu o parágrafo único do art. 38 da Lei 8.666/1993. No tocante a essas impropriedades, a instrução entendeu que o encaminhamento de ciência ao CFF afigurar-se-ia como a providência mais adequada.

  1. Em conclusão, a Selog propôs conhecer-se da representação, considerá-la procedente, revogar-se a cautelar, dar ciência das falhas encontradas e arquivar-se o processo.
  2. Acolho quase que integralmente esta proposta.” (Acórdão 1.485/2019, rel. Min. Augusto Sherman, Pleno do TCU, julgamento em 29.06.2019)

 

A importância do parecer motivado que serve de fundamentação para os atos dos gestores públicos:

“Ocorre que mesmo que a administração contratante desejasse seguir adiante com a contratação pretendida, contrariando, eventualmente, parecer jurídico sobre o assunto, necessitar-se-ia da aposição de justificativa para tanto, no processo licitatório, conforme esclarecido no precedente Acórdão 147/2006-TCU-Plenário, cujo excerto do voto condutor da lavra do Ministro Benjamin Zymler transcrevo a seguir, por pertinente ao assunto aqui abordado:

“11. Verifica-se que o legislador atribuiu relevante função à assessoria jurídica, qual seja, realizar um controle prévio da licitude dos procedimentos licitatórios e dos documentos mencionados no parágrafo único do art. 38 da Lei de Licitações e Contratos. Aduzo que o parecer jurídico emitido nessas circunstâncias não possui um caráter meramente opinativo, como se depreende da leitura do seguinte trecho do Voto do ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Farias de Mello, proferido quando do julgamento do MS nº 24.584/DF: ‘a aprovação ou ratificação de termo de convênios e de aditivos, a teor do parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/1993, difere do que ocorre com a simples emissão de parecer opinativo’.

  1. Nesse mesmo sentido, este Plenário acolheu Voto da lavra do eminente Ministro Walton Alencar Rodrigues, do qual extraí o seguinte trecho (Acórdão nº 462/2003 – Plenário) :

‘O parecer jurídico emitido por consultoria ou assessoria jurídica de órgão ou entidade, via de regra acatado pelo ordenador de despesas, constitui fundamentação jurídica e integra a motivação da decisão adotada.’

  1. Com espeque nessas considerações, entendo que o gestor público, quando discordar dos termos do parecer jurídico cuja emissão está prevista no inciso VI e no parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/1993, deverá apresentar por escrito a motivação dessa discordância.”” (Acórdão 521/2013, relator Ministro Augusto Sherman, Plenário do TCU, julgamento em 13.03.2013)

Referência normativa relevante – LINDB (dever de motivação):

“Art. 20.  Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Paragrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.”

“Art. 21.  A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.

Parágrafo único.  A decisão a que se refere o caput deste artigo devera, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.”

 

5.3.1. Critérios orientadores da elaboração de pareceres jurídicos

Como redigir – Enunciado 2 do Manual de Boas Práticas  Consultivas da AGU. 4. ed., 2016: “As manifestações consultivas devem ser redigidas de forma clara, com especial cuidado à conclusão, a ser apartada da fundamentação e conter exposição especificada das orientações e recomendações formuladas, utilizando-se tópicos para cada encaminhamento proposto, a fim de permitir à autoridade pública consulente sua fácil compreensão e atendimento.”

(na fundamentação: Quando houver necessidade de detalhar providências e pormenores das atividades recomendadas ao gestor, como ocorre, por exemplo, nas contratações administrativas, admite-se que a conclusão da manifestação consultiva faça remissão aos tópicos específicos em que tenham sido abordados.)

 

Menção aos precedentes: Enunciado 27 do Manual de Boas Práticas  Consultivas da AGU. 4. ed., 2016:  “É recomendável que as manifestações consultivas consignem os precedentes jurídicos adotados, assegurando a uniformização de entendimentos.”

Fundamentação – Quando o tema em exame suscitar dúvidas e controvérsias jurídicas, é importante que sejam referidas no pronunciamento jurídico, tal como se apresentem na doutrina e na jurisprudência, pois a manifestação consultiva não está dispensada do dever de observância do princípio da motivação, sendo certo que revisão gramatical não a substitui.

Por isso, incumbe referir na peça consultiva as eventuais controvérsias jurídicas e o tratamento que têm recebido das fontes referidas, para que o assessorado conheça as variações teóricas existentes e, a partir das orientações a seu respeito, tenha como ponderar riscos e benefícios de cada opção descortinada.

Motivação do parecer (pressupostos fáticos e fundamentação jurídica): Enunciado 28 do Manual de Boas Práticas  Consultivas da AGU. 4. ed., 2016:  “Considerando que a manifestação consultiva deve atender ao princípio da motivação, é importante que seu texto propicie ao assessorado o conhecimento dos pressupostos de fato e de direito levados em consideração na análise jurídica, bem como as controvérsias doutrinárias e/ou jurisprudenciais a respeito.”

Atenção aos artigos 20 e 21 da LINDB.

Forma da manifestação (parecer) – Enunciado 3 do Manual de Boas Práticas  Consultivas da AGU. 4. ed., 2016: “A avaliação do procedimento licitatório e o exame e aprovação das minutas de editais de licitação, contratos, acordos, convênios, ajustes e instrumentos congêneres (arts. 38, parágrafo único, e 116 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993), devem ser realizados sempre por meio de Parecer, visto ser necessário que o Órgão Consultivo demonstre a apreciação de todos os elementos indispensáveis à contratação.”

Se há divergências e controvérsias:

– “Quando o tema sob exame comportar dúvidas e controvérsias, incumbe à assessoria jurídica referi-las tal como se apresentam na doutrina e na jurisprudência. O agente público precisa conhecer tais variações e, a partir das orientações do parecer de sua assessoria jurídica, ponderar sobre riscos e benefícios, nas circunstâncias do caso concreto.” O Direito não é ciência exata e há questões que admitem mais de uma resposta, que se deve alicerçar em dispositivos normativos. Alicerce em dispositivos normativos, consulta à jurisprudência atualizada, considerações da doutrina. (PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Dotti Marinês Restelato. Assessoria jurídica e controle de juridicidade das licitações e contratações administrativas. Boletim de Licitações e Contratos, fev. 2015, ano 28, n. 1, p. 123)

Faça constar em seus pareceres jurídicos eventuais posições jurídicas divergentes sobre o tema em análise, de forma a fornecer aos gestores melhores subsídios às tomadas de decisões. (Acórdão nº 2.333/2011 – Primeira Câmara do TCU)

Conteúdo: (vide também Anexo I – INFRA)

– Negativo (aspectos que não devem ser analisados) –  Manual de Boas práticas consultivas da AGU: órgão consultivo não deve emitir manifestações conclusivas sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, sem prejuízo da possibilidade de emitir opinião ou fazer recomendações sobre tais questões, apontando tratar-se de juízo discricionário, se aplicável.

Segundo a doutrina,“ caso adentre em questão jurídica que possa ter reflexo significativo em aspecto técnico deve apontar e esclarecer qual a situação jurídica existente que autoriza sua manifestação naquele ponto.” (PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Dotti Marinês Restelato. Assessoria jurídica e controle de juridicidade das licitações e contratações administrativas. Boletim de Licitações e Contratos, fev. 2015, ano 28, n. 1, p. 123-124)

– positivo (aspectos e documentos que dever examinados): “É com essa visão macro da ordem jurídica que as assessorias jurídicas devem exercer a competência de examinar e aprovar minutas de editais, contratos e outros ajustes, isto é, não se limitando à verificação de conformidade formal entre os requisitos e condições nelas previstos e a lei. Devem certificar-se de que essa conformação se dá, igualmente, com valores e princípios, tanto que os nomeia o art. 3 da Lei Geral das Licitações e Contratações Administrativas.” (PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Dotti Marinês Restelato. Assessoria jurídica e controle de juridicidade das licitações e contratações administrativas. Boletim de Licitações e Contratos, fev. 2015, ano 28, n. 1, p. 125)

– Enunciado 7 do Manual de Boas Práticas  Consultivas da AGU. 4. ed., 2016: “A manifestação consultiva que adentrar questão jurídica com potencial de significativo reflexo em aspecto técnico deve conter justificativa da necessidade de fazê-lo, evitando-se posicionamentos conclusivos sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade, podendo-se, porém, sobre estes emitir opinião ou formular recomendações, desde que enfatizando o caráter discricionário de seu acatamento.”

Aprovação de edital com recomendação: desnecessidade de novo pronunciamento: – Enunciado 5 do Manual de Boas Práticas  Consultivas da AGU. 4. ed., 2016:  “Ao Órgão Consultivo que em caso concreto haja exteriorizado juízo conclusivo de aprovação de minuta de edital ou contrato e tenha sugerido as alterações necessárias, não incumbe pronunciamento subsequente de verificação  do cumprimento das recomendações consignadas.”

Os órgãos de controle, como o TCU, têm fixado a importância dos pareceres jurídicos serem conclusivos, aprovando ou rejeitando com clareza e, se for o caso, indicando as alterações necessárias para que se alcance a realidade. A propósito, confira-se:

– Acórdão 2.471/2008, Pleno do TCU que decidiu:

  • 9.8. recomendar, com fulcro nos arts. 43, I, da Lei nº 8.443/1992 e 12 da Lei nº 10.683/2003, à Consultoria-Geral da União da Advocacia-Geral da União que:

9.8.1. identifique todos os momentos do processo licitatório e da gestão dos contratos em que as consultorias jurídicas devem atuar para garantir a legalidade dos atos praticados;

9.8.2. para cada momento de atuação identificado no item anterior, elabore listas de verificação contendo os aspectos mínimos que devem ser avaliados pelas consultorias jurídicas durante sua atuação;

9.8.3. promova, mediante orientação normativa, a obrigatoriedade da utilização das listas criadas em atenção ao item anterior, as quais devem ser acostadas aos autos dos processos licitatórios;

– Acórdão 521/2013, Plenário do TCU, que entendeu:

  • 9.2.1. em razão do disposto no art. 38, parágrafo único, da Lei 8.666/1993, as minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, necessitam ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração, de modo que, havendo o órgão jurídico restituído o processo com exame preliminar, torna-se necessário o retorno desse, após o saneamento das pendências apontadas, para emissão de parecer jurídico conclusivo, sobre sua aprovação ou rejeição.

(o não cumprimento desses aspectos ensejam, em diversas situações, a continuidade de licitações que não atendem o mínimo da legalidade administrativa, trazendo prejuízos com a celebração de contratos administrativos viciados, com potenciais problemas graves na execução)

 

5.4. Ausência de parecer: consequências

Em discussão, efeitos da ausência de parecer. Posições divergentes.

“Sendo assim, é mais que necessária a análise do jurídico. Não obstante, registramos que se o edital e as minutas da avença estiverem perfeitas, em consonância com a legislação, ou seja, se não possuírem impropriedades, a ausência de parecer não seria, neste caso, motivo suficiente para invalidar a licitação, pois o fundamental é a regularidade do procedimento. Nesse contexto, a ausência de análise jurídica não é causa autônoma de invalidade do certame, mas seria causa de responsabilização funcional para os agentes que deixaram de atender a formalidade.” (Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, TC-3223/2006, Consulta, Boletim de Direito Municipal, São Paulo, NDJ, p. 296-297, abril de 2008, p. 297)

Ronny Charles:  Efeito do desrespeito ao caráter preventivo da análise jurídica – o descumprimento da regra do parágrafo único não vicia o procedimento se o edital ou o contrato não apresentarem vício (invoca lição de Marçal Justen Filho). Configurar-se-á apenas a responsabilidade funcional para os agentes que deixaram de atender à formalidade. “Realmente, o parecer emitido pelo órgão de assessoria jurídica serve para a orientação da decisão adotada pelo consulente, sendo também instrumento de verificação da legalidade, legitimidade e economicidade dos atos relacionados à gestão de recursos públicos. Contudo, embora o legislador tenha inovado, em relação ao que era prescrito pelo Decreto-Lei 2.300/86, tratando de ‘aprovação’ das minutas, não nos parece que o prévio exame se caracterize como ato-condição, sem o qual perca validade a relação contratual pactuada.

De qualquer maneira, deve-se reiterar que a atitude escorreita, em obediência ao estabelecido pelo dispositivo do estatuto licitatório, impõe a remessa da minuta para análise prévia da assessoria jurídica, sendo cabível a punição do responsável pelo não cumprimento dessa formalidade imposta pela legislação.

Nesse raciocínio, a melhor doutrina defende que a ausência do parecer jurídico não acarreta anulação do procedimento, podendo apenas ensejar a apuração de responsabilidade, pelo gestor (MOTTA: 2005, p. 327).” (CHARLES, Ronny. Leis de Licitações Comentadas. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 241)

TCU: foram verificadas irregularidades como “ausência de parecer jurídico no procedimento licitatório (Carta Convite n. 002/2007), em descumprimento ao parágrafo único do art. 38 da Lei n. 8666/1993; (…)” (Acórdão 2.208/2012 – 1@ Câmara do TCU, rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti, sessão de 24.04.2012)

 

5.5. Padronização nas licitações e contratos administrativos e repercussão na emissão dos pareceres jurídicos

Padronização (de editais contratos e convênios): racionalizar atividades dos agentes encarregados de elaborá-las e também da assessoria jurídica. Com peças modelos, otimiza-se o desempenho de funções administrativas, técnicas e jurídicas de agentes e assessores; além de atender a a celeridade processual (com a análise jurídica pré-existente, pode se suprimir a reanálise da minuta que siga modelo padronizado e já aprovado pela assessoria jurídica, evitando retrabalho; não seria necessária reanálise a cada caso concreto, se houver mera reprodução do anterior ou alterações ínfimas de adequação de quantidades, prazos e local de entrega). A Economicidade resultará da racionalização e simplificação de rotinas; a eficiência resultará da combinação qualidade e rendimento. (PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Dotti Marinês Restelato. Assessoria jurídica e controle de juridicidade das licitações e contratações administrativas. Boletim de Licitações e Contratos, fev. 2015, ano 28, n. 1, p. 124)

– Manual do TCU (2010) – referência à voto condutor de acórdão proferido pela Corte de Contas no ano de 2005: “A padronização de procedimentos que se repetem rotineiramente é um meio salutar de a Administração desincumbir-se de tarefas que, numericamente significativas, na essência referem-se sempre aos mesmos atos administrativos. Sua adoção é desejável na medida em que libera recursos humanos e materiais para serem utilizados naquelas ações que impõe atuação individualizada. A repetição de procedimentos licitatórios que tenham o mesmo objeto e que guardem proporção em relação às quantidades enquadram-se nessa hipótese.

Assim, admitindo-se a existência de procedimentos licitatórios idênticos tanto em relação ao objeto quanto em relação às quantidades ou, então, quanto à modalidade licitatória, a utilização de minutas-padrão não fere o dispositivo legal que impõe a prévia manifestação da assessoria jurídica sobre a regularidade das minutas dos editais e dos contratos.

(…) A despeito de haver decisões do TCU que determinam a atuação da assessoria jurídica em cada procedimento licitatório, o texto legal – parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/1993 – não é expresso quanto a essa obrigatoriedade. Assim, a utilização de minutas-padrão, guardadas as necessárias cautelas, em que, como assevera o recorrente, limita-se ao preenchimento das quantidades de bens e serviços, unidades favorecidas, local de entrega dos bens ou prestação dos serviços, sem alterar quaisquer das cláusulas desses instrumentos previamente examinados pela assessoria jurídica, atende aos princípios da legalidade e também da eficiência e da proporcionalidade.” (Acórdão 1504/2005, Pleno do TCU, Voto do Ministro Relator, mencionado no Manual do TCU)

Adoção de minuta padrão e desnecessidade de reexame pela consultoria jurídica: Como regra, as minutas dos contratos a serem firmados por instituição pública devem passar pelo exame da área jurídica. Todavia, em caráter excepcional, é possível a utilização de minuta-padrão, previamente aprovada pela assessoria jurídica, quando houver identidade de objeto e não restarem dúvidas acerca da possibilidade de adequação das cláusulas exigidas no contrato pretendido às cláusulas previamente estabelecidas. (Acórdão nº 873/2011- Pleno do TCU)

– Enunciado 33 do Manual de Boas Práticas  Consultivas da AGU. 4. ed., 2016: “Como o Órgão Consultivo desempenha importante função de estímulo à padronização e à orientação geral em assuntos que suscitam dúvidas jurídicas, recomenda-se que a respeito elabore minutas-padrão de documentos administrativos e pareceres com orientações in abstrato, realizando capacitação com gestores, a fim de evitar proliferação de manifestações repetitivas ou lançadas em situações de baixa complexidade jurídica.”

– Referência de artigo sobre padronização disponível na internet: CHARLES, Ronny e OLIVEIRA, Ana Roberta Santos. A otimização do procedimento de análise das minutas de editais e contratos – projeto ‘edital eficiente’. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2715, 7 dez. 2010. Disponível emhttps://jus.com.br/artigos/17991. Acesso em 14 de outubro de 2017.

No âmbito federal – referência relevante – PARECER REFERENCIAL Nº 03/2017/CONJUR-MD/CGU/AGU, de 04.12.2017: “EMENTA (…) 1. Dispensabilidade de análise individualizada de processos que envolvem matéria jurídica recorrente e que se amoldam aos termos da manifestação referencial. (…) 4. Exigência de que o gestor ateste nos autos que o parecer referencial amolda-se à situação concreta. 5. Possibilidade de prévio encaminhamento ao órgão de consultoria, em caso de dúvida de caráter jurídico externada pelo gestor. (…)

  1. Nessa toada, tem-se que a minuta de contrato e de termo de referência já foram aprovadas pela assessoria jurídica do órgão gerenciador, sendo dispensável nova análise, seja pela consultoria jurídica do órgão participante seja pelo órgão jurídico do não participante (“carona”).
  2. Como síntese, se o fundamento para remessa obrigatória à Consultoria Jurídica é o art. 38, parágrafo único da Lei nº 8.666, de 1993, em situações tais, de adesão à ata de registro de preços, o termo de contrato, quando existente, foi previamente aprovado pelo órgão gerenciador. Daí que, em nosso entendimento, eventual remessa passa a ter caráter facultativo, a critério do gestor, quando a entenda necessário, visando conferir maior segurança jurídica ao ajuste. (…)
  3. Em favor do ora defendido entendimento, o Tribunal de Contas da União no Acordão 3014, de 2010 – Plenário, adotou a possibilidade, excepcional, da adoção de minuta-padrão de contrato a ser celebrado, caso não restarem dúvidas acerca da possibilidade da adequação das cláusulas exigidas no contrato pretendido às previamente estabelecidas na minuta-padrão, o que, mutatis mutandis, se aplica ao caso, eis que o aderente deverá usar, obrigatoriamente, o contrato aprovado pelo órgão gerenciador.
  4. Vejamos: Acórdão 3014/2010 – Plenário (…)
  5. Em decorrência do Parecer nº 004/ASMG/CGU/AGU/2014, do então Consultor-Geral da União, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, o Advogado-Geral da União fez editar a Orientação Normativa nº 55, de 23 de maio de 2014, abaixo transcrita, autorizando a elaboração de manifestação jurídica referencial, definida como “aquela que analisa todas as questões jurídicas que envolvam matérias idênticas e recorrentes”.
  6. In verbis:

ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 55, DE 23 DE MAIO DE 2014 O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII, do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, considerando o que consta do Processo nº 56377.000011/2009-12, resolve expedir a presente orientação normativa a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 da Lei Complementar nº 73, de 1993: I – Os processos que sejam objeto de manifestação jurídica referencial, isto é, aquela que analisa todas as questões jurídicas que envolvam matérias idênticas e recorrentes, estão dispensados de análise individualizada pelos órgãos consultivos, desde que a área técnica ateste, de forma expressa, que o caso concreto se amolda aos termos da citada manifestação. II – Para a elaboração de manifestação jurídica referencial devem ser observados os seguintes requisitos: a) o volume de processos em matérias idênticas e recorrentes impactar, justificadamente, a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos; e b) a atividade jurídica exercida se restringir à verificação do atendimento das exigências legais a partir da simples conferência de documentos. Referência: Parecer nº 004/ASMG/CGU/AGU/2014 LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS

  1. Nessa toada, a manifestação jurídica referencial justifica-se e legitima-se na situação em que (i) o volume de processos em tais matérias – idênticas e recorrentes – justificadamente, impactar a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos; e (ii) quando a atividade jurídica a cargo do órgão de consultoria restringir-se à verificação do atendimento das exigências legais a partir da simples conferência de documentos.
  2. Com efeito, demandas recorrentes exigem respostas e soluções em bloco, desde que não abdiquem da necessária segurança jurídica. O mesmo raciocínio, em nosso ver, pode aplicar-se às análises jurídicas essencialmente voltadas para a verificação documental, nada obstante o cunho intelectual.
  3. É relevante estabelecer que as competências da Advocacia-Geral da União (AGU) estão delineadas no art. 131 da Constituição Federal, cabendo-lhe a consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo Federal, e não o controle dos atos de gestão. Daí, portanto, que a análise individualizada dos processos administrativos não é obrigatória, vale dizer a atividade de checagem de documentos, da instrução do processo, das justificativas, das autorizações, de minutas padronizadas etc. Não é papel primordial do órgão de Consultoria Jurídica a auditoria do processo administrativo. O controle interno pode, por evidente, vir a ser exercido, por meio de recomendações que orientem à regularização e correção da atuação do gestor. Esta, contudo, não é a missão constitucional da AGU.
  4. Com efeito, a recente orientação normativa pressupõe a coerente e madura visão de que há uma clara distinção entre o papel de assessorar as autoridades no controle interno da legalidade administrativa (art. 11, V, LC 73/93) e a atividade de gestão consistente em analisar aspectos discricionários, administrativos, técnicos, orçamentários e financeiros relativos a determinado ato ou negócio jurídico, que é de responsabilidade do administrador público e se sujeita à fiscalização dos órgãos de controle interno e externo.
  5. É papel da AGU orientar o gestor a realizar o trabalho, com base nas normas aplicáveis à espécie, mas não cabe ao órgão jurídico controlar o administrador na prática de atos de gestão administrativa, na medida em que já existem instituições com competência para tanto, a exemplo do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria e do Tribunal de Contas da União, no que se refere à esfera federal. Tanto é verdade que o TCU, no Acórdão nº 2.218/2013-Plenário, verberou que a “existência de plano de trabalho aprovado e de pareceres técnicos e jurídicos favoráveis à celebração do convênio não exime o gestor da responsabilidade de proceder a verificações básicas de conformidade e legalidade.” No mesmo sentido foi proferido o Acórdão nº 1.620/2015-Plenário, de acordo com o qual a “delegação de competência, bem como a tomada de decisões embasadas em pareceres de órgãos de assessoramento, não exime, por si só, a responsabilidade do gestor público”.
  6. Dito de outro modo, ao órgão jurídico compete recomendar, orientar e alertar o gestor quanto à necessidade do cumprimento das normas aplicáveis à determinada situação concreta, mas não se exige que o advogado adentre em questões de mérito administrativo ou confira, posteriormente, se suas recomendações foram efetivamente cumpridas. (…)
  7. Não por acaso, o Enunciado nº 5, do Manual de Boas Práticas Consultivas das AGU, sedimentou o entendimento de que “não integra o fluxo consultivo a fiscalização posterior de cumprimento de recomendações feitas na manifestação jurídica. Com efeito, é ônus do gestor a responsabilidade por eventual conduta que opte pelo não atendimento das orientações jurídicas”. (…)
  8. Em outras palavras, a adoção da manifestação jurídica referencial possibilitará aos Advogados da União da CGLIC/CONJUR/MD maior foco e priorização de temas jurídicos estratégicos e de maior complexidade, em benefício dos órgãos e autoridades assessorados. A ideia é que a Conjur possa dedicar seu tempo para análise e manifestação em assuntos que exijam reflexão e desenvolvimento de teses jurídicas, desonerando-se da elaboração de pareceres repetitivos, cujas orientações são amplamente conhecidas pelo gestor.
  9. Registra-se que a adoção do Parecer Referencial, nesta hipótese, atende ao previsto no art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666, de 1993, e art. 11, VI, “a” da Lei Complementar nº 73, de 1993, que fixam a competência dos órgãos de consultoria e assessoramento jurídico para a análise prévia de minutas de editais, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes.
  10. Destarte, em plena observância aos diplomas referidos, a presente manifestação jurídica referencial consubstancia a referida análise prévia, devendo ser juntada pelo gestor, que atestará, de forma expressa, que o caso concreto se amolda aos termos da citada manifestação. Além disso, caberá ao gestor dar atendimento às recomendações consignadas na presente manifestação. 42. Daí, portanto, que a elaboração de um parecer jurídico referencial, que contemple todas as recomendações de caráter jurídico, no tocante ao procedimento e ao termo de contrato (ou instrumento que o substitua), cumpre satisfatoriamente as competências da AGU e atende à exigência legal da prévia análise da minuta. (…)repisa-se que eventuais dúvidas jurídicas suscitadas pelo órgão assessorado, ou mesmo para esclarecer se determinado caso concreto amolda-se ou não aos termos da presente manifestação referencial, podem ser objeto de consulta e análise específica pela Conjur/MD.”

No mesmo sentido, Parecer Referencial CCA/PGFN nº 02/2019:

“5. Da breve leitura da orientação acima transcrita, infere-se ter sido autorizada, no âmbito do referido órgão, a elaboração de manifestação jurídica referencial, a qual pode ser definida como sendo aquela que tem por fulcro analisar todas as questões jurídicas que envolvam matérias idênticas e recorrentes.

  1. Nessa seara, convém salientar que a importância prática dessa medida reside no fato de, uma vez elaborada a citada manifestação jurídica referencial, os processos administrativos que versarem sobre matérias jurídicas idênticas às enfrentadas no parecer referencial estarão dispensados de análise individualizada pela Consultoria Jurídica. Em tais casos, basta, unicamente, que o administrador ateste, expressamente, que o caso concreto se amolda, perfeitamente, aos termos da manifestação referencial adotada.
  2. Ressalte-se, nesse ponto, que tal declaração deverá ser emitida pela autoridade competente, não devendo os autos serem encaminhados para o órgão consultivo deliberar se a análise individualizada se faz ou não necessária, visto que o escopo da manifestação referencial é, justamente, eliminar esse trâmite.
  3. Desta feita, com base na ON AGU n° 55/2014, foi elaborada a presente manifestação jurídica referencial, contendo as principais recomendações emitidas nos pareceres elaborados pelos órgãos consultivos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no tema de prorrogação de contratos de serviços continuados ou exercidos de forma contínua, de aluguel de equipamentos e de utilização de programas de informática.
  4. Assim, com base neste documento, cabe ao gestor comparar o caso concreto com o presente parecer, no intuito de fazer o distinguishing[1]. Nesse sentido, a fim de proporcionar maior segurança ao administrador, elaborou-se um check-list, contendo os principais itens deste parecer, de forma que seja possível inferir se o caso concreto enquadra-se aos termos da presente manifestação jurídica referencial.
  5. Caso pairem dúvidas sobre a situação fática, ou o administrador constate que o caso dos autos, por suas características peculiares, não se amolda às hipóteses albergadas pelo parecer referencial, poderá formular consulta à unidade local da Procuradoria da Fazenda Nacional. Ressalte-se, nesse ponto, que termos aditivos que tenham mais do que um objeto, ou seja, versem sobre outra questão além da prorrogação de vigência contratual, deverão ser encaminhados para análise deste órgão jurídico.
  6. Infere-se, portanto, que a manifestação jurídica referencial consiste, a grosso modo, em parecer jurídico genérico, porém exaustivo, calcado no princípio da eficiência, destinado a balizar casos concretos cujos contornos se amoldem às premissas abstratamente analisadas pela Consultoria Jurídica.
  7. Nesse diapasão, saliente-se que medidas que tenham por objetivo racionalizar a demanda e objetivar a análise de processos têm sido utilizadas, inclusive, pelo Poder Judiciário, a exemplo das súmulas vinculantes, recursos repetitivos e com repercussão geral. (…)
  8. Igualmente, o Egrégio Tribunal de Contas da União não vislumbrou óbices para adoção de tal tipo de parecer, opinando, inclusive, pela viabilidade da utilização de manifestações jurídicas referenciais, desde que “envolvam matéria comprovadamente idêntica e sejam completos, amplos e abranjam todas as questões jurídicas pertinentes”, in verbis: (…)
  9. Inicialmente, observa-se que a ON AGU n° 55/2014 determinou, em linhas gerais, que a edição de manifestações jurídicas referenciais depende da comprovação de dois requisitos, a saber: (i) do volume de processos em matérias idênticas e recorrentes, que deve impactar, justificadamente, a atuação do órgão consultivo ou a celeridade dos serviços administrativos; e (ii) da simplicidade da atuação da assessoria jurídica nos casos analisados, que se deve restringir à verificação do atendimento das exigências legais, a partir da conferência de documentos. (…)” (http://www.pgfn.fazenda.gov.br/assuntos/consultoria-administrativa/arquivos-pareceres-referenciais/parecer-referencial-cca-pgfn-no-2-2019.pdf)

 

Visão restritiva de alguns órgãos de controle:

Acórdão do TCEMG: “REPRESENTAÇÃO. DECRETO MUNICIPAL. DISPENSA DE PARECER JURÍDICO EM MINUTAS PADRONIZADAS DE EDITAIS DE LICITAÇÃO. POSSIBILIDADE. RECOMENDAÇÃO AO ATUAL GESTOR. ARQUIVAMENTO. A dispensa de parecer jurídico em minutas de editais padronizadas deve ocorrer apenas nas hipóteses de licitações corriqueiras e de objeto similar, sem que se altere qualquer outro dispositivo e/ou cláusula do instrumento previamente aprovado. Em caso de dúvida acerca da identidade das minutas, deve haver manifestação da assessoria jurídica.” (Representação 924118, 2 Câmara do TCEMG, julgamento em 15.10.2015)

 

5.6. Sobre quem tem competência para emitir parecer jurídico nos procedimentos licitatórios

Diogo Figueiredo Moreira Neto: “Por caber constitucionalmente aos Advogados de Estado a função constitucional de consultoria jurídica pública, os atos de natureza opinativa por eles praticados – denominados Pareceres jurídicos – constituem, em conseqüência, um tipo constitucional de atos próprios e deles exclusivos.” Exercício dessa função opinativa é um munus público que recai sobre qualquer advogado apenas em razão de estar submetido a estatuto funcional próprio, ao qual adere voluntariamente.

– Advogado do Estado: sujeição mais complexa (duplo sistema estatutário de adesão voluntária). 1) sistema geral a cargo de seus pares, através dos órgãos corporativos competentes da OAB e 2) sistema especial, a cargo de seus pares, através de órgãos corporativos competentes da Procuradoria ou Advocacia do Estado do respectivo ente estatal. (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A responsabilidade do advogado do Estado. Revista de Direito da Procuradoria Geral. Rio de Janeiro, op. cit., p. 105)

Referência disponível na internet sobre a emissão de pareceres jurídicos de competência de integrantes da advocacia pública: Tatiana Bandeira de Camargo Macedo. A responsabilidade dos membros da Advocacia-Geral da União por pareceres exarados em licitações e contratos administrativos. Disponível em www.agu.gov.br/page/download/index/id/10399441, Acesso em 10.06.2018)

Análise jurídica e advogados terceirizados e nomeações para cargos comissionados (análise feita no âmbito do Estado, com argumentos que se aplicam também no nível federal): Parecer AGEMG – referência disponível ao Parecer 15.675 de 02.05.2016 em http://www.age.mg.gov.br/institucional/bases-juridicas/2329 (fundamentação disponível abaixo)

 Ronny Charles: No âmbito consultivo e de assessoramento jurídico (outras atividades privativas de advogado – Lei 8.906/94, art. 1, II), em que se inserem os pareceres opinativos nos processos licitatórios e de contratação (órgão jurídico tem a importante função de aferir legalidade das minutas e do procedimento), “permitir que tal encargo seja feito por terceirizados ou até por ocupantes de cargo em comissão estranhos à respectiva carreira jurídica do ente, é consentir que o responsável interno pela aferição da legalidade das contratações não tenha qualquer autonomia para apontar os defeitos jurídicos e as irregularidades negociais.”

– “O efetivo combate à corrupção, sem confetes ou fogos de artifício, exige o fortalecimento de, pelo menos, três ações estratégicas: ampliação da publicidade, simplificação dos procedimentos e fortalecimento de um controle preventivo, através da Advocacia Pública autônoma.” (CHARLES, Ronny. Leis de Licitações Comentadas. op., cit., p. 246; 253-254)

Jurisprudência: “A 1ª Câmara do TCU entendeu que assessoramento jurídico deve ser feito pelos Procuradores do Estado, conforme determina a Constituição Federal e a Lei das Licitações, e não por servidores comissionados.

A 1ª Câmara do Tribunal de Contas da União (TCU) julgou pela procedência de representação (processo TC-000.532/2014-2), que determina a proibição de ocupantes de cargos comissionados a exercerem as funções de assessoramento jurídico e análise de contratos e licitações do Governo do Estado que envolva recursos federais. A ação foi ajuizada pela Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (ANAPE) com a Associação dos Procuradores do Estado da Paraíba (ASPAS-PB).

O processo teve como relator o ministro José Múcio Monteiro, que em seu voto mandou dar ciência ao Governo do Estado de que os pareceres jurídicos que integram os procedimentos administrativos relativos à execução de convênios e congêneres com recursos federais sejam elaborados, exclusivamente, por Procuradores do Estado de carreira. A decisão é baseada na norma estabelecida pelo artigo 38, parágrafo único, da Lei 8.666/1993 (Lei das Licitações), em conformidade com os artigos 131 e 132 da Constituição Federal, que estabelece as funções e competências dos membros da Procuradoria Geral do Estado (PGE).

O ministro José Múcio Monteiro também decidiu encaminhar para a Secob Edificações – órgão responsável pela fiscalização das obras de construção do Centro de Convenções de João Pessoa -, cópia da decisão “para ciência e adoção das providências que entender pertinentes”. A denúncia aponta possíveis irregularidades nos procedimentos licitatórios realizados pelo Governo da Paraíba, por não contarem com a participação direta dos Procuradores na elaboração dos pareceres jurídicos.

(…)

A decisão emitida pelo Tribunal de Contas da União vai de acordo com sentenças já proferidas por outras instituições jurídicas. Confira algumas delas:

– 30 de janeiro de 2014

O Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu uma vitória histórica para a categoria. Por decisão do ministro Celso de Mello, o STF suspendeu, em caráter liminar, dispositivos da Lei 8.186/07, do Estado da Paraíba, que atribui a ocupantes de cargos em comissão a competência para exercer funções próprias dos procuradores de Estado.

Aguardando apenas o referendo do Plenário, o despacho de Mello suspende a eficácia, a execução e a aplicabilidade da norma até o julgamento final da ADI 4843-PB. A Anape, inclusive, já entrou com ação no STF pedindo a intervenção federal na Paraíba, devido o descumprimento da decisão de 30 de janeiro.

– 26 de fevereiro de 2014

O pleno do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) julgou procedente, à unanimidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 0587981-65.2013.815.0000, de autoria da Aspas-PB. Com a decisão, foi extinta a Procuradoria Jurídica da Polícia Militar da Paraíba, retornando a representação judicial e o assessoramento jurídico da corporação aos procuradores do Estado da Paraíba.

O Judiciário paraibano reconheceu a inconstitucionalidade os artigos 9º, VIII, e do 26ª, ambos da Lei Complementar nº 87/2008 do Estado da Paraíba, e correspondentes itens do seu Anexo I.  A decisão impugna os dispositivos da legislação, que regulamenta a estrutura da Polícia Militar da Paraíba (PMPB), que previam a criação de cargos de Procurador Jurídico e Chefes de Seções da Procuradoria Jurídica, todos comissionados, no âmbito da corporação.” (http://anape.org.br/site/tcu-decide-parecer-juridico-contratos-licitacoes-governo-compete-procuradores/)

 

5.6.1. Parecer 15.675/2016, Procuradora Raquel Melo Urbano de Carvalho, AGEMG: o regime jurídico de pessoal no estado brasileiro, a exigência de concurso público (artigo 37, II da CR), a relevância da advocacia pública, os artigos 131 e 132 da CR, a privatividade da função de representação judicial, extrajudicial, consultoria e assessoramento jurídico por Procuradores concursados. A jurisprudência uníssona do STF sobre a matéria.

REFERÊNCIA RELEVANTE: Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais

Procuradora: Raquel Melo Urbano de Carvalho

Procedência: Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG)

Interessado: Comando Geral Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG)

Número: 15.675

Data: 02.05.2016

(…)

  1. A representação judicial, extrajudicial e a atividade de consultoria órgão público que exerce atividade de segurança pública como a PMMG

 

 2.1 Considerações gerais sobre o regime de pessoal no Estado brasileiro

O Estado, quando exerce as competências que lhe são impostas pelo ordenamento, necessita valer-se de um quadro de pessoal capaz de exteriorizar vontades e realizar comportamentos que satisfaçam as necessidades da coletividade. São necessários profissionais que, além da realização pessoal, componham uma estrutura voltada para a realização do interesse público primário. Historicamente, vários são os modelos adotados para o vínculo firmado entre os trabalhadores públicos e a Administração. Em alguns deles prevalecem elementos privados, que aproximam o vínculo daquele que se estabelece no mercado de trabalho empresarial. Em outros predomina a idéia de um profissional encarregado basicamente de “servir ao público”, com o foco maior nas demandas coletivas a serem satisfeitas, em desfavor das necessidades individuais do trabalhador. Não há dúvida que a adoção de um modelo ou de outro depende da própria concepção de Estado adotado em cada país, com consagração na ordem jurídica de determinada ideologia inspiradora das opções sociais.

No Brasil, atribui-se majoritariamente ao texto constitucional a opção pelo modelo de uma burocracia profissionalizada, submetida ao regime jurídico de direito público, com ênfase na valorização do mérito e da eficiência administrativa. O fato de a Constituição de 1988 ter optado pela expressão “servidor público” e não mais “funcionário público”, o caráter obrigatório dos planos de carreira (artigo 39, “caput” da CR, com vigência restaurada em razão da liminar proferida pelo STF na ADI nº 2.135-4) e as regras consagradas em dispositivos constitucionais como os incisos I, II e IX do artigo 37 evidenciariam a consagração do regime jurídico administrativo como aquele incidente, em regra, no vínculo funcional estabelecido entre o Poder Público e o seu quadro de pessoal. Não se trata de enquadrar o servidor como um trabalhador que teriam menos direitos e mais obrigações, mas apenas de reconhecer que a supremacia do interesse público primário justifica a exclusão do regime contratual e a adoção do regime unilateral estatutário.

Conforme entendimento predominante, o exercício das competências permanentes, comuns e típicas das pessoas jurídicas de direito público políticas ou administrativas se dará, em regra, por servidores submetidos ao regime jurídico estatutário. Nesse regime, os direitos e obrigações dos servidores são fixados, unilateralmente, pelo Poder Legislativo da esfera federativa a cujo quadro de pessoal se vincula o servidor. Em outras palavras, o ente federativo (União, Estado-membro, Município ou DF), por meio do seu Poder Legislativo (Congresso Nacional, Assembleia Legislativa, Câmara de Vereadores ou Assembleia Distrital), editará leis que veiculem o estatuto o qual estabelecerá direitos e deveres dos servidores encarregados do exercício das atividades típicas da própria pessoa federativa, bem como das suas autarquias e fundações públicas.

A ideia fundamental é a de que atividades típicas, essenciais e rotineiras imputadas às pessoas públicas adequam-se ao regime estatutário, senão vejamos: a natureza da função a ser exercida é pública, a natureza do recurso utilizado como contraprestação do trabalho é pública, os fins a serem atendidos são públicos, logo as normas regulamentadoras da relação devem ser públicas. O regime estatutário e o escalonamento de cargos efetivos propiciam a formação de uma carreira, estando os seus membros a salvo da descontinuidade governativa e das ásperas angústias relacionadas à subsistência incerta na velhice. Com efeito, só quem detém o controle do próprio sustento mantém altivo o domínio da sua vontade, donde se conclui que o regime estatutário evita oscilações entre os extremos deletérios pró-Estado e pró-indivíduo e protege carreiras de deveres austeros para o bem estar da coletividade e eficácia dos direitos fundamentais. Ademais, institucionaliza-se a independência e são minimizados os efeitos deletérios da política episódica, estando os servidores livres de viver de sobressalto a cada mudança de governo. O mérito de assegurar a permanência na Administração é garantia que só o regime estatutário dá e em favor dos servidores efetivos que cumpram determinados requisitos constitucionais. Nesse contexto, contorna-se o risco de se degenerar em partidarismo, com hábitos de concussão e imoralidade o exercício de atividade pública fundamental como a representação dos órgãos, autarquias e fundações públicas. Nesse sentido, confiram-se: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 120-121. FREITAS, Juarez. Concurso Público e Regime Institucional: as Carreiras de Estado in Concurso público e constituição. Fabrício Motta (Coordenador). Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 127; 219. ANASTASIA, Antônio Augusto Junho. Regime Jurídico Único do Servidor Público. Belo Horizonte: Del Rey, 1990, p. 51. SILVA JÚNIOR, Arnaldo. Dos Servidores Públicos Municipais. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 28

Com base em tais razões defende-se o acerto da adoção do regime estatutário como regra para o quadro de pessoal da Administração Pública, ressalvadas exceções consagradas de modo expresso no ordenamento, como é o caso, v.g., dos titulares dos serviços notariais e de registro (artigo 236 da CR), dos empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista (artigo 173, § 1º, II da CR) e dos contratados para necessidades temporárias de excepcional interesse público (artigo 37, IX da CR). Excluídas as exceções fixadas em dispositivos específicos, a regra seria a incidência do regime estatutário. Trata-se da adoção do modelo francês segundo o qual a situação legal constituída para os trabalhadores públicos implica incidência de disposições legais e regulamentares a que os agentes, assim que incorporados ao serviço público, sujeitam-se.

Nesse modelo, o ato de nomeação, levado a efeito unilateralmente pelo Poder Público, é que instaura a relação jurídica estatutária. A sua prática pela Administração submete-se a determinadas condições específicas fixadas na Constituição e na legislação vigente em cada país.

No direito brasileiro, o ato de nomeação para cargos comissionados é levado a efeito “livremente”, ou seja, consoante a discricionariedade do agente público competente para o ato de provimento (exceção se encontra no ordenamento em relação aos dirigentes das agências reguladoras, providos em cargos comissionados). O inciso II do artigo 37 da Constituição da República deixa evidente, em sua parte final, que a nomeação e exoneração para cargos comissionados são livres. Daí se infere que dependem da confiança que a autoridade nomeante detém, ou não, no servidor comissionado, sendo imperiosa a observância de limites constitucionais como é o caso do princípio da moralidade. Com igual linha de raciocínio, tem-se o posicionamento de Cármen Lúcia Antunes Rocha (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 178)

Sublinha-se que os cargos comissionados, também chamados de cargos de confiança são unidades de competências que, reunidas, definem-se como sendo de “livre nomeação” e de “livre exoneração” e que recebem denominação própria na estrutura das pessoas de direito público federativas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) e administrativas (autarquias e fundações públicas), enfeixando atribuições de direção, chefia e assessoramento (artigo 37, V da CR). A regra geral, na ausência de especificidades constitucionais da carreira ou de interpretação levada a efeito pelo STF (como no caso das agências reguladoras) é no sentido de ser justificada a liberdade para designação do servidor que exercerá tais responsabilidades e para o seu afastamento das citadas funções.

A natureza das atividades que podem integrar as competências imputadas a um cargo comissionado – direção, chefia e assessoramento – têm pertinência com a confiança que deve existir entre a autoridade nomeante e o servidor público. Daí a doutrina afirmar que a transitoriedade é uma vocação desse tipo de cargo, sendo indispensável liberdade no momento da nomeação, bem como quando da exoneração do servidor. A possibilidade de exoneração a qualquer momento implica o não reconhecimento de estabilidade ao servidor comissionado (artigo 41 da CR). Afinal, a confiança que exista e justifique a presença de um servidor no exercício de uma função de direção, assessoramento e chefia em um dado momento não pode obrigar a autoridade nomeante a manter o mesmo juízo indefinidamente, mormente quando há alteração no agente público que exerce a competência relativa à investidura do cargo comissionado. O pressuposto aqui, é no sentido de que, se muda a autoridade nomeante, é cabível a alteração no vínculo de confiança travado com o titular do cargo em comissão, sendo possível inclusive o seu desaparecimento, de modo a justificar o fim do exercício das atribuições. É desse contexto que advém o entendimento doutrinário segundo o qual a precariedade e a temporariedade são características do cargo comissionado. E são essas características que precisam ser consideradas em situações específicas, nas quais a precariedade e a temporariedade são incompatíveis com a própria natureza da atribuição a ser exercida.

É Edmir Netto de Araújo quem afirma que “Os cargos podem ser providos em comissão ou confiança, que, para nós, não deixam de ser sinônimos, no Direito Administrativo. Um dos significados do verbo cometer é exatamente o de confiar, e o de comissão é o de preenchimento de cargo por ocupante exonerável ‘ad nutum’, que quer dizer ‘à vontade de quem nomeia’.” Frisando a transitoriedade do ocupante do cargo comissionado, o administrativista sustenta que “Não é necessária a aprovação em concurso público para a nomeação em comissão (CF, art. 37, II), nem a prática de infração disciplinar, apurada em processo administrativo ou judicial, para seu desligamento.” (ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 303-304) A doutrina vem insistindo que “Os cargos de confiança (…) só se justificam para o desempenho de atividades de direção, chefia e assessoramento, logo, incompatível com atribuições de natureza eminentemente técnica, que condicionam a realização do concurso para o seu provimento, sob pena de representar ofensa ao artigo 37, inciso II, da Constituição Federal.” (ZIMMER JÚNIOR, Aloísio. Curso de Direito Administrativo. 3ª ed. São Paulo: Método, 2009, p. 424) Referida cautela ao interpretar a figura do cargo comissionado é essencial na medida em que a liberdade quanto ao início e fim do provimento dos cargos afasta a regra geral do concurso público e a da estabilidade que incidem relativamente aos cargos efetivos. Frisa-se a importância de excluir dessa seara competências técnicas que não se coadunam com as características do inciso II do artigo 37, em especial aquelas que se referem a carreiras com regramento constitucional impositivo de natureza diversa.

Reitere-se que uma das principais distinções entre o cargo efetivo e o comissionado é exatamente a estabilidade que pode adquirir o titular do primeiro e que é recusada ao que exerce o cargo de confiança. A regra geral é que o servidor comissionado é demissível “ad nutum”, ou seja, pode ser exonerado a qualquer tempo pela autoridade que o nomeou, não lhe sendo possível adquirir a estabilidade consagrada no artigo 41 da CR, restrita aos servidores efetivos. Essa característica (demissibilidade “ad nutum”) não se coaduna com algumas realidades administrativas, em especial a competência para representação judicial e extrajudicial, bem como atividades de consultoria na esfera das pessoas jurídicas de direito público interno (União, Estados, Municípios e DF) e administrativas (autarquias e fundações de direito público federais, estaduais, municipais e distritais).

Quando os servidores se vinculam a cargos efetivos, são investidos em feixes de atribuições que são predispostos a receberem ocupantes em caráter definitivo e permanente:

“Os cargos de provimento efetivo são predispostos a receberem ocupantes em caráter definitivo, isto é, com fixidez, Constituem-se na torrencial maioria dos cargos públicos e são providos por concurso público de provas ou de provas e títulos.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 280)

A regra geral é a de que cargos efetivos apenas podem ser providos após realização de concurso público. Ressalvadas exceções com assento constitucional (como os cargos vitalícios, p. ex.), é imperioso observar a determinação genericamente fixada no artigo 37, II da Constituição da República:

“II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;”

Principalmente o concurso viabiliza a participação dos cidadãos na expressão da vontade pública, o que torna realidade na própria estrutura do Estado a multiplicidade típica do mundo pós-moderno. Cármen Lúcia Antunes Rocha assevera que o próprio princípio republicano atrai a participação dos cidadãos: “Assim, não se podem prover cargos públicos sem a sua oferta a todos os cidadãos, aos quais se garanta o direito de aceder a eles desde que cumpridas as condições legais determinadas e necessárias para o seu bom desempenho, em benefício do interesse público. (…) Sendo a res publica, ao povo (público) compete participar da estrutura que realiza os interesses da coletividade.” (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos, op. cit., p. 147)

Ademais, o concurso público exclui critérios subjetivos irrelevantes para a Administração e enseja que sejam privilegiados elementos objetivos com base em que o Poder Público selecionará o profissional que de fato é capaz de atender as necessidades estatais:

“O concurso público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas. Na aferição pessoal o Estado verifica a capacidade intelectual, física e psíquica dos interessados em ocupar funções públicas, e no aspecto seletivo, são escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento.” (Apelação Cível nº 1.0313.09.274012-2/001, rel. Des. Dárcio Lopardi Mendes, TJMG, DJMG de 12.01.2010)

 

Com isso, reduzem-se os riscos de discriminações ilícitas, dos apadrinhamentos clientelistas que ocorrem através de indicações exclusivamente políticas. Combate-se a cultura do empreguismo e do exercício de cargo como um favor que merece retribuição política. Busca-se uma blindagem em face dos chamados “trens da alegria”, ainda comuns na realidade administrativa contemporânea. O TRF da 4ª Região já assentou que “A realização de concurso público impõe-se como forma de evitar a prática de condutas que, além de violar o princípio da impessoalidade, violam a própria moralidade administrativa, dando ensejo à condenável prática do nepotismo.” (Agravo de Instrumento nº 2008.04.00.031721-3-RS, rel. Des. Alexandre Gonçalves Lippel, 4ª Turma do TRF da 4ª Região, D.E. de 13.07.2009). Evitam-se critérios desproporcionais que significam favores e privilégios de alguns interessados em desfavor de outros candidatos, muitas vezes mais capacitados para o exercício da função pública. Quando se assegura competitividade efetiva em um procedimento idôneo, permite-se que a escolha da Administração se dê conforme o paradigma do mérito, com apuração objetiva do merecimento. Nesse contexto, a igualdade real deixa de ser um discurso teórico e se torna uma norma concretizável no cotidiano jurídico do Estado. É Adilson Abreu Dallari quem pontua:

““O concurso público somente interessa aos fracos, aos desprotegidos, àqueles que não contam com o amparo dos poderosos capazes de conseguir cargos ou empregos sem maiores esforços. A realização de concursos públicos sempre terá uma forte oposição daqueles que dispõem de meios para prover cargos e funções por outros meios.” (DALLARI, Adilson Abreu. Princípio da Isonomia e Concursos Públicos in Concurso público e constituição. Fabrício Motta (Coordenador). Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 88)

Sob essa perspectiva, o concurso público não apenas densifica, mas concretiza princípios como a moralidade, igualdade, eficiência e impessoalidade, na medida em que instala uma disputa aberta aos interessados que preencham as condições mínimas ao exercício da função estatal. Nessa  competição, o objetivo é afastar pessoas despreparadas e admitir a integração daqueles profissionais que demonstram melhores condições para a atividade administrativa. Para tanto, o Estado avalia o conhecimento dos candidatos e suas aptidões pessoais, de modo a selecionar aqueles que podem melhor exercer as competências públicas.

A efetiva compreensão da relevância e essencialidade do concurso público e da necessidade de se interpretar adequadamente as situações em que se impõe o reconhecimento do cargo efetivo como a figura adequada para vincular o servidor e a pessoa administrativa impedirá o crescimento dos mais diversos meios de burla à sua exigência, além de excluir vícios tradicionais de nepotismo e clientelismo na esfera estatal. A doutrina vem destacando as criativas formas usadas para se afastar as regras da Constituição menciona: a) terceirizações ilícitas de mão-de-obra e inclusão direta em folha de pagamento por serviços prestados, em razão de determinação verbal de autoridade pública, atraindo os termos do Enunciado 363 do TST; b) desvirtuamento do contrato de estágio que, celebrado sem processo de seleção, incorpora estagiário para suprir deficiência de pessoal da Administração, com exercício de competências próprias de servidores; c) desvirtuamento do cooperativismo cuja estrutura passa a ser utilizada para intermediar contratação de mão-de-obra pelo Poder Público, com flagrante prejuízo dos trabalhadores cujos direitos são recusados ao argumento de que se trata de “cooperados”; d) desvirtuamento de cargos comissionados e funções comissionadas que, em vez de se referir a atribuições de direção, chefia e assessoramento, abrangem competências técnicas permanentes das pessoas administrativas; e) celebração de convênios com associações comunitárias, uso de projetos sociais como “Bolsa Trabalho” ou de trabalho voluntário remunerado (regulado pela Lei Federal nº 9.608/98) para incorporar agentes encarregados do exercício de competências rotineiras dos órgãos e entidades administrativas, sem a satisfação dos pressupostos específicos a cada uma das figuras; f) contratações temporárias abusivas que inobservam as exigências do artigo 37, IX da Constituição da República; g) formas de provimento derivado inadmitidas após a Constituição de 1988, porquanto não excepcionadas no texto constitucional da regra estabelecida no inciso II do artigo 37; h) realização de concursos “de fachada” ou viciados com fraudes diversas, muitas vezes realizados com quebra de sigilo ou com o intuito exclusivo de regularizar situações ilegais pregressas; i) anulação de concurso sob o pretexto de ilegalidade em situações nas quais vício algum se encontra presente ou não nomeação dos aprovados nos certames, sem qualquer justificativa capaz de ampara a inércia estatal; j) contratação administrativa de atividades públicas inseridas em atribuições afetas a cargos e empregos públicos, ausente qualquer excepcionalidade que a justifique (SOARES, Evanna. Percalços na implementação do concurso público . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2253, 1 set. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13424>. Acesso em: 08 maio 2010); l) atribuição de efetividade, por lei, a servidores admitidos sem concurso público, ao argumento de que a “segurança jurídica” justifica sua permanência nos quadros da Administração (RMS nº 25.652-PB, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma do STJ, DJe de 13.10.2008), mesmo diante de clara inconstitucionalidade originária do vínculo; m) descumprimento da regra segundo a qual representação judicial e consultoria dos entes públicos deve ocorrer por meio de advogados públicos admitidos mediante concurso, titulares de cargos de provimento efetivo organizados em carreira, de modo que possam, em cada caso, analisar os subsídios técnicos que lhes sejam apresentados e aviar o pronunciamento competente sobre a matéria.

Sobre os dois últimos itens, cabem ponderações específicas que elucidem os seus contornos e habituais equívocos.  Em se considerando que os cargos públicos são criados por lei, dotados intrinsecamente da ideia de permanência no seu exercício, clara é a diversidade do regime jurídico daqueles que o exercem em relação àqueles que foram contratados pelo regime da CLT ou temporariamente, para atendimento de necessidade de excepcional interesse público.

A efetividade, antes e depois de 1988, é a situação jurídica daqueles servidores que titularizam cargos cujo provimento condiciona-se à prévia aprovação em concurso público. Portanto, é inconstitucional, em qualquer época, a “absorção”, “enquadramento” ou “transposição” do regime celetista ou temporário para o regime estatutário por emenda, lei ou decreto contrário à Lei Maior. Afinal, os institutos da estabilidade e efetividade não se confundem e a efetividade somente é adquirida mediante aprovação em concurso (RE nº 181.883-CE, rel. Min. Maurício Correa, 2ª Turma do STF, DJU de 27.02.98, p. 18), sendo vedada a sua atribuição por lei (ADI nº 2.433-RN, rel. Ministro Maurício Corrêa, Informativo 238 DO STF), por Decreto ou por qualquer outro mecanismo que não o êxito em regular seleção pública. (Apelação Cível nº 1998.01.00.048843-7, rel. Juiz João Carlos Mayer Soares, 1ª Turma Suplementar do TRF 1ª Região, DJU de 10.04.2003, p. 66. No mesmo sentido, confira-se: ROMS nº 14.806-RO, rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma do STJ, DJU de 02.08.2004, p. 421; ADI 106-RO, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, 10.10.2002, Informativo 285 do STF e ADI 1.573-SC, rel. Min. Sydney Sanches, Plenário do STF, Informativo n° 297 do STF)

Os Tribunais, em diversas oportunidades, têm afastado a vigência de dispositivos das Constituições Estaduais e das Leis Orgânicas Municipais que outorgaram efetividade após “certame seletivo interno”. Isto porque está o legislador limitado à ordem constitucional vigente, devendo obedecer aos princípios e regras preestabelecidos na Constituição da República. Não se ignore que o provimento de cargo efetivo dar-se-á mediante aprovação prévia em concurso público, em que devem ser estabelecidos critérios objetivos, visando, assim, a proteger a moralidade administrativa, ao evitar-se a concessão de privilégios a alguns agentes, em detrimento de outros. A finalidade do concurso é viabilizar que, em cada caso, se perquira os requisitos normativos do ordenamento fixados de acordo com a natureza e complexidade da função a ser exercida, atendidos os princípios constitucionais de regência. Não pode haver privilégios, nem mesmo em favor de agentes que tenham vínculos anteriores firmados sem a necessidade de realização de certame seletivo. (RE nº 148.113-PA, rel. Min. Moreira Alves, DJU de 01.12.95, p. 41.687, ADI nº 248-RJ, rel. Min. Celso de Mello, DJU de 08.04.94, ADI-MC nº 1.350, rel. Min. Celso de Mello, DJU de 06.09.96, ADI-MC nº 1.251, rel. Min. Celso de Mello, DJU de 22.09.95) É imperioso oferecer igual oportunidade de acesso a todos os eventuais interessados que demonstrem a aptidão necessária para o exercício de cargos efetivos, garantindo-se, presumivelmente, nos específicos concursos públicos, a admissão do melhor servidor para o exercício das novas funções.

Tais premissas também devem ser observadas quando se analisa o modo de estruturação da advocacia pública no país, aspecto sobre o qual serão feitas considerações específicas no item subsequente. Contudo, é cabível advertir, desde já, que o  artigo 131 da Constituição foi expresso ao determinar que a Advocacia-Geral da União é quem representa a União, judicial e extrajudicialmente, tendo sido editada a Orientação Normativa AGU nº 28, de 09 abril de 2009, que consagrou a exclusividade das atividades de consultoria jurídica e assessoramento  no Poder Executivo Federal pelos membros da AGU. O § 2º do artigo 131 da CR estabelece que “O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição (…) far-se-á mediante concurso público de provas e títulos”. Decorre da literalidade do artigo 132 da CR que a advocacia pública dos Estados-membros se dará por Procuradores organizados em carreira, admitidos na carreira por concurso público de provas e títulos (forma de provimento inerente aos cargos públicos de provimento efetivo), que exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica do Estado.

É dever irrenunciável observar o que fixaram os artigos 131 e 132 da CR. Não se admite que sejam previstas formas insuficientes de realização das prescrições constitucionais e legais ou que sejam arbitrariamente criados mecanismos diversos de satisfação das regras vigentes. Tem-se o dever de normatizar e agir com suficiência para concretizar os ditames constitucionais. Qualquer omissão administrativa afigura-se, pois, violadora do dever de agir proporcional. Qualquer normatização contrária ao que determina regra constitucional expressa mostra-se viciada, merecendo repúdio imediato as tentativas de manipulação infra-constitucionais. Qualquer pessoa, para realizar uma dada atividade em nome de ente federativo ou entidade administrativa, precisa demonstrar que, nos termos das normas constitucionais e legais, poderia estar investida da autoridade necessária à sua realização.

Especificamente sobre a previsão de competências de representação judicial e consultoria jurídica das pessoas públicas, manifesta é a inconstitucionalidade das regras que não guardam correspondência com o texto da Constituição da República, quando a isto estavam obrigadas, seja em razão do princípio da simetria, seja em razão de determinação expressa na CR. Não se admite contratos administrativos cujo objeto seja a representação judicial e atividade de consultoria, ainda que não se ignore a possibilidade de haver situações excepcionais no cotidiano da advocacia pública que, em determinados momentos históricos, exigem soluções específicas. Tais situações devem ser tratadas com a natureza que lhes é própria: a de exceção. E exceção pertinente a um determinado momento institucional do órgão, com a transitoriedade inerente ao tipo de realidade em questão. Afinal, trata-se do exercício de competências típicas do Estado, inadequadas para transferência ao mercado por via contratual, mormente se há regra que exige provimento de cargo público após aprovação em concurso, em cujas atribuições inserem-se as atividades cuja contratação pretende-se junto ao setor privado.

No tocante aos cargos comissionados cujas atribuições sejam equivalentes às dos cargos efetivos de advogados públicos, vislumbra-se a sua inconstitucionalidade, consoante se demonstrará, à exaustão, nos itens subsequentes. Desde já frisa-se, no entanto, que a viabilidade estabelecida na regra geral do artigo 37, V da Constituição de que a atividade de assessoramento se realize por meio de servidores providos em cargos comissionados não prevalece na seara do assessoramento jurídico. Isso porque a assessoria e consultoria jurídicas foram normatizadas em normas específicas do texto constitucional (artigos 131 e 132 da CR). É regra de hermenêutica basilar aquela segundo a qual normas específicas prevalecem sobre normas gerais estabelecidas em um diploma de mesma hierarquia. Assim sendo, as regras dos artigos 131 e 132 da CR, específicas para o assessoramento e consultoria jurídicos, prevalecem sobre a norma geral do artigo 37, V da CR que se refere ao assessoramento em todas as searas, viabilizando-o por meio de cargos comissionados e funções gratificadas. A predominância dos artigos 131 e 132 da CR conduz à exclusividade em favor da Advocacia Pública institucionalizada, cujos quadros sejam compostos mediante concurso público regular.

Não remanesce dúvida que a advocacia pública deve ser exercida exclusivamente por efetivos aprovados em regular concurso público realizado por pessoas jurídicas de direito público interno (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) ou administrativo (autarquias e fundações de direito público federais, estaduais, municipais e distritais, no exercício da sua independência administrativa). O entendimento jurisprudencial prevalecente sobre a questão é de que os únicos cargos que podem ser ocupados por comissionados são o de chefia (se a lei estadual não previr que seja da carreira) e seu substituto. Os demais dos cargos são obrigatoriamente privativos de procuradores públicos. Não foi em outro sentido o inteiro teor do parecer exarado pelo MPF na ADI nº 4.261 interposta pela ANAPE em defesa da exclusividade da carreira no exercício da advocacia pública. Citam-se, ainda, as decisões proferidas nas ADI’s nº 159, 881, 1.679, 2.581, 2.682 pelo Supremo Tribunal Federal, cujas posições serão analisadas, de modo específico, a seguir.

A interrupção de comportamentos múltiplos e reiterados que demonstram recalcitrância em tornar concreta a exigência do concurso público em diversas searas, inclusive de natureza jurídica, principalmente em se tratando de advocacia pública, depende de convencimento a propósito da regra dos artigos 37, II, 131 e 132 da Constituição da República, das normas constitucionais e legais que regulam o instituto em cada esfera da federação, bem como dos princípios constitucionais expressos e implícitos. O fato de o concurso ser um procedimento que dificulta hábitos nepotistas arraigados na cultura administrativa e se mostrar como um caminho ao final de que bons servidores podem se integrar ao quadro de agentes públicos corrobora a necessidade de torná-lo prática corriqueira e escorreita no Estado, ensejando a indispensável profissionalização técnica da Administração. A importância de se realizar tais misteres afigura-se mais significativa numa seara como a da advocacia pública, tendo em vista os deveres que se impõem sobre os ombros dos seus integrantes.

2.2. A advocacia pública: sua relevância, competências e consequências jurídicas daí resultantes em órgãos executivos de polícia de trânsito

A tarefa do advogado público é sustentar o cumprimento das normas e viabilizar a prevalência dos interesses da sociedade. Na representação judicial e extrajudicial, bem como na atividade de consultoria, não é lícito ignorar qualquer dos princípios constitucionais ou das normas do ordenamento, que vinculam as condutas de toda a estrutura do Estado. O que se requer desse profissional é que viabilize a concretização de uma Administração que cumpra as suas obrigações, o mais celeremente possível. Trata-se de um desafio que não é fácil de se enfrentar cotidianamente. Nem sempre é possível ter acesso tempestivo aos documentos e às informações indispensáveis à defesa judicial da Administração, sendo elevado e crescente o volume de demandas apresentadas cotidianamente à sua atuação. Não se ignore a dificuldade de, em casos concretos, negar pretensões individuais descabidas e impedir a celebração de contratos ou a prática de atos administrativos contrários ao ordenamento. Nem sempre o assessoramento prévio ou as propostas de mecanismos que reconduzem as medidas administrativas à juridicidade correspondem à expectativa imediata dos órgãos públicos e dos seus gestores transitórios. A despeito dos possíveis obstáculos, cabe ao advogado público, em todas as situações descritas, pronunciar-se comprometido com os interesses da sociedade. Diante de uma sociedade plural, com interesses controversos em abundância, incumbe-lhe trabalhar com a exigência de boa-fé objetiva no exercício das competências administrativas, fazer prevalecer a correta compreensão da indisponibilidade do interesse público, estabelecer as balizas da legalidade que não podem ser ultrapassadas quando da discricionariedade, concretizar a razoabilidade e proporcionalidade, evitar o arbítrio e a insegurança jurídica, além de realizar a melhor hermenêutica cabível na espécie.

O sucesso na execução desse munus pode tornar desnecessária a incidência ou continuidade de controles repressivos deflagrados pelos cidadãos ou por instituições como Ministério Público e processados perante o Judiciário, com o fim de assegurar o equilíbrio entre os Poderes e a consecução das competências estatais. É sob essa perspectiva que é preciso avaliar os esforços direcionados à efetividade da advocacia pública e ao reconhecimento do seu caráter fundamental como instrumento de concretização do Estado Democrático de Direito. É sem ignorar os desafios que o advogado público enfrenta cotidianamente que se deve interpretar o ordenamento no que tange à interpretação literal do texto da Constituição e aos limites que precisam ser impostos às inúmeras e constantes iniciativas de afastar a imposição de um membro da carreira, aprovado por concurso, encarregar-se das competências de consultoria, representação judicial e extrajudicial das pessoas jurídicas de direito público.

De fato, o crescimento das atribuições do Estado e o momento de crise global que atinge o Brasil implicam maior cautela no assessoramento jurídico das decisões públicas, investimento específico no quadro de pessoal encarregado de representá-lo judicial e extrajudicialmente, com respeito às regras da Constituição que determinam o regime jurídico próprio para vincular o advogado público à pessoa administrativa que necessita da sua atuação. Sem uma adequada infraestrutura humana, capaz de planejar, coordenar, executar e controlar, sem a adoção do regime jurídico próprio, previsto na Constituição, para reger a relação profissional entre Estado e seu representante/consultor, tem-se como inviável o processo político e administrativo do Estado contemporâneo. A própria legitimidade do processo submeter-se-á a questionamentos de constitucionalidade, sem que se ignore o volume de riscos à juridicidade das ações realizadas, sem a segurança do regime dos cargos efetivos providos após regular concurso público.

A esse propósito, tem-se as reflexões, sempre lúcidas, do constitucionalista Gustavo Binenbojm que adverte para o significado do status constitucional da Advocacia Pública, muito além do exercício da defesa ativa do Estado em juízo. A própria inscrição no capítulo das funções essenciais à Justiça, correlaciona-se ao modelo do Estado democrático de direito inaugurado com a Carta de 1988 e, neste desenho, o advogado público é um agente ativo essencial para a consecução dos valores inerentes ao Direito e à democracia:

“Em outras palavras, a democracia constitucional é o regime que articula e realiza a vontade da maioria dentro das regras e limites do jogo democrático, estabelecidos na Constituição e nas leis.

Ocorre que esse projeto de Estado, insculpido desde o art. 1º da Constituição Brasileira, seria esvaziado se não existissem, no nível das instituições, instrumentos aptos à realização concreta e efetiva de tal programa. E a Advocacia Pública é a função de Estado por excelência a que o constituinte conferiu, precisamente, a missão de estabelecer uma comunicação entre os subsistemas sociais da política e do Direito. Isto é: o elo entre a democracia e a juridicidade.

Realmente, cabe a cada órgão da Advocacia Pública, no exercício das atribuições de que a Constituição os incumbiu – ou seja, a representação judicial e extrajudicial dos entes públicos, a consultoria e o assessoramento jurídico: (i) viabilizar, no plano jurídico, as políticas públicas definidas pelos agentes políticos eleitos – e nisso reside o seu compromisso democrático; e (ii) ajustar os atos dos gestores públicos e do aparato administrativo ao quadro de possibilidades e limites oferecidos pelo ordenamento jurídico, na realização de um controle de juridicidade que é tanto prévio quanto sucessivo – o que constitui o seu compromisso jurídico.” (BINENBOJM, Gustavo. Parecer. Disponível em http://www.advocaciapublica.com.br/forum/images/stories/pdfs/parecer-plc-205-2012.pdf, acesso em 10.09.2015)

Ao tratar desses compromissos, o professor carioca observa que o primeiro consistente na viabilização de políticas públicas legítimas, situação em que o advogado público exerce papel que é necessariamente dinâmico. “Não se trata do exercício de um ‘sim’ ou um ‘não’. Não se cuida de proferir um decisum estático, como faz a magistratura. Nem de exercer a opinio delicti, como compete ao Ministério Público.” Para ele, o papel do advogado público é compreender a política pública que se deseja implementar, expressão da vontade popular intermediada por seus representantes eleitos, e buscar estabelecer os mecanismos que viabilizem a realização dessa política.  “Isto é: o Advogado Público não é um censor, não é um juiz administrativo, nem uma espécie de Parquet interno à Administração Pública”.

Especialmente em se tratando de um órgão como a PMMG, que exerce atividade de segurança junto a toda a sociedade mineira, tem-se claro o papel do advogado público, com especial importância na atividade de assessoramento à direção do órgão, principalmente no que tange à diretoria de Recursos Humanos, que atua em face de todo o contingente de militares do Estado. O fato de ser legítimo apoio administrativo em atividades de pesquisa preliminares, de trâmite procedimental de expedientes e de informações administrativas e técnicas a serem fornecidas (à AGE e, após verificação pela autoridade competente, em mandados de segurança) não altera a exclusividade do artigo 132 da CR. É com o esforço de vê-lo observado que será atingido o interesse público constitucionalmente balizado no desenho e na realização de políticas públicas legítimas.

Em outra publicação, Gustavo Binenbojm observou:

“Uma vez definidas essas políticas públicas, nas quais é imprescindível a participação ativa da Advocacia Pública no âmbito da consultoria jurídica, é papel do Advogado Público dar-lhes sustentabilidade perante os órgãos judiciários e as cortes de contas. Dessa forma, a defesa judicial deve ser compreendida não como um capitis diminutio do Advogado Público, reduzida à mera função de Advogado de governo, mas como uma função institucional essencial à democracia, por meio da qual se busca dar sustentação jurídica aos projetos de governo e contribuir, dessa forma, para a governabilidade. A defesa judicial de políticas públicas legítimas é missão fundamental da Advocacia Pública, ligada intimamente à própria ideia de democracia”. (BINENBOJM, Gustavo. A Advocacia pública e o Estado Democrático de Direito. Revista da Procuradoria-Geral do Município de Juiz de Fora – RPGMJF, Belo Horizonte, ano 1, n. 1, p. 219-227, jan./dez. 2011).

Daí infere o professor Binenbojm que o compromisso jurídico dos advogados de Estado, consistente na imposição de limites à vontade e aos atos de gestores públicos, é condição “sine qua non” da advocacia pública, que, nesse ponto, se diferencia da advocacia privada. “Se o Advogado Privado é o profissional que atende aos interesses do seu cliente, dentro das fronteiras da sua ciência, da sua consciência e da ética profissional, o Advogado Público deve reverência, além disso, aos limites impostos pelo ordenamento jurídico, sendo um agente promotor do princípio da juridicidade”. Vale-se da lição de José Afonso da Silva, segundo quem cabem ao advogado público deveres de maior extensão que a mera advocacia de interesses patrimoniais da Fazenda Pública. É sua função defender e fazer prevalecer a legalidade em seu sentido mais amplo, que pode ser sintetizada no princípio da juridicidade. Saíram, portanto, da mera condição de servidores públicos burocráticos, preocupados apenas com o exercício formal da atividade administrativa de defesa dos interesses patrimoniais da Fazenda Pública para se tornarem peças relevantes da plena configuração desse tipo de Estado (SILVA, José Afonso da. A Advocacia Pública e Estado Democrático de Direito. Revista de Direito Administrativo, v. 230, out/dez 2002, p. 284 e 289).

Cumpre pontuar as advertências do citado Gustavo Binenbojm:

“Ainda que isso implique discordar justificadamente de determinações superiores, tal postura é exigida pelo compromisso jurídico da Advocacia Pública.

Daí porque, e.g., no exercício da representação judicial, a defesa da presunção da legitimidade dos atos do Poder Público deve ceder diante das situações em que a Advocacia Pública entenda que essa presunção foi elidida. É sua obrigação reconhecer quando os limites da juridicidade foram ultrapassados e opinar no sentido da confissão a direitos postulados pelos particulares, da desistência de ações, da realização de transação e da uniformização de entendimentos administrativos que abreviem esses litígios e contribuam para a redução da pletora de demandas que assola o Poder Judiciário do País.” (BINENBOJM, Gustavo. Parecer. Disponível em http://www.advocaciapublica.com.br/forum/images/stories/pdfs/parecer-plc-205-2012.pdf, acesso em 10.09.2015)

A Constituição da República deixou evidente essa importância institucional da Advocacia Pública ao discipliná-la no Capítulo IV (Das funções essenciais à Justiça) do Título IV (Da organização dos poderes) fora do Título III (da Organização do Estado). Como bem consagrou na ADI nº 2.581 o constitucionalista e então Ministro do STF Carlos Ayres Britto, as instituições referidas pela Constituição da República, devem gozar de garantia institucional, visto que, quando a Constituição separa, destaca, isola uma instituição, é para prestigiá-la, assim com a Ordem dos Advogados do Brasil, os advogados em geral, as universidades, os sindicatos, os partidos políticos, as Procuradorias de Estado. A Constituição não isola uma instituição senão para conferir a ela um “status”, uma dignidade maior (na ADI nº 2581 ajuizada pelo Governador do Estado de São Paulo, a Corte consagrou a constitucionalidade de dispositivo da Constituição Estadual que estabelece o recrutamento limitado para a escolha do Procurador-Geral do Estado).

O prestígio reconhecido a advocacia pública exsurge, primeiramente do artigo 131 da CR que obriga a União Federal: “A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.” O § 2o do referido dispositivo estabelece que “O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição (…) far-se-á mediante concurso público de provas e títulos”.

Determina o artigo 132 da Constituição da República, com a redação atribuída pela EC 19/98, que “Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.” Resulta diretamente do referido dispositivo que: 1) a advocacia pública dos Estados-membros se dará por Procuradores organizados em carreira; 2) os Procuradores serão admitidos na carreira por concurso público de provas e títulos (forma de provimento inerente aos cargos públicos de provimento efetivo); 3) esses Procuradores exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das pessoas públicas.

Quanto à primeira determinação, é certo que a carreira é o conjunto de classes funcionais de uma mesma profissão que são compostas por cargos de mesma atribuição. As classes são escalonadas segundo a hierarquia do serviço, para acesso privativo dos titulares dos cargos que a integram. O conjunto de carreiras e de cargos isolados constitui o quadro permanente do serviço dos diversos Poderes e órgãos da Administração Pública. As carreiras iniciam-se e terminam nos respectivos quadros. O conceito de quadro complementa a ideia de exclusividade:  quadro é o conjunto de carreiras, cargos isolados e funções gratificadas de um mesmo serviço, órgão ou Poder. O quadro pode ser permanente ou provisório, mas sempre estanque, não admitindo promoção ou acesso de um para outro.

Quanto à segunda conclusão, tem-se que o concurso público é uma exigência constitucional a se cumprir para provimento dos cargos efetivos, à exceção de alguns cargos de mais elevado escalão do Judiciário e Tribunais de Contas (art. 101 – Ministros do STF nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado; o cargo de Ministro do STF é de provimento efetivo, mas não pressupõe concurso público prévio; situação semelhante é a do quinto constitucional)

Os cargos efetivos devem constituir a maioria dos cargos públicos. Não há qualquer dúvida sobre o acerto de submeter os cargos encarregados da representação de um ente federativo à admissão mediante prévia aprovação em concurso como condição essencial ao provimento efetivo.

Finalmente, o artigo 132 da Constituição da República reservou a representação judicial e a consultoria jurídica dos Estados e DF aos Procuradores, organizados em carreira e providos em seus cargos após aprovação em concurso público. Embora a interpretação literal não seja o único, nem melhor método de interpretação, o uso do imperativo “Os Procuradores dos Estados (…) exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas” expressa competência que vincula o legislador e o administrador público. A observância dos limites de competência veiculada em regra expressa do texto constitucional é obrigatória (poder-dever). Por tal obrigatoriedade, a competência tal como delineada na CR é irrenunciável e intransigível, não podendo ser objeto de pactos ou acordos, nem mesmo normas que lhe comprometam ou reduzam o exercício. A doutrina é assente em afirmar que as competências são de exercício obrigatório, irrenunciáveis, intransferíveis e imprescritíveis.

 

Se a Constituição da República estabelece regra específica sobre a competência relativa à representação judicial e consultoria jurídica, imputando-a aos Procuradores do Estado, não há dúvida sobre o caráter irrenunciável dessa atribuição. Não há qualquer liberdade superveniente para o constituinte estadual, legislador ordinário ou administrador público exarar livremente decisão em sentido contrário. Não há renúncia possível, pois não é legítimo abdicar da titularidade de uma competência prevista constitucionalmente em dispositivo em vigor. Também não se admite excluí-la por norma diversa, nem por contratos administrativos futuros, em razão da submissão aos ditames do dispositivo constitucional vigente. Não há, ainda, transferência possível, pois competência pública não pode ser objeto de transação. Isso porque norma constitucional que imputa dada atividade a determinado cargo público não consagra “privilégio” ou “faculdade”. Não se trata de favores que podem ser utilizados, ou não, conforme a livre vontade do legislador ou do administrador.

Trata-se, pois, de dever vinculante a ser cumprido de modo imperativo e unilateral (ideia de função). Afinal, atribuições fixadas constitucionalmente são verdadeiras atividades de exercício obrigatório. Mesmo quando discricionários no seu conteúdo ou no motivo que os enseja, são vinculados quanto ao dever de agir: ideia de função cogente. A doutrina civilista vem explicitando que esta noção advém do latim “functio”, cujo significado é cumprir algo ou desempenhar um dever ou uma atividade. Quem tem função, seja uma coisa ou uma pessoa, tem um papel a ser cumprido em face do ordenamento, ou seja, há uma atividade que deve necessariamente se realizar. (ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Direitos reais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 200)

A legali­dade deixa de ser a faculdade de exercer, ou não, as atribuições autorizadas pelo ordenamento, para se transformar em exigência de cumprimento das ações ou omissões estipuladas, de forma geral e abstrata, nas normas jurídicas, mormente as consagradas na Constituição. Tendo sido previsto na Constituição dada competência, esta passa a ser obrigatória e vinculante da estrutura administrativa e da normatização superveniente. Registre-se que, a própria ideia de juridicidade inadmite que se compreenda a legalidade, atualmente, em uma perspectiva restrita que excluiria o controle da observância dos princípios da moralidade, eficiência, supremacia do interesse público, boa-fé objetiva, proporcionalidade, publicidade, impessoalidade, segurança jurídica, dentre outros. A isto se acrescem as regras constitucionais, as regras legais, as normas regulamentares (editadas pelo Chefe do Executivo por meio de decretos) e regulatórias (editadas pelos órgãos e autoridades administrativas no exercício das suas competências), todas vinculantes da Administração Pública e dos demais poderes do Estado.

Daí ser claro que aferir se um determinado meio escolhido pelo Poder Público atende todo o arcabouço normativo não caracteriza emissão de opinião ideológica ou invasão da oportunidade e conveniência do gestor administrativo. Ao contrário, trata-se de mero controle de legalidade, compreendida esta na adequada perspectiva da juridicidade. À obviedade, o controle de legalidade assim definido não se restringe a instituições como o Poder Judiciário e o Ministério Público, mas se estende aos agentes públicos no exercício das suas atribuições, incluindo-se os advogados públicos.

Nesse contexto, é certo que, se a Constituição da República estabeleceu que a competência para representação judicial, consultoria e assessoramento da União se dará por meio da AGU, cujo ingresso depende de concurso público, e que a representação judicial e consultoria dos Estados-Membros se dará por meio da atuação de Procuradores do Estado, é dever irrenunciável observar o que fixou os artigos 131 e 132 da CF, máxime em se considerando a importância de um órgão como a PMMG. Não se admite que sejam previstas formas insuficientes de realização das prescrições constitucionais e legais ou que sejam arbitrariamente criados mecanismos diversos de satisfação das regras vigentes. Tem-se o dever de normatizar e agir com suficiência para concretizar os ditames constitucionais.

Hoje em dia, tem-se claro inconformismo com a inércia e letargia relativas ao exercício das competências estatais; omissão no cumprimento do dever traz consequências mais desastrosas que a atuação irregular no tocante às formalidades administrativas; espera-se uma atuação tempestiva, constitucional e legítima do Estado. Não se desconhece a difícil situação a que se sujeita o Legislativo e quadro de pessoal da Administração, com o excesso de demandas e a insuficiência de agentes aptos ao atendimento de todas as necessidades sociais, ao que se acrescem as clássicas e não solucionadas dificuldades remuneratórias das carreiras estatais e a recente crise que atingiu o Executivo Estadual, em limite prudencial desde 30.09.2015. Contudo, impõe-se sejam tomadas providências na tentativa de sanar as causas da demora ou completa inércia administrativa, bem como na estruturação devida dos quadros públicos. Omissão estatal afigura-se, como já explicitado, violadora do dever de agir proporcional. Qualquer normatização ou contratação contrária ao que determina regra constitucional expressa mostra-se viciada, merecendo repúdio imediato e limitação das atividades que se pretende exercidas por servidores, que não advogados públicos, ao apoio e execução material de providências como prestação de informações técnicas, de natureza administrativa.

A superação das omissões normativas e administrativas, relativas à estrutura da advocacia pública, é um dos principais desafios atuais do Estado brasileiro.

No âmbito do Estado de Minas Gerais, malgrado tenha sido criado o Núcleo de Assessoramento Jurídico da AGE-MG (NAJ-AGE) pelo Decreto Estadual 46.748, de 30.04.2015, não se tem como realidade que quadro suficiente nos órgãos jurídicos das Secretarias, das autarquias e das fundações públicas integrados apenas por Procuradores do Estado. Vivem-se realidades em que atos de orientação jurídica são praticados sem assinatura do Procurador com competência constitucional, o que traz em si o risco de discussão sobre a sua própria existência no mundo jurídico. Já se ressaltou que a competência para prática dos atos de representação legal contenciosa ou de consultoria jurídica no Estado é exclusiva dos Procuradores, consoante resulta do próprio texto constitucional. Consequentemente, se praticados os atos por servidores providos em cargos comissionados, não admitidos mediante concurso público para o cargo de Procurador do Estado, tem-se clara a possibilidade de questionamento de que o ato não se perfaz. Situação grave como a explicitada justifica intolerância absoluta com uma realidade que, inconstitucional, ainda deixa confortáveis gestores que preservam o poder de nomear e exonerar, conforme vontade pessoal, quem tem por função limitar juridicamente o exercício das suas funções. Isso assegura à autoridade administrativa um poder de vida ou de morte quanto à sobrevivência profissional do assessor jurídico, mormente em um órgão hierarquizado como a PMMG, e exige do servidor comissionado um grau de resiliência superior ao razoável considerando-se os limites de suportabilidade de um homem médio. Interpretar o ordenamento para dele extrair uma conclusão que dá um poder inadmitido na Constituição a uma autoridade, na esperança de o seu exercício encontrar como subordinado um ser humano com incomum senso de resiliência, é algo que não se coaduna com o mínimo de equilíbrio necessário na hermenêutica dos textos normativos. E não é suficiente para contornar um risco dessa gravidade o simples fato de, circunstancialmente, ter-se a sorte de em determinada época estar no exercício da função superior uma autoridade com extraordinário senso de justiça, incapaz de se valer de poderes inerentes ao seu cargo para manipular orientações jurídicas fora dos parâmetros normativos.

Destarte, cumpre fazer realidade que a representação judicial e consultoria dos Estados Membros, suas autarquias e fundações de direito público se dê por meio de Procuradores do Estado admitidos mediante concurso público, titulares de cargos de provimento efetivo organizados em carreira, de modo que possam, em cada caso, analisar os subsídios técnicos que lhes sejam apresentados e aviar o pronunciamento competente sobre a matéria. Qualquer profissional, para realizar uma dada atividade em nome de um órgão integrante da pessoa federativa, precisa demonstrar que, nos termos das normas constitucionais e legais, poderia estar investida dos poderes estruturados e independentes necessários à sua realização. Aqueles que não são advogados públicos não podem, assim, exercer função de assessoramento, mas somente realizar o apoio jurídico necessário à atividade fim e executar atos de natureza técnica e administrativa ou ainda atividades de suporte como prestação de informações ao órgão de representação do Estado (AGEMG) ou em mandados de segurança dirigidos às autoridades da própria PMMG, análises preliminares em processos disciplinares ou licitatórios, cujo exame final incumbe ao Procurador.

Já se advertiu, em mais de uma oportunidade, a importância de fazer realidade que a representação judicial e consultoria dos Estados Membros, principalmente em órgãos como a PMMG, se dê por meio de Procuradores do Estado admitidos mediante concurso público, titulares de cargos de provimento efetivo organizados em carreira, de modo que possam, em cada caso, analisar os subsídios técnicos que lhes sejam apresentados e aviar o pronunciamento competente sobre a matéria. Qualquer profissional, para realizar uma dada atividade em nome de uma pessoa federativa, precisa demonstrar que, nos termos das normas constitucionais e legais, poderia estar investida dos poderes estruturados e independentes necessários à sua realização. Ora, é inviável a subordinação técnica de uma Procuradoria à AGE se aquele que tem o poder de nomear e exonerar os assessores jurídicos é a autoridade administrativa com competência para provimento dos cargos comissionados.

Ressalte-se o fato de que a lei que foi aprovada para criar um cargo comissionado exige o mesmo trâmite da lei que cria cargos efetivos de Procuradores do Estado. Não é razoável imaginar qualquer razão juridicamente sustentável pela qual se recusa a presença de um Procurador do Estado em um órgão como a PMMG, no exercício das suas missões constitucionais, mas se admite a presença de um servidor comissionado, dependente da manutenção da vontade da autoridade nomeante para que amanhã ainda possua trabalho e remuneração. Não se esqueça que atos de exoneração de cargos comissionados, de natureza discricionária, são praticados sem qualquer fundamentação, sem que o Judiciário se pronuncie no controle dos mesmos exigindo indicação de motivos fáticos e legais suficientes para os amparar, malgrado divergência doutrinária pessoal no tocante a tal estruturação sistêmica.

Em razão da proporcionalidade, impõe-se — também na atividade de contratar — a conduta adequada, necessária e suficiente, bem como o dever de perseguir, de modo refletido, o equilíbrio necessário à proteção dos direitos da coletividade. Para tanto, é preciso o sopesamento dos valores juridicizados no ordenamento (em especial na Constituição) em face das circunstâncias concretas, caracterizando violação a este dever quaisquer exageros injustificados. Ao praticar determinada conduta, o Poder Executivo deve viabilizar a concretização do interesse pú­blico primário, evitando sacrifícios desnecessários para a estrutura administrativa, para o erário e, em última instância, para a sociedade. Especificamente sobre a previsão de competências de representação judicial e consultoria jurídica dos Estados-membros em sentido diverso ao que prescreve o artigo 132 da CR, manifesta é a inconstitucionalidade das ações que não guardam correspondência com o texto da Constituição da República, tendo em vista em razão de regra expressa na CR. Esta restrição à autonomia dos Estados consubstancia de limite inerente ao exercício do poder constituinte derivado e limitado, ao que se acresce a óbvia submissão legislativa à Carta Magna do país.

O caráter vinculante das normas constitucionais obriga os entes políticos integrantes da federação brasileira desde a regulação do processo legislativo até a organização de instituições como a Procuradoria do Estado, incluindo a estruturação da Administração Pública e dos seus cargos em diversos aspectos. O Pleno do Supremo Tribunal Federal já entendeu que os “Estados-membros, na elaboração de seu processo legislativo, não podem afastar-se do modelo federal ao qual devem sujeitar-se obrigatoriamente (CF, artigo 25, caput)” (ADI nº 102-RO, rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno do STF, DJU de 29.11.02, p. 17), o que atinge os “projetos de lei sobre a criação e extinção de cargos públicos, de aplicação obrigatória no Estado-membro” (ADI nº 249-RJ, rel. Min Néri da Silveira, Pleno do STF, DJU de 17.12.99, p. 02), a edição medidas provisórias (ADI nº 425-TO, rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno do STF, DJU de 19.12.03, p. 19), a estruturação e atribuição de órgãos públicos(ADI nº 2719-ES, rel. Min. Carlos Velloso, Pleno do STF, DJU de 25.04.03, p. 32), bem como a organização e composição dos Tribunais de Contas (ADI-MC nº 2.884-RJ, rel. Min. Celso de Mello, Pleno do STF, julgada em 02.12.04).

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, ilustre jurista e Procurador do Ministério Público junto ao TCDF, indaga, com habitual percuciência jurídica: “Poderia um Estado criar na Constituição Estadual norma que conflite com o modelo federal?” O autor responde negativamente e invoca a lição de Cretella Júnior: “’nenhuma Constituição de Estado-membro pode abrigar uma só regra jurídica constitucional que conflite com a correspondente regra jurídica constitucional federal’. Lapidarmente complementar: ‘a Constituição é a matriz. Dá os parâmetros a serem seguidos em todo o país’”. (Revista de Informação Legislativa, a. 36, n. 142, abril/junho de 1999, p. 169-170.)

Destarte, cumpre atentar para tais aspectos quando da hermenêutica do art. 128 da Constituição mineira: “A Advocacia-Geral do Estado, subordinada  ao Governador   do   Estado,   representa   o   Estado   judicial   e extrajudicialmente,  cabendo-lhe, nos termos da  lei  complementar que sobre ela dispuser, as atividades de consultoria e assessoramento jurídicos do Poder Executivo.” A prescrição de que a Advocacia Geral do Estado representa o Estado judicial e extrajudicialmente implica a obrigatoriedade de que tal representação se dê através de Procuradores do Estado, aprovados em concurso público e providos em cargos efetivos, sendo inconstitucional qualquer norma da CEMG ou da legislação complementar que contrarie a literalidade do artigo 132 da Constituição da República.

Se se tratar de competência que não pode ser transferida, em razão de prévia escolha pública consagrada no ordenamento, em especial na própria Constituição, absurdo qualquer mutação no exercício da discricionariedade política levada a efeito pelo gestor público, inclusive quanto às escolhas discricionárias técnicas da Administração Pública.

Especialmente sobre a importância de uma representação judicial, consultoria e assessoramento eficientes, tem-se a relevância da autotutela administrativa em nossa realidade pública. Como bem lembra Rodolfo de Camargo Mancuso (Revista dos Tribunais, v. 888, out. de 2009, p.  09-36), tem-se um aumento significativo da demanda perante o Judiciário. Sabe-se que os Poderes Públicos são responsáveis pelo crescimento numérico dos processos. No lugar de medidas como o incessante crescimento da base física do Judiciário (mais fóruns, mais juízes, mais equipamentos de informática; enfim, mais custeio), estratégia que se aproxima do popular enxugar gelo, na medida em que o aumento da oferta acaba por retroalimentar a demanda (dissemina junto à população a falácia de que toda e qualquer controvérsia pode e deve ser judicializada), surge, relevante, a autotutela administrativa e a preservação de competência fundamental como a de consultoria exercida por advogados públicos, admitidos após regular concurso público.

Além das funções explicitamente previstas na Constituição, outra de importância institucional aguda toca às Procuradorias Estaduais: o exercício do controle interno da legalidade estatal que é, ao lado da limitação de competência, uma das técnicas de contenção do Poder. O aprimoramento técnico (jurídico), tornou-se imprescindível ao exercício das funções essenciais à Justiça. O exercício de quaisquer das funções atribuídas às Procuradorias Estaduais, sejam as explícitas, de representação judicial e de consultoria, seja a implícita, de controle dos atos administrativos, demandam a necessária consistência técnica sob pena de inviabilizarem-se os fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito. Tais argumentos demonstram os fundamentos teleológicos da institucionalização da Advocacia de Estado como órgão, tanto quanto o Ministério Público e a Defensoria Pública, para o exercício dos atos de sua competência privativa. Assim, tem-se clara a importância de uma Procuradoria com independência suficiente, o que implica significativo ganho para a pessoa pública e para a sociedade. No lugar de degenerarmos na temível “injustiça célere” (expressão de Miguel Reale Júnior), evita-se que o conflito se instaure perante o Judiciário, mantendo-se maior qualidade na atuação administrativa do Estado e do próprio controle judicial.

Atentando para todos esses aspectos, a regra é de que não se admite que cargos comissionados providos por terceiros (não Procuradores do Estado) ensejem a representação judicial e atividade de consultoria no tocante a competência pública originariamente estatal, visto que inconstitucional esvaziar a a determinação do artigo 132 da CR.

O cuidado que se impõe, por conseguinte, é evitar a nomeação para cargos comissionados pelo Poder Público que termine na realização de serviços os quais consubstanciam atividades constitucionalmente inseridas em competências de cargos públicos efetivos de Procuradores do Estado, sob pena de nulidade absoluta, em razão de franca subversão do regime jurídico de direito público, em especial da moralidade, juridicidade e eficiência administrativa.

O administrativista Joel de Menezes Niebuhr cita Márcio Cammarosano segundo quem os serviços de representação judicial ou extrajudicial, defensoria pública, consultoria e assessoria jurídica, para atendimento de necessidades permanentes da Administração Pública, devem ser prestados por pessoal integrante do quadro de servidores do ente governamental, admitidos mediante concurso público, em decorrência dos arts. 131 a 135 da Constituição e até do artigo 38, parágrafo único, da própria Lei 8.666. Ainda segundo Cammarosano a contratação sistemática de terceiros para desempenho daquelas atividades, caracterizando ou não indireta contratação de mão-de-obra, constitui burla ao art. 37, II da CR. Para Márcio Cammarosano, “Quem exerce as referidas atividades deve estar a salvo de pressões políticas, atuar com independência, impessoalidade, o que só se alcança com as garantias inerentes à titularidade do cargo público de provimento em caráter efetivo ou, ao menos, com a certeza de que não poderá ser dispensado sem adequada motivação, contrapartida da admissão mediante concurso público. Se se exige critério objetivo para admitir pessoal, não faz sentido realizar dispensas a não ser mediante adoção de critérios dotados de objetividade.” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública. São Paulo: Dialética, 2003, p. 197-198, nota 57)

Até mesmo sobre as contratações por tempo determinado, após a ADI 1.567, o STF passou a entender inconstitucional contratação por tempo determinado para atividades essencialmente permanentes, sendo seu objeto apenas atividades transitórias, o que exclui as competências inerentes à advocacia pública. Nessa porfia, Fernanda Marinella aduz convergência da doutrina e da jurisprudência no sentido da necessidade da função ser temporária, visto que, caracterizada necessidade permanente, Estado deverá realizar concurso público e preencher pelas vias normais, usando cargos e empregos públicos. A professora cita reconhecimento, pelo STF, da inconstitucionalidade de contratos temporários para admissão de servidores para funções burocráticas ordinárias e permanentes. (MARINELLA, Fernanda. Servidores Públicos. Niterói: Impetus, 2010, p. 132-133) O Supremo Tribunal Federal concedeu liminar para suspensão do art. 2º da MP 2.014/2000, por meio do qual o INPI pretendia recrutar servidores para uma série de funções permanentes da autarquia sob o regime especial do art. 37, IX da CF, julgando-o, “a priori”, inconstitucional por se tratar de contratação por tempo determinado para atender necessidade permanente. (ADI-MC nº 2.125-DF, rel. Min. Maurício Corrêa, Informativo 184 do STF). O STF também deferiu liminar para suspensão da Lei nº 6.094/00 do Estado do Espírito Santo que autorizava o Executivo a contratar temporariamente defensores públicos em ‘caráter emergencial’, reconhecendo ofensa aos arts. 37, II e 134 da CF que impõem concurso público para aquela carreira (ADI-MC nº 2.229-ES, rel. Min. Marco Aurélio, Informativo nº 202 do STF). Especificamente sobre a inadmissibilidade de se contratar pessoal para atender necessidade temporária da assistência jurídica de competência específica de autarquias desprovidas de quadro de pessoal próprio, tem-se julgado do Pleno da Corte Suprema:

“Contratação temporária e concurso público. Por reputar caracterizada a afronta aos incisos II e IX do art. 37 da CF, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade da Lei amapaense 765/2003. A norma impugnada autoriza a contratação de pessoal para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público nas áreas de saúde; educação; assistência jurídica; de competência específica dos órgãos autônomos, autarquias e fundações públicas desprovidos de quadro próprio de pessoal e de técnicos especializados no âmbito de projetos especiais instituídos por ato do Chefe do Poder Executivo daquela unidade federada. Entendeu-se que a lei adversada fixaria hipóteses abrangentes e genéricas de contratação, sem definir qual a contingência fática emergencial apta a ensejá-la, bem como permitiria a contratação para o exercício de serviços típicos de carreira e de cargos permanentes no Estado, sem concurso público ou motivação de excepcional relevância que a justificasse. Acrescentou-se que a norma questionada teria como fundamento a Lei amapaense 192/94, cuja validade das contratações temporárias fora afirmada em razão da incipiência da estrutura administrativa do referido ente federativo, criado em 1990. Consignou-se que as leis amapaenses que lhe sucederam teriam como características marcantes o caráter permanente das funções passíveis desse tipo de arregimentação e a previsibilidade da necessidade ensejadora dessa contratação. No ponto, destacou-se a perpetuação da edição dessas leis inconstitucionais.” ADI nº 3.116-AP, rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno do STF, julgamento em 14.04.2011, Informativo 623 do STF)

No tocante aos cargos comissionados cujas atribuições sejam equivalentes às dos cargos efetivos de Procurador do Estado, tem-se, aqui também, presente inconstitucionalidade (da lei ou do comportamento administrativo presente no desvio de função). A viabilidade estabelecida na regra geral do artigo 37, V da Constituição de que a atividade de assessoramento se realize por meio de servidores providos em cargos comissionados não prevalece na seara do assessoramento jurídico. Isso porque a assessoria e consultoria jurídicas foram normatizadas em normas específicas do texto constitucional (artigos 131 e 132 da CR). É regra de hermenêutica basilar aquela segundo a qual normas específicas prevalecem sobre normas gerais estabelecidas em um diploma de mesma hierarquia. Assim sendo, as regras dos artigos 131 e 132 da CR, específicas para o assessoramento e consultoria jurídicas, prevalecem sobre a norma geral do artigo 37, V da CR que se refere ao assessoramento em todas as searas, viabilizando-o por meio de cargos comissionados e funções gratificadas. A predominância dos artigos 131 e 132 da CR conduz à exclusividade ora defendida em favor da Advocacia Pública regularmente institucionalizada.

Não é atual a dificuldade administrativa de absorver a ideia de uma advocacia pública exercida por Procuradores providos em cargos efetivos. Não é rara a tentativa de retirar dos órgãos de representação judicial a submissão a regime jurídico administrativo. Na verdade, se analisarmos com a cautela devida, a própria discussão sobre a natureza do vínculo entre o Estado e o seu servidor trava-se há séculos no âmbito do Direito Administrativo. Inclusive em relação a atividades típicas e essenciais, dentre as quais se inclui a representação judicial e extrajudicial do Estado, há quem defenda a adequação dos vínculos de natureza contratual. O acordo de vontades, para alguns, submeter-se-ia ao direito privado (teorias contratualistas privadas); para outros, incidiriam regras de direito público (teorias contratualistas de direito público). Em sentido diverso, tem-se a prevalência nas regras positivadas do ordenamento das teorias unilateralistas, segundo as quais a relação jurídica entre o servidor que representa o Estado e a pessoa federativa nasce do ato de nomeação, unilateral público, sendo o seu conteúdo e regime jurídico decorrente de normas legais oriundas do Poder Público.

É interessante notar que, no Direito comparado, carreiras como a dos advogados públicos vêm sendo excluídas da sujeição de uma Administração “concertada”, o que nos conduziria a vínculos contratuais como centro das relações jurídicas entre Estado e servidor. Isso porque, tem-se o regime estatutário como adequado às especificidades das atribuições dos procuradores, destacando-se o cargo efetivo como aquele que é próprio para o provimento dos mesmos:

– a natureza da função a ser exercida é pública;

– a natureza do recurso utilizado como contraprestação do trabalho é pública;

– as normas regulamentadores da relação são públicas;

– os fins a serem atendidos são públicos;

– o regime estatutário e o escalonamento de cargos efetivos propiciam a formação de uma carreira que, estável, permite a acumulação de conhecimento, o aperfeiçoamento técnico dos seus membros e um melhor nível de efetividade das orientações jurídicas que servem de substrato às pessoas administrativas;

– os membros da carreira ficam mais a salvo da descontinuidade governativa, o que lhes garante autonomia para o exercício eficiente dos seus deveres;

– evitam-se o que a doutrina nomeia como “as ásperas angústias relacionadas à subsistência incerta na velhice” e angustiante no dia seguinte, evitando poder hierárquico do orientado (autoridade administrativa) sobre aquele que exerce a atividade de consultoria (advogado público);

– só quem detém o controle do próprio sustento mantém altivo o domínio da sua vontade, sendo frágil a situação daquele que precisa agradar quem lhe nomeou para manter-se na função que justifica o recebimento da remuneratório essencial à própria sobrevivência e da sua família;

– protege carreiras de deveres austeros para o bem estar da coletividade, objetivo mais facilmente alcançável em se tratando de cargos efetivos;

– institucionaliza-se a independência que consiste atribuição essencial ao exercício da advocacia pública;

– minimiza-se os efeitos danosos de uma ação integralmente modificável em ciclos, pois mantem nos quadros profissionais experientes, com conhecimento das regras específicas de direito público que constritam e libertam o exercício das funções administrativas;

– os representantes judiciais e extrajudiciais do Estado não podem viver de sobressalto a cada mudança de governo e precisam manter a independência necessária à própria efetividade do ordenamento objeto de hermenêutica cotidiana, instrumental da atividade de consultoria jurídica;

– o mérito de assegurar a permanência na Administração é garantia que só o regime estatutário dá e em favor dos servidores efetivos que cumpram determinados requisitos constitucionais, características imprescindíveis a quem exerce o ônus de representar judicial e extrajudicialmente pessoas administrativas, orientando-lhes a ação mediante atividade de consultoria jurídica;

– contorna-se o risco de se degenerar em partidarismo, com hábitos de concussão e imoralidade o exercício de atividade pública fundamental como a representação dos órgãos, autarquias e fundações públicas.

Tais reflexões foram feitas a partir dos estudos realizados pela doutrinadora Luísa Cristina Pinto Netto (PINTO E NETTO, Luísa Cristina. A contratualização da função pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2005).

Além disso, tem-se clara a importância do concurso público que, se “não é, segundo pensam alguns, a melhor forma de recrutamento de pessoal para a Administração Pública, representa, seguramente, a melhor opção até agora concebida, possibilitando, seu democrático procedimento, a todos que reúnam as condições exigidas ampla participação na competição.” (BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. O Concurso Público e o Processo Administrativo in Concurso público e constituição. Fabrício Motta (Coordenador). Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 73)

Como já se anunciou, o concurso público não é aleatório, não trata o cargo como objeto, não implica critério de escolha discriminatório e evita desmandos e abusos; densifica princípios e é moralizador da constituição dos quadros da Administração; concretiza a ideia de competição aberta e se afigura como blindagem em face dos trens da alegria, o que tem relevância num país com clara cultura do empreguismo. Ademais, com esse certame afastam-se pessoas despreparadas (e instáveis, já que o vínculo comissionado sujeita-se à exoneração “ad nutum”), afastam-se uso de trabalhadores para fins políticos (os aprovados em concurso público não devem favores), permite-se que o quadro de pessoal seja integrado por atores sociais de todas as classes econômicas, permitindo acesso de agentes públicos idealistas os quais dificilmente assumiriam aquelas funções senão pelo vínculo do concurso público. Por fim, esse procedimento permite que a escolha seja fundada no merecimento aferido durante o certame.

De fato, a doutrina vem assentando que presenciamos um movimento paulatino, impessoal e moralizador de novos atores sociais, os quais têm orgulho de ostentar o “status” de agente público, provenientes, marcadamente, da classe média e das camadas mais pobres da população brasileira, recrutados democraticamente graças ao concurso público, conferindo efetividade ao cânone constitucional de uma sociedade pluralista e propiciando a redução das desigualdades sociais (objetivos da República Federativa do Brasil). “Desse papel construtor da dignidade estatal participam muitos agentes públicos idealistas, recrutados de forma imparcial por intermédio do concurso público, que vão desde os agentes administrativos mais subalternos, cujo papel, contudo, é de suma importância para a imagem e eficiência do mecanismo estatal, até os componentes de carreiras estratégicas e de suma relevância para a Nação, como a Magistratura, o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia Pública, instituições que desempenham relevantes missões na defesa da ordem jurídica, dos interesses da sociedade, do regime democrático e do combate à impunidade e à injustiça social.” (MAIA, Márcio Barbosa e QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro. O regime jurídico do concurso público e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007)

 

Todos esses aspectos devem ser considerados quando se interpreta o regime jurídico, inclusive de cargos, previsto para a advocacia pública. Conforme lúcido magistério de Gustavo Binenbojm:

 

“A existência de um ambiente de autonomia e estabilidade pressupõe um conjunto de capacidades institucionais e de garantias funcionais sem as quais os Advogados Públicos seriam reduzidos à condição de reféns da política. De fato, para que a Advocacia Pública possa cumprir sua elevada missão, não é possível que seus agentes sejam tomados como meros Advogados de governo. A Advocacia Pública é uma função de Estado e assim deve ser compreendida como premissa institucional básica.

Como função de Estado, a Advocacia Pública deve ser capaz de se organizar e se estruturar em carreiras profissionais e permanentes, com as garantias necessárias para a realização imparcial desse mister. Tais garantias envolvem a instituição permanente de um corpo profissional qualificado e concursado, ao qual se atribuam prerrogativas de proteção funcionais, que permitam ao Advogado Público agir com imparcialidade, sem perseguições e sem responsabilizações fora das hipóteses de dolo, culpa grave ou fraude.

Assim, viabiliza-se a criação de um espaço de conformação pelo Advogado Público acerca de suas próprias convicções jurídicas, livre de imposições hierárquicas peremptórias ou de censuras técnicas.

(…) Pudessem os membros das carreiras jurídicas da Advocacia-Geral da União serem ocupantes de cargos em comissão, e não efetivos, seria desnecessária a ressalva prevista no mencionado §1º. Foi justamente para viabilizar essa abertura que se fez inserir a regra excepcional.

Pela dicção do dispositivo, qualquer membro da AGU, efetivo ou não efetivo, poderá, em tese, representar a União, judicial e extrajudicialmente, e prestar consultoria. A violação ao art. 131 da Constituição é flagrante. Ignora-se a exclusividade da carreira e olvida-se da exigência de concurso público. Isso sem mencionar a contrariedade ao art. 37, V, da CRFB,13 que determina serem os cargos comissionados reservados às atribuições de direção, chefia e assessoramento.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de sublinhar que o acesso aos cargos que integram a Advocacia Pública depende de prévia aprovação do candidato em concurso público.” (BINENBOJM, Gustavo. Parecer. Disponível em http://www.advocaciapublica.com.br/forum/images/stories/pdfs/parecer-plc-205-2012.pdf, acesso em 10.09.2015)

 

Atentando para as regras constitucionais, para a orientação jurisprudencial da Corte Suprema e para a repercussão da observância das mesmas na realidade administrativa, é inadmissível que o Estado por meio da sua Administração direta, autárquica ou fundacional de direito público possa se afastar da sua representação judicial e assessoramento por Procuradores do Estado, sob pena de flagrante inconstitucionalidade e ilegalidade. A criação e a estruturação de carreiras e de órgãos públicos não são matéria deixada para livre e irrestrita manifestação de vontade do governante ou do Poder Legislativo, mas deriva do ordenamento, respeitados os limites constitucionais. Afinal, é indispensável, para a vinculação de alguém ao exercício de uma atribuição pública, não apenas a observância do processo legislativo formal ao final de que surja um novo vínculo jurídico. É preciso que a norma que inove o sistema jurídico ou o ato administrativo em questão atenda as regras e os princípios constitucionais (expressos e implícitos), como v.g. o da proporcionalidade. O último impõe limites à edição da lei e ao exercício do poder constituinte reformador, atingindo a própria disciplina de qualquer estrutura organizacional do Estado.

Como bem aduziu a ANAPE no PSV 18 do STF, não há dúvida que a advocacia pública deve ser exercida exclusivamente por efetivos, sendo nesse sentido as razões aduzidas pelo Presidente da ANAPE Dr. Ronald Bicca e pelo ilustre Procurador do Estado Dr. Marco Túlio de Carvalho Rocha, pioneiro quanto a tese (A Unicidade Orgânica da Representação Judicial e da Consultoria Jurídica do Estado de Minas Gerais, publicado pela Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados, São Paulo: Jurid Vellenich, v. 171, jul./ago. 1999, p. 15-44.).

O entendimento jurisprudencial prevalecente sobre a questão é que os únicos cargos que podem ser ocupados por comissionados nos Estados são o de PGE (se a lei estadual não prever que seja da carreira, como no caso do Estado de Minas Gerais) e seu substituto. O restante dos cargos são obrigatoriamente privativos de Procuradores de Estado concursados, nos termos do art. 132 da CR.

Como precedentes, já foram mencionadas no presente parecer as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ADI’s nºs 159, 881, 1.679, 2.581, 2.682 que asseveram caber aos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, aprovados em concurso público de provas e títulos, a representação judicial e a consultoria jurídica das pessoas públicas.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 159 evidenciou que nos anos anteriores à propositura da ação tinham sido admitidos no serviço do Estado do Pará, sem concurso, cerca de duzentos assistentes, assessores jurídicos e procuradores autárquicos, que os parágrafos 2º e 4º da Constituição do Estado do Pará transformaram em Consultores Jurídicos, com os mesmos direitos dos Procuradores do Estado, ao arrepio do disposto no artigo 37 da Constituição da República e seus incisos II e XIII (moralidade da administração, exigência do concurso público e vedação das equiparações). Por maioria de votos, o Tribunal julgou procedente a ação.

Na ADI nº 24 discutiu-se que a Lei nº 6.094 do Estado de Mato Grosso teria criado um “Grupo Especial de Advogados do Estado de Mato Grosso”, com 48 cargos, integrado pelos ocupantes de cargos públicos de advogado na administração pública direta, autárquica e fundacional, com a atribuição primordial de prestar assessoramento jurídico ao órgão em que se encontrassem lotados, ou a outros órgãos públicos, a critério da Administração. Além de ferir os arts. 5º e 37 — caput e incisos I e II —, invocou-se ofensa ao art. 132 da Constituição da República. Requerida a liminar, por votação unânime, o Tribunal acompanhou a decisão do Ministro Sepúlveda Pertence que suspendera os efeitos dos dispositivos legais impugnados até decisão final. O pedido foi julgado procedente, com fundamento no art. 37, inciso II, da Constituição da República, em 23 de maio de 2001.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil requereu a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 12, caput, parágrafos 1º e 2º, e 13, incisos. I a V, todos da Lei Complementar nº 11, do Estado do Espírito Santo, por meio da ADI nº 881, sob o argumento de que as normas questionadas tratariam da criação de cargos de Assessor Jurídico, de provimento em comissão, na esfera do Poder Executivo local, conflitando, por isso, com o art. 132 da Constituição da República e com o art. 69 dos ADCT. Requereu-se a suspensão liminar dos dispositivos atacados. Na decisão da liminar, houve por bem o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, deferir a medida. O Relator, Min. Celso de Mello, pontificou que o conteúdo normativo do art. 132 da Constituição da República revela os limites materiais em cujo âmbito processar-se-á a atuação funcional dos integrantes da Procuradoria-Geral do Estado e do Distrito Federal. Nele contém-se norma que, revestida de eficácia vinculante e cogente para as unidades federadas locais, não permite conferir a terceiros — senão aos próprios Procuradores do Estado e do Distrito Federal, selecionados em concurso público de provas e títulos — o exercício intransferível e indisponível das funções de representação estatal e de consultoria jurídica do Poder Executivo. “A exclusividade dessa função de consultoria remanesce, agora, na esfera institucional da Advocacia Pública, exercida, no plano dos Estados-membros, por suas respectivas Procuradorias-Gerais e pelos membros que as compõem.”

Essa prerrogativa institucional, que é de ordem pública, encontra assento na própria Constituição Federal. Não pode, por isso mesmo, comportar exceções e nem sofrer derrogações que o texto constitucional sequer autorizou ou previu. O Min. Néri da Silveira preferiu pôr em relevo o controle da legalidade exercido pelos Procuradores de Estado:

“Penso que o art. 132 da Constituição quis, relativamente à Advocacia de Estado, no âmbito dos Estados-membros e do Distrito Federal, conferir às Procuradorias não só a representatividade judicial, mas, também, o exame da legalidade dos atos, e o fez com a preocupação de atribuir essa função a servidores concursados e detentores do predicamento da efetividade. O grande objetivo foi o exame da legalidade dos atos do Governo, da Administração Estadual, a ser feito por um órgão cujos ocupantes, concursados, detenham as garantias funcionais. Isso conduz à independência funcional, para o bom controle da legalidade interna, da orientação da administração quanto a seus atos, em ordem a que esses não se pratiquem tão-só de acordo com a vontade do administrador, mas também conforme a lei.

Não quis a Constituição que o exame da legalidade dos atos da Administração Estadual se fizesse por servidores não efetivos. Daí o sentido de conferir aos Procuradores dos Estados — que devem se compor em carreira a ser todos concursados — não só a defesa judicial, a representação judicial do Estado, mas também a consultoria, a assistência jurídica. De tal maneira, um Procurador pode afirmar que um ato de Secretário, do Governador não está correspondendo à  lei, sem nenhum temor de poder vir a ser exonerado, como admissível suceder se ocupasse um cargo em comissão.”

A ADI nº 1.557 arguiu a inconstitucionalidade da Emenda n. 9 à Lei Orgânica Distrital que dava nova redação aos arts. 1º; 57, caput, § 1º, incisos I a V e §§ 2º e 3º; 110; 111 e 113, caput e § 2º. Em linhas gerais, a nova redação dos citados dispositivos visava a conferir competência à Procuradoria-Geral da Câmara Legislativa para representar judicialmente a Câmara, prestar-lhe assessoria e consultoria jurídicas, e exercer funções no âmbito do Poder Executivo. Em 31 de março de 2004, o Tribunal deferiu em parte o pedido para reduzir o âmbito da representação judicial da Câmara por sua Procuradoria-Geral aos casos em que aquele órgão do Poder Legislativo esteja em juízo em nome próprio; interditar-lhe o exercício de funções no âmbito do Executivo; e proibir-lhe a representação para efetuar a cobrança judicial das “dívidas para com a Câmara”, como previa o inciso V do § 1º do art. 1º.

Na ADI nº 1.679 impugnou-se a Emenda Constitucional nº 17 que, alterando o art. 118 da Constituição do Estado de Goiás, determinou a criação da “Procuradoria da Fazenda Estadual” para representar o citado Estado judicialmente na execução da dívida tributária, com quadro próprio, subordinado ao Secretário da Fazenda. O Tribunal, por maioria de votos, deferiu a liminar para determinar a suspensão dos efeitos da Emenda Constitucional atacada.

 No julgamento da ADI nº 2.682, o STF asseverou caber à Constituição Estadual estabelecer a forma de recrutamento do Procurador-Geral do Estado. Nesta decisão, o STF reafirmou o entendimento de que deve ser vedado o provimento dos cargos de Procurador-Chefe por não integrante da carreira de procurador do Estado: “Viola o art. 37, incisos II e V, norma que cria cargo em comissão, de livre nomeação e exoneração, o qual não possua o caráter de assessoramento, chefia ou direção. Precedentes. Inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados em relação aos cargos de Subprocurador-Geral do Estado e de Procurador de Estado Chefe”.

 Confira-se, ainda, o inteiro teor do parecer exarado pelo MPF na ADI nº 4.261:

“Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, dirigida contar o anexo II da Lei Complementar 500, de 10 de março de 2009, do Estado de Rondônia, no que cria cargos de assessor jurídico na Superintendência Estadual de Compras e Licitações – SUPEL. 9. No mérito, o assessoramento jurídico a órgão do Poder Executivo do Estado de Rondônia, ainda que em moldes não revelados explicitamente, constitui verdadeira função de consultoria jurídica ao ente federado, o que, por força do disposto no art. 132, caput, da Constituição da República, compete aos procuradores de Estado organizados em carreira.

  1. Não é possível, segundo a norma constitucional, que o referido assessoramento seja confiado a órgão e agentes públicos que não pertençam à estrutura da Advocacia Pública, ou, particularmente, da Procuradoria Geral do Estado.

11 – É importante observar que a previsão impugnada não encontra amparo no art. 69 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Lei Fundamental, que apenas permitiu a existência de consultorias jurídicas separadas das Procuradorias Gerais ou Advocacias Gerais nos Estados, em que houvesse, na data da promulgação da Constituição, órgãos distintos para as respectivas funções.

12 – Assim, ressalvada a hipótese do art. 69 do ADCT¨, que é estranho aos quadros da Advocacia Pública não pode exercer as suas atribuições no âmbito do Poder Executivo de qualquer dos entes federados.

  1. A orientação do Supremo Tribunal Federal vai nesse sentido, de que é exemplo o seguinte julgado: (…) (ADI-MC 881, Ministro CELSO DE MELLO, DJ de 25/04/97 – destacou-se). (…) 15. Ante o exposto, o parecer é pela procedência do pedido para se declarar inconstitucional a criação, prevista no Anexo II da Lei Complementar 500, de 10 de março de 2009, do Estado de Rondônia de um cargo de Assessor Jurídico I (CDS-17) e de dois cargos de Assessor Jurídico II (CDS-16) na Superintendência Estadual de Compras e Licitações – SUPEL.”

O entendimento proclamado na referida ADI nº 4.261 pelo Plenário do STF foi no sentido de que a atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados deve ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da OAB em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da CR. O mencionado preceito constitucional, segundo o STF, destina-se à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos, pelo que a Corte Suprema afirmou a inconstitucionalidade da norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. (ADI nº 4.261-RO, rel. Min Ayres Britto, Pleno do STF, DJe de 19.08.2010)

Não foi em outro sentido a manifestação do Plenário ao decidir, em caráter final, os Embargos Declaratórios na Medida Cautelar deferida na ADI nº 4.843:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI ESTADUAL Nº 8.186/2007 (ALTERADA PELAS LEIS nºs 9.332/2011 e 9.350/2011) DO ESTADO DA PARAÍBA: ART. 3º, INCISO I, ALÍNEA “A” (“na elaboração de documentos jurídicos”) E ANEXO IV, ITENS NS. 2 A 21 (NAS PARTES QUE CONCERNEM A CARGOS E A FUNÇÕES DE CONSULTORIA E DE ASSESSORAMENTO JURÍDICOS) – CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO – FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO – APARENTE USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS RESERVADAS A PROCURADORES DO ESTADO E DO DISTRITO FEDERAL PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (ART. 132) – PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA PRETENSÃO CAUTELAR – MANIFESTAÇÕES FAVORÁVEIS DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO E DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA – DECISÃO CONCESSIVA DE SUSPENSÃO CAUTELAR DE EFICÁCIA DAS NORMAS IMPUGNADAS INTEIRAMENTE REFERENDADA, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, PREJUDICADO O RECURSO INTERPOSTO. O SIGNIFICADO E O ALCANCE DA REGRA INSCRITA NO ART. 132 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: EXCLUSIVIDADE E INTRANSFERIBILIDADE, A PESSOAS ESTRANHAS AO QUADRO DA ADVOCACIA DE ESTADO, DAS FUNÇÕES CONSTITUCIONAIS DE PROCURADOR DO ESTADO E DO DISTRITO FEDERAL. – É inconstitucional o diploma normativo editado pelo Estado-membro, ainda que se trate de emenda à Constituição estadual, que outorgue a exercente de cargo em comissão ou de função de confiança, estranho aos quadros da Advocacia de Estado, o exercício, no âmbito do Poder Executivo local, de atribuições inerentes à representação judicial e ao desempenho da atividade de consultoria e de assessoramento jurídicos, pois tais encargos traduzem prerrogativa institucional outorgada, em caráter de exclusividade, aos Procuradores do Estado pela própria Constituição da República. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Magistério da doutrina. – A extrema relevância das funções constitucionalmente reservadas ao Procurador do Estado (e do Distrito Federal, também), notadamente no plano das atividades de consultoria jurídica e de exame e fiscalização da legalidade interna dos atos da Administração Estadual, impõe que tais atribuições sejam exercidas por agente público investido, em caráter efetivo, na forma estabelecida pelo art. 132 da Lei Fundamental da República, em ordem a que possa agir com independência e sem temor de ser exonerado “ad libitum” pelo Chefe do Poder Executivo local pelo fato de haver exercido, legitimamente e com inteira correção, os encargos irrenunciáveis inerentes às suas altas funções institucionais.” (Emb. Decl na MC-ADI 4.843-PB, rel. Min. Celso de Mello, Pleno do STF, DJe de 18.02.2015)

E para que não remanesça a menor dúvida sobre a incidência de tais decisões, confiram-se os lúcidos fundamentos aduzidos em parecer da Procuradoria da República na ADI 5.215, evidenciando a necessidade de Procuradores do Estado representarem até mesmo autarquias, com independência administrativa:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMENDA 50/2014 À CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE GOIÁS. CRIAÇÃO DA CARREIRA DE PROCURADOR AUTÁRQUICO PARA REPRESENTAÇÃO JUDICIAL, CONSULTORIA E ASSESSORAMENTO JURÍDICO DE ENTES ADMINISTRATIVOS. REGIME JURÍDICO DE AGENTES PÚBLICOS ESTATAIS. MATÉRIA SUJEITA A DOMÍNIO NORMATIVO DE LEI ORDINÁRIA. IMPOSSIBILIDADE DE VEICULAÇÃO EM EMENDA A CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. COMPETÊNCIA FUNCIONAL EXCLUSIVA DE PROCURADORES DE ESTADO E DO DISTRITO FEDERAL. ART. 132 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ABRANGÊNCIA DE AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES PÚBLICAS. 1. É formalmente inconstitucional, por desrespeito à observância obrigatória do modelo federal de processo legislativo, subtração, por emenda constitucional estadual, de matéria atinente a regime jurídico de agentes públicos estatais, submetida pela Constituição Federal ao domínio normativo de lei ordinária. Precedentes. 2. O artigo 132 da Constituição da República veicula norma de organização administrativa de caráter cogente e vinculante que impõe representação judicial, consultoria e assessoramento jurídico de unidades federadas exclusivamente por procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em única carreira (princípio da unicidade orgânica). 3.O alcance da norma do art. 132 da Constituição da República deve ser tomado em consideração a sua vocação constitucional de função essencial à justiça e em atenção ao interesse público subjacente, como interesse institucional do Estado. É o interesse estatal (não apenas o governamental) que confere sentido e alcance à norma inscrita no art. 132 da Carta Política. 4. O interesse público das autarquias, como pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela prestação de serviços típicos do Estado, em condições e prerrogativas idênticas a este, confunde-se com o próprio interesse institucional do ente político do qual fazem parte, motivo pelo qual estão, inequivocamente, abrangidas no regime de competência funcional exclusiva definido pelo art. 132 da Constituição da República. 5. O art. 132 da Constituição somente autoriza representação judicial, consultoria e assessoramento jurídico regular de Estados-membros e do Distrito Federal, de suas autarquias e fundações de direito público por procuradores do Estado e do Distrito Federal. 6. Investidura em cargo da advocacia pública para exercício das relevantes atribuições outorgadas pelo texto constitucional depende de indispensável aprovação em concurso público de provas e títulos, com participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases (CR, arts. 131 e 132). Não se admite provimento por transformação de cargos, ainda que a pretexto de reunião de cargos com atribuições idênticas ou assemelhadas em nova carreira. 7. Equiparação remuneratória entre categorias funcionais diversas, além de vedada pelo art. 37, XIII, da Constituição da República, dependeria, se coubesse, de lei ordinária (art. 39, § 1º). É inconstitucional emenda constitucional que imponha atrelamento de vencimentos e remeta a matéria a lei complementar. 8. Parecer pela procedência total do pedido ou, superada a tese de inconstitucionalidade da criação da carreira de procuradores autárquicos pela Emenda 50, de 11 de dezembro de 2014, à Constituição do Estado de Goiás, pela parcial procedência, para que declare inconstitucionalidade da transformação de cargos e da equiparação remuneratória operadas pelo art. 3º , I e II, da emenda.”

Já se aduziu à exaustão que a regra, no âmbito de todas as pessoas de direito público, deve ser o provimento dos cargos através de concurso público de provas ou de provas e títulos. Assim será garantida a observância da regra do artigo 132 da CR, a regra do concurso público e da acessibilidade geral aos cargos previstas no art. 37, I e II da Constituição da República.

Registre-se, para fins de preservação dessa conclusão, a irrelevância de se nominar o cargo, na autarquia, como “assessor jurídico” ou outra expressão equivalente. A nomenclatura utilizada, diversa da expressão “Procurador do Estado”, por si só, não possibilita sejam todos os cargos do núcleo jurídico da autarquia como de provimento comissionado. Já se aduziu à exaustão que a regra, no âmbito de todas as pessoas de direito público (federativas e administrativas), deve ser o provimento dos cargos através de concurso público de provas ou de provas e títulos. Assim será garantida a observância da regra do artigo 132 da CR, a regra do concurso público e da acessibilidade geral aos cargos previstas no art. 37, I e II da Constituição da República.

Não se ignore que a criação de cargos comissionados sofre limites constitucionais e um deles, relevante na espécie, é a exigência de que as atividades jurídicas de representação judicial ou extrajudicial, bem como de consultoria, sejam realizadas por integrantes da carreira de Procurador do Estado, com respeito à exigência de concurso público prévio. Reitere-se que é a Constituição que impede que sejam declarados de livre provimento e de livre exoneração cargos cujo exercício implicam advocacia pública.

Incabível discutir o acerto da determinação constitucional, uma vez que cabe ao advogado público propor ações contra terceiros, responder as ações ajuizadas em face do órgão público, emitir pareceres nos processos licitatórios, manifestar-se sobre questões referentes ao pessoal, ao patrimônio, aos contratos, aos convênios, dentre outros que tramitam no órgão autônonomo da Administração Estadual. Diante dessas atribuições, tem-se clara a natureza técnica do trabalho jurídico a ser realizado, a qual não se coaduna com o pressuposto “vínculo de confiança da autoridade nomeante”. Com efeito, tem-se clara a incompatibilidade das atribuições mencionadas, inerente ao órgão jurídico da PMMG, e a natureza das competências que permitem o estabelecimento de vínculo exonerável “ad nutum”.

Com idêntico posicionamento, aduz Gustavo Binenbojm:

“De outro lado, a investidura em cargo efetivo, com todas as garantias e restrições inerentes ao vínculo de efetividade sobretudo a estabilidade –, é condição sine qua non para a autonomia técnica e imparcialidade exigidas dos Advogados Públicos. Requisitos sem os quais o exercício do controle interno de juridicidade é deveras fragilizado – quando não inviabilizado.  (…)

O Supremo Tribunal Federal já destacou este ponto. (…) No presente caso, a ratio utilizada pelo STF torna-se ainda mais cogente. A Constituição conferiu expressamente à Advocacia Pública status de função essencial à Justiça, reconhecendo que os Advogados Públicos exercem atribuições especialmente conectadas à realização do projeto do Estado Democrático de Direito. E é muito claro que o bom desempenho dessa missão depende da capacidade de os servidores sentirem-se seguros; atuarem sem o receio de perderem seus cargos em virtude da mera quebra de fidúcia com as autoridades responsáveis por sua nomeação.

Para isso, é fundamental a garantia da estabilidade, que assegura aos Advogados Públicos que somente perderão seus cargos nas hipóteses estritas previstas no §1º do art. 41 da Constituição da República. Sem o componente da estabilidade, prejudica-se o exercício do controle de juridicidade de forma escorreita, livre de pressões e receios; aniquila-se a autonomia técnica, promovendo-se um modelo de advocacia de governo e não de Estado.” (BINENBOJM, Gustavo. Parecer. Disponível em http://www.advocaciapublica.com.br/forum/images/stories/pdfs/parecer-plc-205-2012.pdf, acesso em 10.09.2015)

Sublinhando a importância da independência administrativa, bem como a inviabilidade de subordinação direta de quem exerce função exclusiva de carreiras jurídicas à chefia de órgão ou entidade administrativa, por contrariar o princípio republicano, o constitucionalista Gustavo Binenbojm conclui ser interesse público a existência de uma Advocacia de Estado forte e capacitada para o controle. Vale-se do ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, manifestado em parecer juntado aos autos da ADI nº 4.297 e segundo o qual prestar consultoria e assessoramento jurídico significa dizer aquilo que o gestor pode e o que não pode fazer, ao lume do Direito, sendo necessário  contrariar “o superior”, propor-lhe peias, objurgatórias e contraditas, o que nunca é tarefa fácil e muito menos agradável; daí concluir como verdadeiro absurdo adotar solução que signifique hierarquia entre o advogado público e a autoridade administrativo. “Mais absurdo ainda é fazê-lo sem apoio explícito da Constituição, mas, inversamente, elaborando à margem dela uma subordinação que ali não está prevista.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de, págs. 3 e 4 do parecer acostado aos autos da ADI nº 4.297)

Insiste-se, portanto, não ser admissível hierarquia entre o advogado público e o gestor administrativo que necessita da sua consultoria jurídica, sendo inconstitucional qualquer sistema em que o gestor pode afastar o “assessor jurídico” cuja resposta lhe desagrade, por mais bem fundamentada que seja.

Aqui, frise-se, não se está a analisar concretamente aspectos subjetivos e circunstanciais de qualquer unidade administrativa, muito menos o Comando Geral da PMMG que enfrenta dificuldades, como boa parte dos órgãos públicos, para tramitar um volume significativo de expedientes, gerenciar as atividades de formação educacional das suas unidades, e vem cumprindo com eficiência suas atribuições. O que se adverte é que, do ponto de vista abstrato, independente da seriedade dos gestores atuais, seria inconstitucional o assessoramento jurídico em um órgão como a PMMG realizado por servidores comissionados, tendo em vista as regras específicas da CR.

2.3. Da posição da Consultoria Jurídica sobre assessoramento, representação judicial e extrajudicial exclusivamente pela advocacia pública

Não é recente a orientação oriunda da AGE no tocante à exclusividade da representação judicial, extrajudicial e consultoria jurídica em órgãos públicos por Procuradores do Estado de Minas Gerais. Nesse sentido, tem-se o Parecer 15.175, de 10.05.2012, que tratou da realidade administrativa do DETRAN, órgão que também atua na área de segurança do Estado:

“Não há qualquer impedimento para que as JARI’s e o CETRAN/MG observem, no exercício de suas competências, diretivas oriundas do órgão encarregado da representação judicial e extrajudicial do Estado, além da atividade de consultoria jurídica, nos termos do artigo 132 da Constituição da República:

“Os Procuradores do Estado e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas”.

Em cumprimento ao citado dispositivo, o Estado de Minas Gerais é representado, nas ações em que são discutidas punições de trânsito aplicadas em sua esfera de competência, por Procuradores do Estado integrantes da AGE/MG. Esses também são os profissionais encarregados da consultoria jurídica no Estado, como reiteradamente vem decidindo o Supremo Tribunal Federal:

“2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos.” (ADI nº 4.261-RO, rel. Min. Ayres Britto, Pleno do STF, DJe de 19.08.2010)

A Lei Delegada Estadual nº 103, de 29.01.2003, consagrou expressamente que órgãos, assessorias e unidades jurídicas das autarquias estaduais e fundações instituídas e mantidas pelo Estado sujeitam-se à orientação normativa e à supervisão técnica do Procurador Geral do Estado, cargo atualmente designado como Advogado Geral do Estado. O Decreto Estadual nº 45.771, de 10 de novembro de 2011, regulamenta, por sua vez, as competências atribuídas à advocacia do Estado:

“Art. 2º A AGE tem por finalidade o exercício de funções essenciais à Justiça, nos termos das Constituições Federal e Estadual, competindo-lhe privativamente:

I – representar judicialmente e extrajudicialmente o Estado, dentro ou fora de seu território, em qualquer instância, juízo ou tribunal, ou por determinação do Governador do Estado, em qualquer ato;

II – defender, judicial e extrajudicialmente, ativa ou passivamente, os atos, direitos, interesses e prerrogativas do Estado;

III – prestar consultoria e assessoramento jurídico aos órgãos e entidades do Estado (…)

IX – emitir parecer sobre consulta formulada pelo Governador do Estado, por Secretário de Estado ou por dirigente de órgão autônomo;

(…) XV – orientar as Secretarias de Estado sobre interpretação e aplicação da legislação;

XVI – realizar, por solicitação do Governador do Estado, estudo técnico (…).”

O artigo 21, I a III do Decreto Estadual nº 44.113/2005 determinava como atribuições da Consultoria Jurídica da AGE prestar assessoramento jurídico e advocacia consultiva aos órgãos da Administração direta, emitir parecer em consulta dirigida à AGE e supervisionar, coordenar e orientar as atividades de consultoria e assessoramento jurídico nas Secretarias de Estado e órgãos autônomos. O Decreto Estadual nº 45.771/2011 fixou como atribuição da consultoria jurídica da AGE:

“I – prestar consultoria e assessoramento aos órgãos da Administração Direta e Indireta;

II – emitir parecer em consulta dirigida à AGE;

III – supervisionar, coordenar e orientar as atividades de consultoria e assessoramento jurídico nas Secretarias de Estado, órgãos autônomos e entidades;”

Outrossim, decorre claramente do artigo 7º-B da Lei Complementar Estadual nº 83, de 28.01.2005, acrescentado pela Lei Complementar Estadual nº 112, de 13.01.2010, que se imputa à Consultoria Jurídica da AGE/MG a atividade de supervisão técnica em relação às demais unidades jurídicas dos órgãos do Estado. Cumpre observar que o § 2º do artigo 1º da Resolução AGE nº 148/05 dispõe que “As consultas a que se refere o caput devem ser acompanhadas de manifestação elaborada pela unidade setorial de execução da Advocacia-Geral do Estado do órgão ou entidade a que pertencer a autoridade competente.”

Especificamente quanto à atuação das assessorias jurídicas, as mesmas são definidas pelo artigo 27 do Decreto Estadual nº 45.771/2011 como unidades setoriais de execução da AGE, à qual se subordinam tecnicamente, cabendo-lhes cumprir e fazer cumprir as orientações do Advogado Geral do Estado no tocante à:

“I – prestação de assessoria e consultoria jurídicas ao titular do órgão;

II – coordenação das atividades de natureza jurídica;

III – interpretação dos atos normativos a serem cumpridos pelo órgão ou entidade a ele vinculada;

IV – elaboração de estudos e preparação de informações por solicitação do titular do órgão;

V – assessoramento ao titular do órgão no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem praticados pelo órgão ou por entidade a ele vinculada”.

Tais dispositivos, que pormenorizam a competência de órgão da Advocacia Geral do Estado, ensejam atuação convergente entre a AGE – competente para representar o Estado na fase do controle judicial das punições de trânsito e para fazer o assessoramento técnico em se tratamento de consultoria jurídica -, as JARI’s e demais órgãos que atuam no tocante à polícia administrativa.

Conjugar a atuação da advocacia pública estadual com a dos órgãos de trânsito concretiza o conceito de “Administração Pública em Rede”, na qual vários órgãos e autoridades atuam, cada um na sua seara, mas de forma coordenada de modo a assegurar a proteção ao interesse público primário. Nesse sentido, a professora Maria Coeli Simões Pires leciona:

“O Estado em Rede, sob denominações diversas, é uma arquitetura político-administrativa de difusão do poder decisório da esfera pública em uma rede articulada de governança, na qual o ente estatal compartilha sua autoridade internamente e com instituições, instâncias, organizações e atores diversos, conexionados por pontos nodais que sustentam múltiplas relações de distensão do poder em lógica pluricêntrica.” (PIRES, Maria Coeli Simões. Transparência e Responsabilidade na Gestão Pública. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, v. 81, n. 4, ano XXIV, out./dez. de 2011, p. 61)

Ao analisar a noção de Administração em Rede, a citada administrativista mineira invoca o princípio da coordenação “que permite integrar e unificar a ação administrativa, mediante mecanismos de compartilhamento de informações e alinhamento de diretrizes e objetivos, evitando sobreposição de competências e duplicação de níveis decisórios”. (PIRES, Maria Coeli Simões. Transparência e Responsabilidade na Gestão Pública. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, op. cit., p. 66).

Busca-se, no presente caso, exatamente evitar a duplicação de níveis decisões, mas viabilizar compartilhamento de informações que tornem possível, ao final da autotutela administrativa na polícia de trânsito, seja exarada uma decisão administrativa tecnicamente correta (juridicidade) e com o maior grau possível de estabilidade (segurança jurídica). Como bem acentuou a professora Maria Coeli,

“a administração em redes deve buscar os chamados nós de convergência, identificando as diversas forças sociais e políticas que sobre ela atuam, para, sob a arquitetura institucional própria, construir os ambientes propícios à tomada de decisões.

Não se defende aqui uma comunicatividade formal e estéril, mas o soerguimento de estruturas e expedientes administrativos plenos de conteúdo.” (PIRES, Maria Coeli Simões. Transparência e Responsabilidade na Gestão Pública. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, op. cit., p. 67)

A interação entre órgãos da Administração Pública deve se dar da forma mais simples possível, dando concreção às exigências constitucionais de eficiência e economicidade. Tem-se como instrumento adequado o uso dos recursos eletrônicos disponíveis em razão do recente e acentuado desenvolvimento tecnológico. Em determi­nadas searas, ferramentas como o uso de sistemas de dados, comunicação por email e redes internas, bem como consulta à informação disponibilizada na internet podem ser eficazes para o aperfeiçoamento da ação administrativa.

Com fundamento na doutrina italiana e francesa, o Procurador do Estado Érico Andrade, no artigo intitulado “A simplificação administrativa” (no prelo), adverte que a importância da simplificação administrativa sobe de importância quando se percebe, hoje, que o cidadão tem toda a sua vida permeada pelo direito público, valendo-se da doutrina francesa, para frisar que “a ideia da simplificação é ligada às preocupações da época atual, que exige a adequação do direito à sociedade: intelegibilidade, acessibilidade, conhecimento e simplificação.”

A premissa da simplificação aliada à idéia da Administração Pública em rede constrói o paradigma de uma Administração Pública integrada em sua governança institucional, planejamento e execução de competências comprometida com a cidadania, em estrita conformidade com a Lei Delegada Estadual nº 180, de 20.01.2011, ao que se acresce o resultado do aperfeiçoamento no exercício das competências públicas, de modo a concretizar a exigência de eficiência e o próprio controle responsivo de legalidade.

“O controle não é um fim em si mesmo. Ele é um instrumento para o aperfeiçoamento da Administração e para a busca de eficiência e efetividade. A presunção de que o controle valha por si só, como se a mera existência de estruturas de controle seja suficiente para a Boa Administração trai uma visão formalista do controle. (…) Ademais, será um bom sistema de controle se aferir também os resultados das políticas públicas e das ações administrativas, verificando o quanto elas estão a reverter para a sociedade.

Neste sentido é que se diz que o controle deve ser responsivo ou que deve ter um viés pragmático ou consequencialista. Em uma palavra, qualquer órgão ou agente incumbido do controle (Tribunal, órgão administrativo ou Corte de Contas) deve sempre perquirir e avaliar as conseqüências da medida de controle antes de adotá-la. Não para tornar o controle mais lasso, mas para modular as medidas corretivas ou acautelatórias no sentido de que elas tenham o menor impacto para o interesse público mais denso envolvido no caso.” (MODESTO, Paulo (Coord.). Nova Organização Administrativa Brasileira. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 207).

Para tanto, entende-se como recurso indispensável à autotutela administrativa responsiva que haja um efetivo compartilhamento de dados e informações, entre os distintos atores que exercem competência em matéria de trânsito: na fase da atuação administrativa direta (com imposição de penalidades e decisão de recursos interpostos por seus infratores, p. ex.) e na etapa do controle judicial (com representação do Estado pela AGE/MG).

(…)                  Caberá à consultoria jurídica, no exercício da sua competência normativa, elaborar parecer fundamentado sobre cada um dos assuntos. Se o parecer concluir pela correção do comportamento dos órgãos de trânsito, após a regular aprovação pelo Procurador Chefe da Consultoria Jurídica e pelo Advogado Geral do Estado será remetido aos órgãos competentes do DETRAN/MG e à Procuradoria de Obrigações, de modo a subsidiar suas manifestações futuras.

Se o parecer concluir pela pertinência de revisão da posição administrativa adotada pelo Estado, tem-se como cabível, após a sua remessa ao Advogado Geral do Estado, que se providencie a oitiva do órgão de trânsito cujo posicionamento será revisto em virtude do parecer. Devidamente instruído o expediente com o parecer da consultoria da AGE/MG e com a manifestação do órgão de trânsito, o Advogado Geral do Estado poderá entender pertinente a edição de súmula administrativa, com fulcro no artigo 9º do Decreto Estadual nº 45.771/2011, rejeitar o entendimento exarado no parecer ou tornar o parecer vinculante, consoante artigo 8º do Decreto Estadual nº 45.771/2011 que assim dispõe:

“Art. 8º O parecer do Advogado-Geral do Estado, aprovado pelo Governador do Estado:

I – quando publicado, obriga toda a administração; e

II – quando não publicado, obriga as autoridades que dele devam tomar conhecimento.”

Também por essas razões que evidenciaram a inadmissibilidade de se transferir competência típica da advocacia pública estadual ou atividade fim de órgão público para terceiro, tem-se como pertinente a manifestação de que é necessário assegurar a atuação do quadro de pessoal da PMMG nos limites do ordenamento em vigor, com respeito às exigências de concurso público, aos requisitos legais, em especial as regras da LRF. Nesse mesmo sentido e com idêntico fundamento, tem-se o Parecer 15.637, de 29.03.2016.

 

 

Anexo I

Aspectos relevantes para exame no parecer jurídico

Licitações e contratações públicas

SILVEIRA, Angélica Moreira Dresh da. A função consultiva da advocacia geral da união na prevenção da corrupção nas licitações e contratações públicas. Revista da  AGU. Brasília, ano VIII, n. 20, abr/jun 2009, p. 79-117:

– “A corrupção pode se materializar através da apropriação indevida de bens, serviços e dinheiro públicos, cobrança de propinas, extorsão, compra e venda de influência política e através de fraudes em licitações.” Uma das formas mais comuns é a fraude praticada no âmbito das licitações e contratações públicas, frustrando ou proceidmento ou o dispensando. (p. 82)

– Abramo e Capobianco, em estudo acerca do tema ‘licitações e corrupção’, apontam o grau de discricionariedade atribuído ao administrador, como a causa da vulnerabilidade de um sistema legal de licitações. Quanto maior for este grau, maiores serão as oportunidades de corrupção. (permitem corrupções decisões que excluem empresas da competitividade mediante exigências não justificadas; critérios arbitrários de julgamento das propostas ou, ainda, privilégios na fiscalização dos contratos e no cumprimento de obrigações pela contratada) (p. 88)

Direcionamento da licitação: ocorre quando o administrador público do órgão licitante estabelece exigências de qualificação técnica e econômico-financeira, condições especiais que só determinada(s) empresa(s) possui(em), burlando a concorrência. (p. 88-89) “Consiste numa espécie de ‘reserva de mercado’ ficta, porque as possíveis concorrentes já são desclassificadas antes mesmo da abertura de suas propostas, permanecendo apenas aquele fornecedor envolvido no esquema de corrupção.” (criação de um monopólio) (p. 89)

– “Pode ocorrer ainda que a decisão do administrador sobre o vencedor da licitação seja tomada com base em aspectos subjetivos travestidos de natureza técnica. O exercício de arbítrio no julgamento pode ser reforçado por uma definição imprecisa do objeto da licitação.” (p. 89)

– “A modalidade convite está mais vulnerável às práticas ilícitas, porque é aquela que atribui o maior grau de discricionariedade ao administrador público.” (escolha dentre três fornecedores/prestadores o que será contratado) (p. 89)- “O superfaturamento consiste em aumentar artificialmente o valor dos preços referentes ao fornecimento bens ou contratação de serviços, de forma a propiciar lucros adicionais à empresa fornecedora em troca de benefícios escusos/propina. Preços superfaturados significam preços manifestamente superiores àqueles praticados no mercado.” (p. 90)

– Marçal: não significa necessariamente preço falso ou lucro excessivo, mas sim elevação injustificada do valor de um bem/serviço quando a contratação se dá com o Estado (perante particulares: preços menores; perante a Administração valores são elevados injustificadamente, de forma a provocar excessiva onerosidade). (p. 90-91)

– “A prática de superfaturamento está diretamente associada à ausência ou insuficiência de uma ampla e prévia pesquisa de preços, seja para as contratações que exigem licitação, seja para os casos de contratação direta (dispensa e inexigibilidade de licitações – arts. 24 e 25 da Lei 8666/93, respectivamente).” (p. 91)

– “O valor estimado da contratação será determinante na escolha da modalidade de licitação a ser realizada (concorrência, tomada de preços, convite), exceto quanto à modalidade de Pregão.” (p. 92)

– “A pesquisa de preços constitui pressuposto inarredável à regularidade do processo licitatório.” (p. 93) Se a assessoria jurídica não dispõe de competência para análise contábil dos valores postos no orçamento estimativo elaborado pelo licitante, nem para o levantamento dos preços cotados, providências a cargo dos órgãos/setores técnicos competentes (princípio da segregação das funções), deve verificar se constam dos autos do processo os respectivos comprovantes/orçamentos que serviram de parâmetro à fixação do preço.  (p. 95)

– “Em se tratando de obras, já decidiu o TCU, que a configuração de superfaturamento exige o cotejo dos preços praticados com outros executados em obra de igual porte (Acórdão 1709/2002 – Plenário).

Há casos em que, pela simples leitura da planilha de comparativo de preços, onde normalmente, constam, no mínimo, três orçamentos de diferentes fornecedores, constata-se que um dos orçamentos representa valor bem superior ao menor orçamento, fato que acaba elevando o preço médio, que será fixado para contratação.” (diante do risco de superfaturamento, já que o preço médio acaba superando o valor de mercado: parâmetro o valor do menor orçamento com fixação deste como valor estimado e máximo de contratação) (p. 96)

– TCU define: “Preço médio é o elaborado com base em pesquisa onde será realizada a contratação e deve refletir o preço de mercado. Preço estimado é o parâmetro de que dispõe a Administração para julgar licitações e efetivar contratações, desde que reflita o preço de mercado. Preço de mercado é o corrente na praça pesquisada. Preço praticado é o que a administração contratante paga ao contratado.” (p. 97)

“Esse tipo de procedimento não é razoável, porque sempre que um dos orçamentos se apresentar superfaturado, haverá uma elevação da média.” (recomendação à unidade licitante que evite cotações com valores excessivamente superiores ao menor orçamento obtido; se valores díspares, resta afastada a possibilidade de considerá-lo, para fins de, por média aritmética, ser fixado preço médio, sob pena de contratação por preço superfaturado) (p. 97)

– Uso preventivo de bancos de dados como instrumento de pesquisa (âmbito federal – SIASG Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais: inclui Sicaf e registro de preços de bens e serviços efetuado principalmente pelo sistema Comprasnet). (P. 98)

– Responsabilidade solidária dos agentes públicos e fornecedores ou prestadores de serviços nas hipóteses de superfaturamento. (p. 99) TCU: comissão de licitação é também responsável por irregularidades que forem praticadas pelos administradores (ex: ordenador de despesas firma contrato com preço superfaturado). (p. 99)

– Para aferir superfaturamento: TCU considerou como parâmetro o preço dos contratos firmados com a mesma empresa, por outro órgão público e contrato anterior com o mesmo órgão. (p. 100) Superfaturamento constitui ato fradulento tipificado no art. 96 da Lei 8666, art. 10, V da Lei 8.429. (p. 100-101)

– – “As contratações diretas (hipóteses legais de licitação dispensável, dispensada e de inexigibilidade de licitação), são, pela própria natureza, mais vulneráveis a práticas de superfaturamento de preços. É que, nesses casos, a seleção do contrato mais vantajoso, para a Administração, não se submete aos rigores de um procedimento licitatório formal, mas a um procedimento especial e simplificado.” (p. 102)

– Sequência de atos preparatórios: (p. 103)

1) solicitação do material ou serviço, com clara descrição do objeto

2) justificativa da necessidade do objeto

3) caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, se for o caso;

4) elaboração da especificação do objeto e, nas hipóteses de aquisição de material, da quantidade a ser adquirida;

5) elaboração de projetos básico e executivo para obras e serviços;

6) indicação dos recursos para a cobertura da despesa;

7) razões da escolha do executante da obra ou do prestador do serviço ou do fornecedor do bem; (p. 103)

8) anexação do original das propsotas (serão aceitas propostas de preços encaminhadas por meio de correio eletrônico – email – e por fax, contendo a razão social e CNPJ, especificação do objeto, valor e outras condições, conforme o caso (Acórdão 1705, Pleno do TCU) (p. 104)

9) anexação do oroginal ou cópia autenticadad (ou conferida com o original) dos documentos de regularidade exigidos (Acórdão 260/2002) (p. 104)

10) declaração de exclusividade expedida pelo órgão competente, no caso de inexigibilidade

11) justificativa das situações de dispensa ou de inexigibilidade de licitação, com os elementos necessários à sua caracterização, conforme o caso,

12) justificativa do preço;

13) pareceres técnicos ou jurídicos;

14) documento de aprovação dos projetos de pesquisa para os quais os bens serão alocados, se for o caso;

15) autorização do ordenador de despesa;

16) comunicação à autoridade superior, no prazo de 3 dias, da dispensa ou da situação de inexigibilidade de licitação

17) ratificação e publicação da dispensa ou da inexigibilidade de licitação na imprensa oficial, no prazo de cinco dias, a contar do recebimento do processo pela autoridade superior. (p. 104)

18) inclusão de quaisquer outros documentos relativos à inexigibilidade (p. 105)

19) assinatura de termo de contrato ou instrumento equivalente. (p. 105)

– Documentos a instruir os autos (p. 105-106) Exigência de regular instrução é garantia à regularidade, transparência e licitude, evitando desvio de finalidade. (P. 106)

– “Acrescente-se às práticas ilícitas de direcionamento da licitação e de superfaturamento de preços, o fracionamento de despesa, como uma forma de manipulação do procedimento licitatório e das contratações diretas.” (p. 106)

Fracionamento de despesa: ocorre quando se divide a despesa visando a utilização de modalidade licitatória inferir àquela prevista na legislação para o total da despesa, ou para efetuar a contratação direta, ou seja, sem licitação. (p. 107)

– Dificuldade de planejamento prévio das compras de um exercício financeiro (p. 108-109): possível uso do SRP (procedimento para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens pela Administração, visando à contratações futuras; nessas licitações no âmbito federal exige-se que a Administração indique no edital, o preço unitário máximo que se dispõe a pagar pelos bens e serviços licitados – Decreto 3.931/01) (p. 109)

– “O fracionamento de despesa, como forma de manipulação do procedimento licitatório, ocorre quando se divide a despesa visando a utilização de modalidade licitatória inferior àquela prevista na legislação para o total da despesa, ou para efetuar a contratação direta, ou seja, sem licitação. Quando não é decorrente da ausência de planejamento da Administração, mas sim do desvio de finalidade por parte do administrador, configura ato fraudulento.” (p. 114)

Subcontratação e concluios realizados durante execução dos contratos por uma fiscalização ineficiente – práticas ilícitas, configuram improbidade, causam prejuízo ao erário (p. 110—113) “A subcontratação pode mascarar a contratação de empresa que não participou do certame, ou mesmo a inidoneidade da vencedora para a execução do objeto contratado. Há muitas fraudes que são propiciadas pela ausência ou deficiência da fiscalização durante a execução contratual. As alterações contratuais, muitas vezes são empreendidas no decorrer da execução do contrato, visando acréscimos no objeto licitado, com preços acima dos valores de mercado.” (p. 114-115)

– “As licitações e contratações (obras, serviços, compras) são essenciais para o funcionamento da Administração Pública. Se é certo que elas geral custos econômicos para o Estado, a corrupção também os gera. E, neste caso, os custos não são apenas para o Estado, mas custos para toda a sociedade, que acaba sendo a maior prejudicada pelo desvio de dinheiro público permitido pela corrupção.” (p. 113)

 

Vícios comuns (Carlos Pinto Coelho Motta e Celso Antônio Bandeira de Mello): a) quanto ao preâmbulo: é comum constatar editais que se afirmam regidos pela Lei 8.666 e, no próprio corpo editalício, contrariam dispositivos do referido diploma legal (ex: “caput” do art. 40 da Lei nº 8.666/93). O mesmo ocorre, freqüentemente, com relação ao tipo de licitação. O preâmbulo estabelece “licitação de menor preço”. Inserem-se, no entanto, no texto convocatório, fatores e critérios de julgamento que pertencem a outros tipos de licitação, como os de melhor técnica ou técnica e preço. b) quanto ao objeto: em alguns casos, há indicação defeituosa do objeto ou delimitação incorreta do universo de propostas, sendo inadequada sua especificação, imprecisa e obscura a identificação do objeto, de modo a impedir seu exato reconhecimento. Não deve a especificação ser insuficiente, tornando incotejáveis as propostas ou ser excessiva, de molde a alijar discriminatoriamente concorrentes em benefícios de alguns ou de algum interessado. c) quanto ao prazo de assinatura do contrato e às sanções cabíveis: o prazo de assinatura do contrato (arts. 64, 77 e 86) deve ficar definido claramente no edital. Outro equívoco freqüente em editais é estabelecer sanções em bloco, indiferenciadamente, desconsiderando a distinção conceitual entre as sanções para casos de inadimplemento contratual (art. 40, III) e sanções por desistência da proposta (art. 43, § 6º e 81). d) quanto às condições de participação: a maior incidência de equívocos deve estar no descumprimento dos artigos 27 a 31 da Lei nº 8.666 (habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal). Deve a Administração evitar incorrer em excesso de cautela ou vício burocrático, exigindo documentos inúteis e onerosos.

Processo 000.220/2007-1, Acórdão 2021/2007, rel. Ministro Augusto Sherman Cavalcanti, Plenário do TCU

  1. e) quanto ao critério de julgamento e aceitabilidade dos preços: não se admite o caráter aleatório, vago, omisso ou discriminatório dos critérios de avaliação que proporcionam subjetivismo inadmissível no julgamento das propostas, por comprometer sua correção.
  2. f) outros vícios: estabelecimento de trâmites processuais cerceadores da liberdade de fiscalizar a lisura do procedimento por retirarem dos licitantes a possibilidade de acompanhar a licitude do certame e a isonomia no tratamento dos ofertantes; renúncia ao direito de recorrer e concordância com o edital, como condições de participação.

A relação de vícios apontada não é exaustiva. Foram apontados os vícios mais freqüentes, que procedem diretamente da oposição aos princípios reitores da licitação ou que se incompatibilizem com traços nucleares do instituto. Entretanto, qualquer disposição do edital que contrarie a legislação acarretará sua ilicitude.

Referência doutrinária: MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Temas polêmicos de licitações e contratos. Fórum de Contratação e Gestão Pública. Belo Horizonte, ano 8, n. 92, p. 7-28, ago 2009.

 

 

 

 

Fabrício Motta. Slides do no 10 Fórum Brasileiro de Contratação e Gestão Pública. Disponível em

https://pt.slideshare.net/editoraforum/parecer-jurdico-nas-licitaes-limites-abrangncias-e-responsabilidades. Acesso em 21.12.2018:

  • Parecer Jurídico – AbrangênciaAnálise formal de conformidade/presença x Análise de conteúdo:- termo de referência/projeto básico aprovado pela autoridade competente (art. 7º, §2º)- orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários;- previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações a serem executadas no exercício financeiro em curso- compatibilidade com o PPA, se for o caso-previsão de quantidades de materiais e serviços (art. 7º, §4º; 15, §7º)-pesquisas de preços-requisitos exigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal
  • Parecer Jurídico – Abrangência-Adequada caracterização do objeto, sem indicação de marca(art.15, §7º, I)-Alienação de bens: justificação do interesse público, avaliação, autorização legislativa (quando for o caso;art.17 )-Modalidade e tipo de licitação adequados ( art.22 e segs. e 45 esegs)-Parcelamento ou justificativa (23, §4º)-Habilitação compatível com o objeto contratual (27 e segs)- Inexistências de cláusulas restritivas (3º, §1º)
  • Parecer Jurídico – Abrangência- Vedações (art.9º e segs)-Pareceres técnicos necessários à caracterização do objeto (38, VI)-Necessidade de audiência pública (art.39)-Conteúdo mínimo do Edital (art.40)-minuta do contrato a ser firmado (40, §2º, III)-Cláusulas contratuais, inclusive relativas à duração dos contratos(art.55 e segs)-Cláusulas exorbitantes (art.58 e segs; 65 e segs)-Prestação de garantia (art.56)-Requisitos de formalização (arts.61 e 62)-Sanções administrativas (art.86 e segs)-Disciplina dos recursos administrativos
  • Parecer Jurídico – AbrangênciaContratação Direta:- Justificativa específica da necessidade- caracterização da situação emergencial ou calamitosa quejustifique a dispensa, quando for o caso – razão da escolha do fornecedor ou executante – justificativa do preço- documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais osbens serão alocados.
  • Aspectos extra-jurídicos•Oportunidade e conveniência da contratação•Descrição do objeto, à exceção da indicação injustificada demarca•Conteúdo dos projetos básico e executivo•Indicativos de quantidade, estimativas de consumo•Planilhas de preço, incluindo sua composição•Critérios para aceitabilidade de preços•Questões que demandem conhecimentos técnicos específicos(incluindo os serviços técnicos profissionais especializados)
  • Aspectos extra-jurídicos•Execução do Contrato e sua fiscalização•Recebimento do Objeto•Comprovação dos fatos invocados como suporte para alteraçõescontratuais “O Órgão Consultivo não deve emitir manifestações conclusivas sobre temas não jurídicos, tais como os técnicos, administrativos ou de conveniência ou oportunidade”. Manual de Boas Práticas Consultivas – AGU
  • Principais Fraudes – Licitação- Direcionamento doloso/culposo da licitação Fraudes devido ao dimensionamento da licitação Parcelamento indevido do objeto Indivisão do objeto com o intuito de restringir o universo delicitantes- Fraudes na especificação do objeto Objeto indefinido Indicação de marca Padronização inadequada Especificação restritiva
  • Principais Fraudes – Licitação- Fraudes na elaboração do projeto básico Projeto básico descaracterizado Vinculação do autor do projeto com as empresas participantes da licitação Projeto básico direcionado para determinada empresa
  • Principais Fraudes – Licitação- Divulgação do procedimento- Documentação/propostas dos licitantes- Procedimento da licitação Escolha de modalidade indevida (fracionamento da despesa) Inabilitação indevida Desclassificação indevida Não abertura de prazo recursal Preço exorbitante para aquisição do edital
  • Principais Fraudes – Licitação- Constituição de cartéis-Sobrepreço/superfaturamento Quantitativos superestimados Inclusão de itens indevidos no BDI- Direcionamento em função de exigências na habilitação
  • Principais Fraudes – Licitação- Contratação Direta Fracionamento da despesa Classificação inadequada do objeto (fornecimento x serviço x obra) Situação emergencial indevida Contratação indevida de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional Fornecedores não exclusivos Ausência do binômio: notória especialização x natureza singular Possibilidade de competição
  • Principais Fraudes – Contratos- Formalização / publicação de contratos Contratos formalizados em desacordo com o previsto no edital Inclusão de dispositivos não previstos Supressão de dispositivos previstos Resumos de contratos não publicados, publicados intempestivamente ou publicados com omissão de dados- Entrega dos bens/prestação dos serviços- Medições realizadas-Contratação em duplicidade- Subcontratação
  • Principais Fraudes – Contratos Alterações nos contratos Inclusão de quantitativos para os quais haveria previsibilidade Inobservância dos limites fixados na Lei Reajustamento indevido em função dos prazos contratuais em função dos índices utilizados Repactuação indevida datas do dissídio / acordo Índices utilizados Recomposição indevida (manutenção do equilíbrio econômico- financeiro do contrato)
  • Principais Fraudes – Contratos Fraudes nos pagamentos a fornecedores Pagamentos antecipados Pagamentos em desacordo com os termos do contrato Pagamentos em duplicidade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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