Promoção e progressão: instrumentos de desenvolvimento e profissionalização na carreira pública

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1. Promoção: conceito e características

A promoção é uma das formas de provimento derivado vertical e, por ela, o servidor público sai do seu cargo e ingressa em outro situado em classe mais elevada, na carreira que integra. A doutrina reconhece que os critérios que, em regra, a legislação prevê para o deferimento da promoção são merecimento e tempo de serviço, sendo certo que em cada esfera federativa há autonomia política para o tratamento normativo da matéria.

A constitucionalista Cármen Lúcia Antunes Rocha, na mesma linha de raciocínio, define a promoção como forma de o servidor passar de um a outro cargo e gradação superior na mesma carreira, devendo-se observar a forma de escalonamento dos cargos feita na carreira. Ao analisar as legislações vigentes, insiste que a promoção faz-se mediante a elevação funcional de um para outro grau, mediante provimento de cargo que, na carreira, compõe o nível imediatamente superior ao anteriormente provido.  Assevera, ainda, que impedimento algum se tem para que, no caso, haja a previsão legal ou regulamentar de deverem os candidatos que preencham os requisitos para a promoção submeterem-se a seleção ou critérios de julgamento, a fim de que, mesmo nessa circunstância, tenha-se a escolha mais bem habilitado. “A Constituição da República prevê tal ocorrência, deixando que a lei defina os requisitos para a promoção, um dos quais pode ser a aprovação em seleção a ser aperfeiçoada entre os servidores-candidatos que atendam aos pressupostos para a disputa.” Fica clara no artigo 39, § 2º da Constituição a previsão de expressa forma de provimento derivado e investidura secundária em cargo público quanto o resguardo da definição legal dos requisitos para que tanto possa dar-se em cada caso.[1]

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, aquiescendo, com os referidos conceito, já decidiu: “Promoção é a forma de provimento pela qual o servidor passa para cargo de maior grau de responsabilidade, com maior complexidade de atribuições, dentro da carreira a que pertence. Constitui uma forma de ascender e não se confunde com o instituto da progressão. A promoção depende de normas e critérios a serem ainda definidos pela Administração, não havendo nenhuma ilegalidade nesta determinação, estando, de igual forma, vinculada a existência de vagas, pois constitui uma forma derivada de provimento de cargos públicos.”[2]

Sobre a constitucionalidade do instituto da promoção após a Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. CARGOS PÚBLICOS. MESMA CARREIRA. PROMOÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE. 1. A investidura de servidor público efetivo em outro cargo depende de concurso público, nos termos do disposto no artigo 37, II, da CB/88, ressalvada a hipótese de promoção na mesma carreira. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.”[3]

Também a jurisprudência já afirmou regulares situações em que a legislação previu critérios estritamente objetivos para as promoções por merecimento, sendo que, neste caso, “preenchidos esses requisitos legais, não há que se falar em discricionariedade do administrador na concessão dessas promoções por merecimento.” [4]

 

2. Progressão e promoção: compreendendo diferenças e regimes

A promoção admite que o servidor público efetivo passa de um nível para outro imediatamente superior em uma mesma carreira, quando atendidos os requisitos legais (desenvolvimento vertical). Já a progressão, tal como prevista em boa parte dos Estatutos Funcionais, não implica mudança de níveis, visto que é a passagem do servidor do grau em que se encontra para o grau subsequente, no mesmo nível da carreira a que pertence (desenvolvimento horizontal). Além de requisitos como a conclusão do estágio probatório e do cumprimento de tempo de exercício em um mesmo grau, tem-se previsões legais como a exigência de avaliação periódica de desempenho individual satisfatória para que possa ser legítimo o deferimento da progressão. No âmbito do Estado de Minas Gerais, por exemplo, a progressão consubstancia um dos meios de desenvolvimento do servidor na carreira a que pertence, sendo um dos requisitos para sua obtenção o tempo de efetivo exercício a ser cumprido considerando a mesma carreira. A finalidade da progressão é valorizar a experiência do servidor no exercício de uma determinada atividade pertinente a um cargo público.

Em relação a ambas as figuras (promoção e progressão), o essencial é que se compreenda que o objetivo é permitir o “crescimento na carreira”, ou seja, o alcance de graus e níveis superiores da estrutura de cargos em favor daqueles que realmente demonstram competências relativas aos cargos integrantes da carreira em questão. Atende a razoabilidade estabelecer que fazem jus a progredir na carreira e a obter graus e níveis mais elevados aqueles servidores que de fato realizam as atribuições do cargo em que está provido. Quem faz o que o seu cargo requer deve ser valorizado pela antiguidade da dedicação realizada e/ou excelência dos serviços prestados (merecimento), sendo legítimo que aqueles que deixaram de desempenhar as funções do cargo, cedidos para outras searas, não sejam alçados aos postos superiores mediante promoção ou progressão.

 

3. Profissionalização na Administração Pública: os limites da promoção e progressão em face da cessão de servidor.

A profissionalização no quadro de pessoal da Administração Pública requer das autoridades e dos órgãos competentes planejamento, normatização e execução concreta que valorize o aperfeiçoamento das funções reunidas em estruturas específicas como cargos, estruturados em níveis de uma mesma carreira. Se no lugar de valorizar o servidor que atende o que é exigido no exercício do cargo em que está provido, o Estado o equaliza com outro que se afastou das suas atribuições e passou a atender necessidades de outro órgão ou entidade administrativa, é claro o potencial comprometimento da eficiência administrativa, com ensejo à desmotivação e desinteresse dos membros de uma carreira pelo efetivo desempenho das atividades que a ela são inerentes.

 

3.1. A profissionalização estatal numa perspectiva sistêmica

Para entender a ideia de profissionalização do servidor público durante toda a carreira, é preciso compreender que o início de todo o processo é, ainda, na etapa do concurso público como fase seletiva do quadro de pessoal efetivo do Estado: “Em outras palavras: para a Administração, a finalidade do processo do concurso público é selecionar os melhores candidatos, ou seja, os mais preparados e melhor habilitados para o desempenho do serviço público ou de atividades de interesse público. Na prática, porém, como já observado, a escolha dos melhores candidatos nem sempre coincide com o provimento acertado de bons servidores públicos. (…) Todavia, tem-se o concurso público como ferramenta indispensável para o início da profissionalização.”[5]

Não há qualquer dúvida quanto a importância de se aprimorar esse processo, conjugando-o com outros mecanismos que irão assegurar o desenvolvimento do mérito potencial, como a avaliação de desempenho, a promoção na carreira e o concurso interno: “Se o objetivo do concurso público é possibilitar ao Estado a apuração do mérito atual dos servidores a serem providos originariamente na função pública, pode-se afirmar que, mediante esse processo, inicia-se a profissionalização da função pública.”[6]

A própria normatização infraconstitucional mais recente vem buscando reconhecer o concurso público como meio de realizar eficiência e isonomia, profissionalizando técnica, operacional e intelectualmente o exercício das atribuições do Estado nas diversas searas. Nesse espírito, sobreveio o Decreto Federal nº 9.739, de 28.03.19:

“(…) no tocante aos concursos, o novo regramento traz avanços importantes. O concurso deve ser pensado como um dos instrumentos de gestão de pessoal, ligado ao estágio probatório, avaliação permanente de desempenho e capacitação do servidor público. Para a prestação de serviços públicos com qualidade, eficiência e cortesia ao cidadão, concurso é só o primeiro passo. Renovo a conclusão do artigo publicado em 2015: ‘o planejamento do concurso é tão importante quanto sua execução — descurar dessa etapa inicial implica submeter a Administração a grande risco de despender esforços, tempo e recursos em vão’.”[7]

Numa perspectiva que reconhece a importância da formação adequada de um quadro técnico e estável para o Estado, destaca-se, também a importância do estágio probatório, consoante doutrina sobre a matéria:

“A avaliação de desempenho funcional pode ser entendida como instrumento de viabilidade do exercício do princípio constitucional da eficiência. Essa avaliação deve ser realizada após o estágio probatório, aos servidores públicos efetivos, para efeito de aferição do conjunto de habilidades dos mesmos.

Serve ainda para auferir os índices de aproveitamento de suas atividades desenvolvidas, do grau de dedicação ao trabalho, sua assiduidade e outros aspectos de ordem objetiva ou mesmo subjetiva ao critério da avaliação, quanto a atuação do servidor no seio da administração pública

Em resumo, a avaliação de desempenho funcional permite à Administração a implementação de um aperfeiçoamento constante, uma vez que possibilita levantar dados quanto à qualidade de seus servidores e traçar um perfil quanto ao grau de capacitação, tanto técnica como produtiva desses trabalhadores.”[8]

Sobre o procedimento que consiga realizar uma espécie de “raio x” do funcionalismo público, medir a eficiência e permitir a evolução dos servidores eficientes, destaca-se, ainda a progressão na carreira e adoção de medidas em relação àqueles com índices insatisfatórios:  “Essas medidas a serem adotadas são desde a implementação de programas de reciclagem e requalificação, até suspensão de benefícios e demissão por insuficiência no serviço público, logicamente, com lastro em legislação que discipline toda a matéria, respaldado em processo administrativo que assegure a ampla defesa e o contraditório.”[9]

De fato, o Direito Administrativo vem atentando para a importância da adoção de parâmetros concretos sobre profissionalização e gestão pública, buscando um desenvolvimento no quadro de pessoal que associe formação e treinamento do servidor.[10] A ideia, portanto, é não apostar todas as fichas no momento da admissão por meio do concurso público, mas também avaliar partes essenciais do serviço público (como qualidade do trabalho, quantidade do trabalho, autossuficiência, iniciativa, tirocínio, colaboração, ética profissional, conhecimento do trabalho, aperfeiçoamento funcional, compreensão dos deveres) e aspectos complementares (assiduidade, pontualidade, disciplina). Daí a importância de serem utilizados indicadores de desempenho, que representam unidades de medida associadas às metas de desempenho, sob a forma de índices, taxas, porcentagens e proporções,[11] buscando reduzir subjetivismos indevidos nessa apuração da efetividade governamental.

 

4. Conclusão sobre importância e limites da promoção e progressão na profissionalização do Estado

Quando se busca, mediante previsão normativa (leis, decretos, resoluções, portarias) fixar como critério de ascensão na carreira, que o servidor público esteja no exercício das atribuições do seu cargo efetivo, sendo por elas avaliado no procedimento que culmine em sua promoção ou progressão, incorpora-se um sistema de exame objetivo de mérito não excludente, mas capaz de valorizar a eficiência e o aprimoramento de pessoal na esfera pública.

Não se trata de impedir, de modo absoluto e abstratamente, que servidores tenham experiências profissionais em outras searas dos quadros de pessoal estatal, por meio do instituto da cessão p. ex., quando assim se mostrar lícito e possível. Trata-se somente de estabelecer, razoavelmente e com foco na eficiência, que situações dessa natureza implicam adiamento na obtenção de certas vantagens as quais continuarão a ser deferidas em favor daqueles que permanecerem no atendimento das necessidades administrativas cotidianas do Estado. Tratar igualmente os iguais (que permanecem no exercício das atribuições do cargo efetivo em que estão lotados) e desigualmente os desiguais (distinguindo quem se afasta das funções do cargo, cedido a outro órgão ou entidade administrativa) é a máxima da isonomia na Ciência do Direito.

Destarte, valorizar com promoção e progressão os servidores que seguem no exercício rotineiro, relevante e indispensável das atribuições de que a sociedade e o Estado necessitam em relação a determinada carreira é um modo de ensejar maior eficiência naquela seara. Adiar tais vantagens em face de servidores cedidos permite que, cumpridos os pressupostos legais, a movimentação se dê, com a retomada do desenvolvimento vertical e horizontal na carreira após o retorno ao cargo de origem. Nenhum comprometimento de isonomia, eficiência ou razoabilidade se vislumbra no referido contexto normativo. Ao contrário, trata-se da concretização dos referidos princípios na realidade administrativa de quaisquer dos Poderes do Estado.

Uma visão crítica dessa realidade permite compreender o conteúdo das noções técnicas de promoção e progressão, enquadrá-las numa visão sistêmica de gestão de pessoal das diversas estruturas do Estado, além de viabilizar o aperfeiçoamento e desenvolvimento na carreira, com foco na valorização daqueles que a integram efetiva e cotidianamente, exercendo as atribuições dos cargos públicos.

 

[1] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, nota 97 da p. 143 e p. 192 e 206.

[2] Embargos Infringentes Cível nº 1.0027.08.151817-0/002, rel. Des Wander Marotta, TJMG, DJMG de 12.02.2010

No mesmo sentido: Apelação Cível nº 1.0027.08.154252-7/002, rel. Des. Wander Marotta, 7ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 29.01.2010.

[3] Ag. Regimental no RE nº 461.792-MA, rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma do STF, DJe 14.08.2008.

[4]RMS nº 21.125-RS, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma do STJ, julgamento em 27.10.2009, Informativo 413 do STJ.

[5] SILVEIRA, Raquel Dias. Profissionalização da função pública. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 113.

[6] SILVEIRA, Raquel Dias. Profissionalização da função pública, op. cit., p. 113-114.

[7] MOTTA, Fabrício. As novas regras para concursos públicos: planejar é preciso. Disponível em https://www.conjur.com.br/2019-abr-18/interesse-publico-novas-regras-concursos-publicos-planejar-preciso. Acesso em 22.05.2019.

[8] SILVA JÚNIOR, Arnaldo. Dos Servidores Públicos Municipais. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 209.

[9] SILVA JÚNIOR, Arnaldo. Dos Servidores Públicos Municipais, op. cit., p. 210.

[10] SANTOS, Clezio Saldanha dos. Introdução à gestão pública. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 104-107.

[11] SANTOS, Clezio Saldanha dos. Introdução à gestão pública, op. cit., p. 111-115.

Indica-se a esse propósito: TROSA, Sylvie. Gestão pública por resultados. Quando o Estado se compromete. Tradução: Maria Luíza de Carvalho. Rio de Janeiro: Revan; Brasília, DF: ENAP, 2001

BERGUE, Sandro Trescastro. Gestão de pessoas em organizações públicas. 3ª ed. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2010.

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