Requisitos do concurso público: previsão legal, autovinculação e confiança legítima, prospectividade e reestruturação

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1. Necessidade de previsão legal originária dos requisitos do concurso público

É comum afirmar-se a necessidade de os requisitos para provimento de cargos públicos estarem fixados em lei. Se for o caso, dentro dos limites do poder regulamentar, os requisitos podem ser normatizados no exercício da discricionariedade técnica pelo Chefe do Executivo em Decretos veiculadores de regulamentos. Também se admite que órgãos e autoridades administrativas, no exercício do poder regulatório, editem portarias, instruções, circulares ou outros atos administrativos abstratos e gerais.

De fato, no ordenamento brasileiro, tem-se a imposição do princípio da reserva legal relativa, donde se infere que, originariamente, qualquer restrição ou prerrogativa precisa estar veiculada em lei. Aplicando-se tal premissa aos concursos públicos, pode-se concluir que a exigência de requisitos aptos a excluir determinados candidatos e manter outros no certame deve estar fixada em norma legal. Isso porque se trata de uma inovação primária que implica imposição de limites na esfera subjetiva individual dos interessados, além de regular a atuação administrativa. Consequentemente, é indispensável que a sua previsão originária não conste exclusivamente de atos normativos e concretos da Administração Pública, mas seja oriunda da vontade exteriorizada pelo Poder Legislativo, no exercício da sua função típica. Se é certo que a Constituição remete à lei o estabelecimento dos requisitos de acesso ao cargo, emprego e função pública, “todo brasileiro tem o direito de aceder ao cargo, emprego ou função pública, somente a lei pode limitar, condicionar ou restringir o exercício deste direito”.[1] A lei deve ser editada conforme a distribuição constitucional de competências legislativas. Os artigos 1º, 18, 25 e 30 da CR evidenciam a autonomia política dos entes federativos, donde se resulta a competência preliminar de cada pessoa federativa para editar leis próprias que regerão os respectivos certames seletivos. No entanto, é certo que determinadas matérias sujeitam-se à competência de um único ente, em razão de expressa norma constitucional que assim estabelece. Atentando para tal especificidade, o TRF da 4ª Região já assentou a necessidade de cumprir não somente o disposto nos artigos 22, XVI e 37, I da CF no sentido de que cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, com observância da competência da União para legislar sobre as condições para o exercício de profissões.[2] O fundamental, em cada caso, é sejam respeitados os limites da distribuição de competência legislativa levada a efeito pelo texto constitucional e o espaço reservado expressamente ao Parlamento.

A doutrina elucida que decorre da própria redação do artigo 37, I da Constituição o condicionamento do acesso aos cargos públicos à satisfação dos requisitos legais. Ao comentar o citado dispositivo, Cármen Lúcia Antunes Rocha pontua que, ressalvada a Constituição de 1937, tem-se no constitucionalismo brasileiro a garantia de que somente lei formal, elaborada pelo Legislativo segundo o processo previsto na CR, poderia ser fonte de condicionamento do acesso ao cargo, emprego ou função pública. “Ato administrativo, ainda que de natureza normativa, não serve à observância do ditame constitucional, por não se confundir com a espécie lei.”[3] A advertência dá-se relativamente à intolerância de que um diploma legal se omita em impor determinada exigência, delegando ao edital a possibilidade de regular a matéria em sua integralidade.

“É válida a limitação de idade em concurso público para ingresso às Forças Armadas, desde que prevista em lei em sentido formal. Precedentes.”[4]

É fundamental que a previsão originária esteja veiculada em lei, posto que, apenas se um determinado requisito do cargo nela está consagrado, é que se tornará admissível o exercício, pelo órgão ou autoridade competente, do poder regulamentar ou regulatório, nos estritos limites da normatização técnica cabível na espécie e com observância dos instrumentos regulatórios com características abstratas e gerais. Assim tem atuado órgãos como o Conselho Nacional de Justiça, ao editar a Resolução nº 75, de 12.05.2009 (audiência pública realizada em junho de 2019 para alteração do referido instrumento normativo), e o Conselho Nacional do Ministério Público, ao editar as Resoluções nº 40, de 26.05.2009, e nº 170, de 13.06.2017. Não se olvide de regulamentos como o veiculado em Decretos Federais e Estaduais (como, v.g., o Decreto Federal nº 9.739, de 28.03.2019, que buscou padronizar o procedimento dos concursos públicos no âmbito federal). O fundamental é que o órgão ou a autoridade que exerce o poder regulamentar ou regulatório aja com fundamento em regra que lhe outorgue competência para tanto e detalhe os requisitos estipulados em norma aprovada pelo Poder Legislativo. O fenômeno da “deslegalização” não admite que o Parlamento transfira todo o poder normativo do Estado para o chefe do Executivo e demais autoridades administrativas, mas permite que o detalhamento técnico de requisitos legais ocorra na esfera do poder regulamentar e regulatório. Assim sendo, somente após ser excluída a existência de exigências não consagradas previamente em regra legal, é que se admite tratamento técnico da matéria em sede normativa de natureza administrativa, seja em circulares, instruções, resoluções ou portarias (atos abstratos e genéricos). Referida normatização não se estende aos atos administrativos como editais, que são abstratos, mas que se aplicam em um único caso, o daquele concurso público específico.

Os Tribunais e as Cortes de Contas ressaltam continuamente que o edital não pode inovar e criar exigências sem base legal, sob pena de ofender a reserva legal, a legalidade estrita e o artigo 37, I da CR. Esse o entendimento proclamado pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais ao examinar o Edital de Concurso Público n. 793.481, conforme relatado pelo Conselheiro Antônio Carlos Andrada, em sessão realizada em 29.09.2009: “Segundo o órgão técnico, (…), pode-se constatar que há divergência entre o Edital e a Lei (…), tendo em vista que o cargo de Recepcionista requer tão somente a escolaridade ‘Ensino Fundamental’, sendo que o Edital exige que o candidato tenha concluído o ‘Ensino Médio’. Além disso, segundo a Lei (…), os cargos de Auxiliar de Limpeza (Saúde), Locutor e Contínuo requerem escolaridade ‘Ensino Fundamental’, sendo exigido no Edital apenas a conclusão da 1a a 4a séries do ‘Ensino Fundamental’. Dessa forma, deve ser revisto o Edital, no que diz respeito a tais divergências.”

Em edição especial de Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (v. 75, ano XXVIII, 2010) veiculadora de estudos doutrinários sobre a matéria relativa aos concursos públicos, tem-se premissa em idêntico sentido: “Entende-se que quaisquer exigências que limitem a acessibilidade a determinado cargo devem estar expressamente previstas em lei, isso porque, desse modo, a exigência limitadora, submetida ao crivo de um processo legislativo, goza de presunção de constitucionalidade.” Lições dessa natureza não afastam a possibilidade de a Administração fixar quais requisitos são necessários para o exercício de um determinado cargo, como, p. ex., a área de formação profissional técnica adequada para as atribuições a serem desempenhadas; contudo, tem-se que esse tipo de determinação, em nível normativo, por imposição constitucional (artigo 37, I da CR), deve passar pelo crivo do Poder Legislativo, resultando em previsão legal formal que poderá ser objeto de normatização futura em atos regulamentares ou regulatórios administrativos, mas não originariamente em sede de editais de concurso público.

Sublinha-se, portanto, que os requisitos para preenchimento de um  determinado cargo, exigidos no concurso público, sujeitam-se à previsão legal originária.

Assim sendo, conclui-se ter sido inobservada a reserva legal e, de modo específico, a regra do inciso I do artigo 37 da Constituição da República.

 

2. Exigência editalícia além da exigência legal: autovinculação (efeitos e limites)

Em alguns concursos públicos, tem-se, quando da publicação do edital, a inexistência de previsão legal autorizativa de uma dada regra do edital que exige um requisito específico. Nesse contexto, cumpre analisar se a mencionada regra do edital vincula, ou não, o Poder Público daí em diante, produzindo efeitos no regime jurídico funcional dos candidatos que, aprovados, tomaram posse e entraram em exercício.

A autovinculação administrativa tem sido incorporada no direito brasileiro a partir de estudos doutrinários que a reconhecem como hipótese importante de redução da discricionariedade, no âmbito dos atos concretos da Administração Pública, de invocação especialmente útil para impedir atuações caprichosas de agentes públicos ou alterações repentinas no padrão decisório do Poder Público.[5]

Nos termos das lições básicas relativas ao instituto, certo é que a autovinculação administrativa somente se aplica se se trata de competência discricionária, não servindo para sanar ausência de base legal de atos administrativos concretos ou abstratos, sujeitos à legalidade estrita e ao princípio da reserva legal.

Ao tratar originariamente entre nós sobre a matéria, o administrativista baiano Paulo Modesto ensinou que a autovinculação não significa reserva de administração ou espaço de autonomia decisória indiferente às determinantes legais ou institucionais. Pelo contrário, o professor adverte somente é possível no campo da discricionariedade administrativa, sendo certo que a lei é que programa a discricionariedade, oferecendo ao administrador margem de avaliação e ponderação. Nesse sentido, explicitou que a autovinculação não concorre com a legalidade; a desenvolve e densifica; deriva da necessidade de fixação de parâmetros para o próprio desenvolvimento da função administrativa, quando são muito variadas as alternativas oferecidas pela lei para atuação do administrador.[6]

Aplicando-se tais observações à hipótese ora em exame, tem-se que os requisitos do cargo, que devem ser atendidos por candidatos de concurso público sob pena de exclusão do certame, precisam constar de lei, consoante já se explicitou. Se devem constar de lei e, se for o caso, normatizados em sede de poder regulatório, não se vislumbra discricionariedade na fixação das regras editalícias que autorize, no futuro, invocar a autovinculação administrativa para sustentar cláusula do edital sem base legal ou normativa prévia, com a devida vênia dos entendimentos contrários.

Em outras palavras, se da legislação vigente em dada época resulta, p. ex., que o grau de escolaridade mínimo para o provimento de um determinado cargo é a conclusão do segundo grau, sem nenhuma especificação complementar de eventual natureza técnica do curso de segundo grau a ser comprovado, não se pode dar a edital que foi além dos limites da lei e exigiu prova complementar o alcance de vincular a Administração Pública daí em diante, para todo e qualquer efeito, inclusive para outorga de vantagens aos servidores investidos em cargo ao final do certame. Afinal, não há que se falar em discricionariedade na espécie, a matéria está sujeita à reserva legal e ao artigo 37, I da Constituição da República, sendo inadmissível que regra editalícia sem base legal que pretenda alterar o ordenamento de regência. Repita-se: a autovinculação administrativa não pode se opor à legalidade estrita, nem mesmo ao princípio da reserva legal.

 

3.Confiança legítima e Prospectividade

Tem sido reiterada, ainda, a preocupação de evitar que princípios como a segurança jurídica, a confiança legítima e a boa fé sejam invocados para que se ignorem vícios presentes quando se descumpre a reserva legal e dispositivos como o inciso I do artigo 37 da CR, não se admitindo o afastamento genérico dos limites restritivos de juridicidade de uma determinação editalícia. Não pode o ordenamento ser interpretado para, após exigência específica sem base legal, solidificar direitos que, para serem adquiridos, requeriam cumprimento de pressupostos consagrados em lei em sentido formal, ausente na espécie. O maior desafio é não transformar a confiança legítima, segurança jurídica e a boa-fé em uma panaceia que termine por incentivar ilegalidades e, pior, lhes ampliar o alcance dos vícios para regime jurídico futuro, o que é intolerável em um Estado Democrático de Direito. Nessa porfia, tem-se segura orientação da jurisprudência:

“1. Somente a Lei em sentido estrito, ou seja, o ato normativo emanado do Poder Legislativo, tem a virtude de criar restrições de direitos ou impor obrigações, tal como a especificidade da escolaridade de nível superior, para o acesso aos cargos públicos, sendo as normas veiculadas através de provimentos subalternos desprovidas de tal potestade.

  1. É incompatível com o art., 37, I, da Carta Magna, a disposição contida no item 3.6 do edital 1/94 do Ministério do Trabalho, regente do certame público para o preenchimento de cargos de fiscal do trabalho, que exige a graduação superior em Administração, Direito, Ciências Econômicas ou Ciências Contábeis e Atuariais como requisito ao exercício do referido cargo. Eis que tal norma editalícia não encontra suporte em lei, e o Decreto 88355/83 não lhe fornece supedâneo jurídico suficiente, por se tratar de norma meramente executiva.”[7]

Considerando que as leis, quando editadas, têm vigência para atingir fatos subsequentes à sua vigência, certo é que os ingressos em determinada carreira supervenientes ao um diploma submeteram-se aos requisitos especificados. Não havendo determinação na lei em sentido contrário, os novos diplomas incidem nos ingressos mediante concurso público que lhe sejam posteriores, consagrando o que a doutrina nomina “prospectividade”, ou seja, “elementos ocorridos no domínio de vigência de uma determinada lei, será naturalmente esta a aplicável”.[8]

A esse propósito e na mesma linha de raciocínio, confiram-se as lições de Adilson Abreu Dallari:

“Parece induvidoso que, dado ser a irretroatividade das leis, entre nós, um cânone constitucional, entendemos preponderar em nosso Direito, como regra geral, a irretroatividade, donde resulta a necessidade de expressa disposição legislativa quando há de se querer a norma retroativa. Ou seja, a menos que o legislador tenha expressamente dado à lei um caráter retroativo, vedado é ao intérprete deduzir tal efeito meramente vislumbrando a intenção tácita ou presumida do legislador.

Ainda que não existissem, como de fato existem, prescrições expressas no direito positivo (constitucional e ordinário) vedando a irretroatividade da lei, ainda assim se haveria de aplicar o princípio geral de direito no sentido de que tempus regit actum, ou seja: a licitude do ato deve ser apurada em função de lei vigente no momento de sua prática.

Efeito retroativo não se presume. Sem norma legal expressa, não há efeito retroativo. Mesmo havendo disposição expressa nesse sentido, não se pode aceitar plenamente a retroatividade, pois sempre será preciso verificar se não foram transgredidos os limites constitucionais. É certo, pois, que não existe efeito retroativo sem expressa previsão legal válida.”[9]

Sendo assim, não se pode pretender que uma nova redação a um dispositivo legal modifique posicionamentos na carreira realizados quando de ingressos anteriores, conforme a legislação vigente à época dos respectivos atos administrativos. Ausente determinação expressa de retroatividade de um novo preceito, incumbe assegurar a sua incidência apenas nos ingressos futuros a serem realizados nas carreiras indicadas. O princípio da irretroatividade das leis rege a situação jurídica em tese, ao que se acresce o fato de os posicionamentos na carreira já realizados quando da posse nos concursos finalizados, configurar-se como ato jurídico perfeito, nos termos do artigo 6º, § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, com submissão ao artigo 5º, XXXVI da Constituição da República.

A jurisprudência é uníssona ao assentar que o posicionamento na carreira depende das prescrições legais de regência:

“- O reenquadramento dos profissionais do Grupo de Atividade de Saúde do Poder Executivo, de acordo com a nova estrutura das carreiras, instituída pela Lei 15.462/05, deveria se dar nos termos do quadro de correlações estabelecido na lei em questão e observada a escolaridade exigida para o provimento no cargo transformado.

– Inexiste direito do servidor a ser reposicionado na classe correspondente ao seu efetivo grau de escolaridade, se o critério estabelecido na lei para o enquadramento na nova carreira se refere à formação exigida para o provimento do cargo e não houve ofensa à garantia da irredutibilidade dos vencimentos. (…) Como visto, o critério legal para o posicionamento na nova carreira remete à escolaridade mínima correlata ao cargo transformado e não a formação do servidor, individualmente considerado. Essas circunstâncias individuais terão repercussões no desenvolvimento do servidor na carreira através de promoções.

Assim, mesmo considerando que a autora possuía a formação em curso de educação profissional antes de ocupar o cargo de Técnico de Saúde, essa circunstância não influencia no seu posicionamento inicial na carreira de ATHH, que foi realizada em observância ao princípio da legalidade.”[10]

 

4. Reestruturação de carreiras

Ressalte-se a legitimidade de se realizar reforma no quadro de pessoal do Estado, alterando a estrutura das carreiras e as normas do regime jurídico a ser observado pelo servidor. Afinal, é lição clássica aquela segundo a qual não há direito adquirido a regime jurídico funcional. O Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, assim entendeu:

“I – Não há direito adquirido a regime jurídico. Assim, se alterado o escalonamento hierárquico da carreira a que pertence o servidor inativo, criando novos níveis para a progressão de servidores da ativa, desde que não implique em redução dos proventos do servidor inativo, não há falar em violação do direito adquirido e do princípio da isonomia. Precedentes.”[11]

Especificamente em relação à legitimidade da competência dos entes federativos para reestruturar carreiras, tem-se:

“1. O Supremo Tribunal Federal firmou sua jurisprudência no sentido de que servidor público não tem direito adquirido a regime jurídico, sendo possível seu reenquadramento em outro nível da carreira, ainda que tenha sido aposentado no último nível desta. 2. Agravo regimental improvido.”[12]

Também seguindo tais parâmetros, confira-se decisão do STJ:

“1. Pode a lei nova regular as relações jurídicas havidas entre os servidores públicos e a Administração, extingüindo, reduzindo ou criando vantagens, desde que observada, sempre, a garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos, não havendo falar em direito adquirido a regime jurídico.”[13]

Nas reestruturações, nenhuma ofensa à irredutibilidade de vencimentos pode ocorrer, devendo-se assegurar a referida garantia constitucional nos diplomas legais. O Estado pode exercer a competência que detém, em razão da autonomia política outorgada pelo artigo 1º, 18, 25 e 30 da Constituição da República, aplicar as regras legais de modo irrepreensível, posicionar os servidores nos termos da legislação vigente, com respeito à garantia da irredutibilidade de vencimentos.

Não raramente servidores atingidos invocam o princípio da isonomia, em seu favor, após as reestruturações de carreira feitas por lei. Preliminarmente, cumpre fixar que a Emenda Constitucional nº 19/98 excluiu do art. 39, § 1º a regra que assegurava isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, passando a dispor no referido § 1º que a fixação dos padrões de vencimento e das demais parcelas integrantes da remuneração devem observar a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira, bem como os requisitos para a investidura e as peculiaridades próprias dos cargos e das funções. Sobre a inadmissibilidade da isonomia repercutir diretamente na realidade administrativa, alterando o significado de dispositivos legais vigentes, farta é a jurisprudência do país:

“O Tribunal a quo contrariou jurisprudência desta Suprema Corte no sentido de que é vedado ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, estender a servidores públicos prerrogativas que não lhes foram deferidas em lei, com base no princípio da isonomia. Aplicação do enunciado da Súmula STF nº 339. 2. Agravo regimental improvido.”[14]

 

[1] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 420

[2] Apelação/Reexame Necessário nº 2009.70.01.003196-5, rel. Des. Maria Lúcia Luz Leiria, 3ª Turma do TRF da 4ª Região, D.E. de 10.02.2010

[3] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos, op. cit., p. 158-159

[4] Ag. Regimental no REsp nº 748.271-RS, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma do STJ, DJe de 09.02.2009

Nesse mesmo sentido: REsp nº 1.067.538-RS, rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma do STJ, DJe de 03.08.2009.

[5] MODESTO, Paulo. Legalidade e autovinculação da Administração Pública: pressupostos conceituais do contrato de autonomia no anteprojeto da nova lei de organização administrativa in Nova Organização Administrativa Brasileira. Coord. MODESTO, Paulo. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 131

[6] MODESTO, Paulo. Legalidade e autovinculação da Administração Pública: pressupostos conceituais do contrato de autonomia no anteprojeto da nova lei de organização administrativa in Nova Organização Administrativa Brasileira, op. cit., p. 136-137

[7] Remessa Ex Officio nº 554.687, 1ª Turma do TRF da 5ª Região, DJU de 13.12.1996, p. 96.963

[8] NORONHA, Fernando. Indispensável reequacionamento das questões fundamentais de direito intertemporal. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 847, p. 61, jul. 2005

[9] DALLARI, Adilson Abreu. Parecer. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, ano XVII, edição nº 1, 1999

[10] Apelação Cível nº 1.0024.10.117155-1/001, rel. Des. Heloisa Combat, 4ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 06.11.2014

Confiram-se, ainda, julgados do colendo Tribunal Justiça Mineiro sobre a matéria, proclamando, de modo uníssono, idêntico entendimento:

“Não pode o servidor ser posicionado no Nível II da nova carreira, para cujo ingresso o requisito de escolaridade é diverso daquele exigido para o cargo transformado, muito embora possua a formação definida para tanto, sob pena de inobservância à regra constitucional do concurso público.” (Apelação Cível nº 1.0024.10.117157-7, rel. Des. Áurea Brasil, 5ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 14.04.2014)

“SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL – HEMOMINAS – LEIS ESTADUAIS N° 15.462/05 E 15.786/05 – NOVA ESTRUTURA DE CARGOS – PEDIDO DE POSICIONAMENTO NO NÍVEL II DO CARGO ATHH (ASSISTENTE TÉCNICO DE HEMATOLOGIA E HEMOTERAPIA), DESDE 2005 – IMPOSSIBILIDADE – SENTENÇA REFORMADA NO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADOS OS RECURSOS VOLUNTÁRIOS.

– Correto o posicionamento da autora no Nível I da carreira de Assistente Técnico de Hematologia e Hemoterapia, já que a reestruturação das carreiras adequou o cargo por ela anteriormente ocupado, levando-se em conta sua escolaridade, à época da aprovação no concurso público, com o novo cargo criado (sem se contar o diploma que lhe conferiu o título de ‘Técnica em Patologia Clínica’, obtido após o ingresso no serviço público).
– Somente após esse enquadramento o servidor se submeterá às regras de evolução na carreira, “feitas de acordo com cada situação funcional, através da promoção e da progressão previstas em lei, inclusive quando possuir habilitação superior àquela exigida para o ingresso ou enquadramento.”
– Sentença reformada no reexame necessário, prejudicados os recursos voluntários.” (Apelação Cível nº 1.0024.10.117159-3/002, rel. Des. Eduardo Andrade, 1ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 18.06.2014)

“O servidor estadual que prestou concurso e foi nomeado para o cargo de Técnico da Saúde I, para o qual era exigido nível médio de escolaridade, ao ser posicionado na nova carreira criada pela Lei estadual nº 15.462/05 (no Nível I), não poderia ser enquadrado em cargo para o qual se exige, no ato da investidura, ‘ensino intermediário, com curso de educação profissional’, sob pena de violação aos princípios constitucionais que regem a contratação de servidores públicos mediante do concurso público.
A Lei estadual nº15.786/05 veio estabelecer que, para fins de reposicionamento, fosse observada a escolaridade exigida para o provimento do cargo efetivo transformado e o vencimento básico correspondente ao nível e ao grau do cargo de provimento efetivo transformado, percebido pelo servidor até a data de publicação da lei. Por conseguinte, o servidor, e neste caso a autora, não poderia, de fato, ter sido enquadrada no pretendido Nível II da nova carreira de Assistente Técnico de Hematologia e Hemoterapia, ainda que possua, atualmente, a habilitação exigida para ingresso na carreira, consoante legislação vigente.” (Apelação Cível nº 1.0024.10.116886-2/001, rel. Des. Armando Freire, 1ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 11.04.2013)

“Administrativo. Servidor. HEMOMINAS. Leis Estaduais nºs 15.462/05 e 15.786/05. Posicionamento. Escolaridade do cargo ocupado. Diferenças e reflexos. Improcedência.É de se julgar improcedente a pretensão de modificação do posicionamento do servidor na carreira de assistente técnico de hematologia e hemoterapia da HEMOMINAS, mais diferenças e reflexos, se foram observadas as regras das Leis Estaduais nºs 15.462/05 e 15.786/05, sobretudo com atendimento do requisito da escolaridade do cargo anteriormente ocupado. Primeiro recurso provido. Segundo recurso prejudicado (no reexame necessário, reformar a sentença e julgar prejudicada a apelação).” (Apelação Cível nº 1.0024.10.116889-6/001, rel. Des. Almeida Melo, 4ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 26.06.2012)

Confiram-se, ainda: Apelação Cível nº 1.0024.10.117381-3/002, rel. Des. Versiani Penna, 5ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 15.12.2015;

Apelação Cível nº 1.0024.10.197505-0/001, rel. Des. Geraldo Augusto, 1ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 07.08.2013;

Apelação Cível nº 1.0024.10.117152-8/001, rel. Des. Afrânio Vilela, 2ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 26.07.2013;

Apelação Cível nº 1.0024.10.116892-0/001, rel. Des. Manuel Saramago, 5ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 08.10.2012;

Apelação Cível nº 1.0024.10.117037-1/001, rel. Des. Caetano Levi Lopes, 2ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 17.10.2014.

[11] Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 825.743-TO, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma do STF, Informativo 624 do STF

[12] Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 703.865-PR, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma do STF, DJE de 10.12.2009

[13] ROMS nº 4.227-MA, rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª Turma do STJ, DJU de 09.02.2004, p. 206

[14] Ag. Reg. no RE nº 353.594-RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma do STF, DJU de 18.11.05, p. 20

“1. Prejudicado o pedido na parte referente à violação ao artigo 39, § 1º, da Constituição Federal, modificado substancialmente pela promulgação da EC 19/98 no curso da ação. Precedentes. 2. Equiparação de vencimentos no âmbito do serviço público. Vedação prescrita no inciso XIII do artigo 37 da Carta Federal. Alteração superveniente do dispositivo constitucional que não implicou modificação essencial do seu conteúdo, mantido o princípio que obsta a referida vinculação. Proibição que atinge situações anteriores à Constituição de 1988 (artigo 17 do ADCT/88).” (ADI nº 305-RN, rel. Min. Maurício Corrêa, noticiado no Informativo 285, transcrito no Informativo 294 do STF)

Confira-se, também: Ag. Regimental no Agravo de Instrumento nº 762.938-RS, rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma do STF, DJe de 10.12.2009

Ag. Regimental no RE com Agravo nº 919.449-PE, rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª Turma do STF, DJe de 17.12.2015

Ag. Regimental no Agravo de Instrumento nº 701.472-CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma do STF, DJe de 13.08.2009

Ag. Regimental no RE com Agravo nº 905.094-PR, rel. Min. Edson Fachin, 1ª Turma do STF, DJe de 09.12.2015

Ag. Regimental no RE nº 353.115-RS, rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma do STF, DJe de 05.08.2015

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