Gestante provida em cargo comissionado: há estabilidade?

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1. Cargos comissionados: entendendo suas características

No direito brasileiro, os cargos comissionados, também chamados de cargos de confiança são unidades de competências que, reunidas, definem-se como sendo de “livre nomeação” e de “livre exoneração”. Recebem denominação própria na estrutura das pessoas de direito público federativas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) e administrativas (autarquias e fundações públicas) e enfeixam atribuições de direção, chefia e assessoramento (artigo 37, V da CR), donde se entende justificada a liberdade para designação do servidor que exercerá tais responsabilidades e para o seu afastamento das citadas funções.

A natureza das atividades que podem integrar as competências imputadas a um cargo comissionado – direção, chefia e assessoramento – têm pertinência com a confiança que deve existir entre a autoridade nomeante e o servidor público. Daí a doutrina afirmar que a transitoriedade é uma vocação desse tipo de cargo, sendo indispensável liberdade no momento da nomeação, bem como quando da exoneração do servidor. A possibilidade de exoneração a qualquer momento implica o não reconhecimento de estabilidade ao servidor comissionado (artigo 41 da CR). Afinal, a confiança que exista e justifique a presença de um servidor no exercício de uma função de direção, assessoramento e chefia em um dado momento não pode obrigar a autoridade nomeante a manter o mesmo juízo indefinidamente, mormente quando há alteração no agente público que exerce a competência relativa à investidura do cargo comissionado. Com efeito, se muda a autoridade nomeante, é cabível a alteração no vínculo de confiança travado com o titular do cargo em comissão, sendo possível inclusive o seu desaparecimento, de modo a justificar o fim do exercício das atribuições. É desse contexto que advém o entendimento doutrinário segundo o qual a precariedade e a temporariedade são características do cargo comissionado.

É Edmir Netto de Araújo quem afirma que “Os cargos podem ser providos em comissão ou confiança, que, para nós, não deixam de ser sinônimos, no Direito Administrativo. Um dos significados do verbo cometer é exatamente o de confiar, e o de comissão é o de preenchimento de cargo por ocupante exonerável ‘ad nutum’, que quer dizer ‘à vontade de quem nomeia’.” Frisando a transitoriedade do ocupante do cargo comissionado, o administrativista sustenta que “Não é necessária a aprovação em concurso público para a nomeação em comissão (CF, art. 37, II), nem a prática de infração disciplinar, apurada em processo administrativo ou judicial, para seu desligamento.”[1] A doutrina vem insistindo que “Os cargos de confiança (…) só se justificam para o desempenho de atividades de direção, chefia e assessoramento, logo, incompatível com atribuições de natureza eminentemente técnica, que condicionam a realização do concurso para o seu provimento, sob pena de representar ofensa ao artigo 37, inciso II, da Constituição Federal.”[2] Referida cautela ao interpretar a figura do cargo comissionado é essencial na medida em que a liberdade quanto ao início e fim do provimento dos cargos afasta a regra geral do concurso público e a da estabilidade que incidem relativamente aos cargos efetivos.

Sublinhe-se que uma das principais distinções entre o cargo efetivo e o comissionado é exatamente a estabilidade que pode adquirir o titular do primeiro e que é recusada ao que exerce o cargo de confiança. A regra geral é que o servidor comissionado é demissível “ad nutum”, ou seja, pode ser exonerado a qualquer tempo pela autoridade que o nomeou, não lhe sendo possível adquirir a estabilidade consagrada no artigo 41 da CR, restrita aos servidores efetivos.

Cumpre elucidar, no entanto, que a amplitude da liberdade para exoneração do servidor provido em cargo em comissão encontra limites fixados no próprio texto constitucional. Destaca-se, dentre tais limites, garantias fundamentais como as que serão examinadas a seguir.

 

2. Licença maternidade. Servidora comissionada e a sujeição ao regime geral de previdência.

A liberdade para exonerar servidor comissionado encontra limite no princípio que protege a dignidade humana e os direitos sociais como saúde, trabalho, previdência social e proteção à maternidade previstos no artigo 6º da CR. O artigo 39, § 3º da Constituição da República, alterado pela Emenda Constitucional 19/98, estende aos servidores ocupantes de cargos públicos alguns direitos sociais previstos no artigo 7º da CR para os trabalhadores urbanos e rurais. Destaca-se, no inciso XVIII do artigo 7º a licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias e no inciso I a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos. Outrossim, o artigo 10 do ADCT determina que, “até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: (…) II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: (…) b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.”

Observe-se que, em cumprimento à reserva legal que incide sobre o conjunto mínimo de direitos outorgados aos servidores estatutários e às citadas normas constitucionais, tem-se normas expressas no âmbito estadual, distrital e municipal que regulamentam vantagens de natureza social como, p. ex., a licença maternidade. Considerando-se que as servidoras comissionadas de recrutamento amplo vinculam-se ao regime geral de Previdência, cumpre atentar para a Lei Federal nº 8.213/91 e seu decreto regulamentador (Decreto Federal nº 3.048/99).

“Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade. (Redação dada pala Lei nº 10.710, de 5.8.2003)

Art. 71-A.  Ao segurado ou segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança é devido salário-maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias. (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013)

§1oO salário-maternidade de que trata este artigo será pago diretamente pela Previdência Social. (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013)

§2oRessalvado o pagamento do salário-maternidade à mãe biológica e o disposto no art. 71-B, não poderá ser concedido o benefício a mais de um segurado, decorrente do mesmo processo de adoção ou guarda, ainda que os cônjuges ou companheiros estejam submetidos a Regime Próprio de Previdência Social.(Incluído pela Lei nº 12.873, de 2013)

Art. 71-B. No caso de falecimento da segurada ou segurado que fizer jus ao recebimento do salário-maternidade, o benefício será pago, por todo o período ou pelo tempo restante a que teria direito, ao cônjuge ou companheiro sobrevivente que tenha a qualidade de segurado, exceto no caso do falecimento do filho ou de seu abandono, observadas as normas aplicáveis ao salário-maternidade. (Incluído pela Lei nº 12.873, de 2013)  (Vigência)

§1oO pagamento do benefício de que trata ocaput deverá ser requerido até o último dia do prazo previsto para o término do salário-maternidade originário. (Incluído pela Lei nº 12.873, de 2013)  (Vigência)

§2oO benefício de que trata ocaput será pago diretamente pela Previdência Social durante o período entre a data do óbito e o último dia do término do salário-maternidade originário e será calculado sobre: (Incluído pela Lei nº 12.873, de 2013)  (Vigência)

I – a remuneração integral, para o empregado e trabalhador avulso; (Incluído pela Lei nº 12.873, de 2013)  (Vigência)

II – o último salário-de-contribuição, para o empregado doméstico; (Incluído pela Lei nº 12.873, de 2013)  (Vigência)

III – 1/12 (um doze avos) da soma dos 12 (doze) últimos salários de contribuição, apurados em um período não superior a 15 (quinze) meses, para o contribuinte individual, facultativo e desempregado; e (Incluído pela Lei nº 12.873, de 2013)  (Vigência)

IV – o valor do salário mínimo, para o segurado especial. (Incluído pela Lei nº 12.873, de 2013)  (Vigência)

§3oAplica-se o disposto neste artigo ao segurado que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção. (Incluído pela Lei nº 12.873, de 2013) (Vigência)

Art. 71-C. A percepção do salário-maternidade, inclusive o previsto no art. 71-B, está condicionada ao afastamento do segurado do trabalho ou da atividade desempenhada, sob pena de suspensão do benefício. (Incluído pela Lei nº 12.873, de 2013)  (Vigência)

Art. 72. O salário-maternidade para a segurada empregada ou trabalhadora avulsa consistirá numa renda mensal igual a sua remuneração integral.     (Redação Dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

§1o Cabe à empresa pagar o salário-maternidade devido à respectiva empregada gestante, efetivando-se a compensação, observado o disposto noart. 248 da Constituição Federal, quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço.      (Incluído pela Lei nº 10.710, de 5.8.2003)

§2oA empresa deverá conservar durante 10 (dez) anos os comprovantes dos pagamentos e os atestados correspondentes para exame pela fiscalização da Previdência Social.(Incluído pela Lei nº 10.710, de 5.8.2003)

§3o O salário-maternidade devido à trabalhadora avulsa e à empregada do microempreendedor individual de que trata o art. 18-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, será pago diretamente pela Previdência Social.     (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

Art. 73. Assegurado o valor de um salário-mínimo, o salário-maternidade para as demais seguradas, pago diretamente pela Previdência Social, consistirá: (Redação dada pela Lei nº 10.710, de 5.8.2003)

I – em um valor correspondente ao do seu último salário-de-contribuição, para a segurada empregada doméstica; (Incluído pela lei nº 9.876, de 26.11.99)

II – em um doze avos do valor sobre o qual incidiu sua última contribuição anual, para a segurada especial; (Incluído pela lei nº 9.876, de 26.11.99)

III – em um doze avos da soma dos doze últimos salários-de-contribuição, apurados em um período não superior a quinze meses, para as demais seguradas. (Incluído pela lei nº 9.876, de 26.11.99)

O Decreto nº 3.048/99, que veiculou o Regulamento da Previdência Social, detalhou pormenorizou o cálculo e pressupostos do referido benefício:

“Art. 93.  O salário-maternidade é devido à segurada da previdência social, durante cento e vinte dias, com início vinte e oito dias antes e término noventa e um dias depois do parto, podendo ser prorrogado na forma prevista no § 3o(Redação dada pelo Decreto nº 4.862, de 2003)

§1ºPara a segurada empregada, inclusive a doméstica, observar-se-á, no que couber, as situações e condições previstas na legislação trabalhista relativas à proteção à maternidade.

§2oSerá devido o salário-maternidade à segurada especial, desde que comprove o exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício, quando requerido antes do parto, mesmo que de forma descontínua, aplicando-se, quando for o caso, o disposto no parágrafo único do art. 29. (Redação dada pelo Decreto nº 5.545, de 2005)

§3º  Em casos excepcionais, os períodos de repouso anterior e posterior ao parto podem ser aumentados de mais duas semanas, mediante atestado médico específico. (Redação dada pelo Decreto nº 3.668, de 2000)

§4ºEm caso de parto antecipado ou não, a segurada tem direito aos cento e vinte dias previstos neste artigo.

§5ºEm caso de aborto não criminoso, comprovado mediante atestado médico, a segurada terá direito ao salário-maternidade correspondente a duas semanas. (Redação dada pelo Decreto nº 3.668, de 2000)

Art. 93-A.  O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança com idade: (Incluído pelo Decreto nº 4.729, de 2003)

I – até um ano completo, por cento e vinte dias; (Incluído pelo Decreto nº 4.729, de 2003)

II – a partir de um ano até quatro anos completos, por sessenta dias; ou(Incluído pelo Decreto nº 4.729, de 2003)

III – a partir de quatro anos até completar oito anos, por trinta dias. (Incluído pelo Decreto nº 4.729, de 2003)

§1º O salário-maternidade é devido à segurada independentemente de a mãe biológica ter recebido o mesmo benefício quando do nascimento da criança.(Incluído pelo Decreto nº 4.729, de 2003)

§2ºO salário-maternidade não é devido quando o termo de guarda não contiver a observação de que é para fins de adoção ou só contiver o nome do cônjuge ou companheiro. (Incluído pelo Decreto nº 4.729, de 2003)

§3ºPara a concessão do salário-maternidade é indispensável que conste da nova certidão de nascimento da criança, ou do termo de guarda, o nome da segurada adotante ou guardiã, bem como, deste último, tratar-se de guarda para fins de adoção. (Incluído pelo Decreto nº 4.729, de 2003)

§4ºQuando houver adoção ou guarda judicial para adoção de mais de uma criança, é devido um único salário-maternidade relativo à criança de menor idade, observado o disposto no art. 98. (Incluído pelo Decreto nº 4.729, de 2003)

§5ºA renda mensal do salário-maternidade é calculada na forma do disposto nos arts. 94, 100 ou 101, de acordo com a forma de contribuição da segurada à Previdência Social. (Incluído pelo Decreto nº 4.729, de 2003)

§6oO salário-maternidade de que trata este artigo é pago diretamente pela previdência social.  (Incluído pelo Decreto nº 4.862, de 2003)

Art. 94.  O salário-maternidade para a segurada empregada consiste numa renda mensal igual à sua remuneração integral e será pago pela empresa, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição, quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, devendo aplicar-se à renda mensal do benefício o disposto no art. 198. (Redação dada pelo Decreto nº 4.862, de 2003)

§1º – revogado

§2º – revogado

§3o A empregada deve dar quitação à empresa dos recolhimentos mensais do salário-maternidade na própria folha de pagamento ou por outra forma admitida, de modo que a quitação fique plena e claramente caracterizada.(Incluído pelo Decreto nº 4.862, de 2003)

§4o A empresa deve conservar, durante dez anos, os comprovantes dos pagamentos e os atestados ou certidões correspondentes para exame pela fiscalização do INSS, conforme o disposto no § 7odo art. 225. (Incluído pelo Decreto nº 4.862, de 2003)

Art. 95.  Compete à interessada instruir o requerimento do salário-maternidade com os atestados médicos necessários. (Redação dada pelo Decreto nº 3.668, de 2000)

Parágrafo único.  Quando o benefício for requerido após o parto, o documento comprobatório é a Certidão de Nascimento, podendo, no caso de dúvida, a segurada ser submetida à avaliação pericial junto ao Instituto Nacional do Seguro Social. (Redação dada pelo Decreto nº 3.668, de 2000)

Art. 96.  O início do afastamento do trabalho da segurada empregada será determinado com base em atestado médico ou certidão de nascimento do filho. (Redação dada pelo Decreto nº 4.862, de 2003)

Art. 97.  O salário-maternidade da segurada empregada será devido pela previdência social enquanto existir relação de emprego, observadas as regras quanto ao pagamento desse benefício pela empresa. (Redação dada pelo Decreto nº 6.122, de 2007)

Parágrafo único.  Durante o período de graça a que se refere o art. 13, a segurada desempregada fará jus ao recebimento do salário-maternidade nos casos de demissão antes da gravidez, ou, durante a gestação, nas hipóteses de dispensa por justa causa ou a pedido, situações em que o benefício será pago diretamente pela previdência social. (Incluído pelo Decreto nº 6.122, de 2007)

Art. 98. No caso de empregos concomitantes, a segurada fará jus ao salário-maternidade relativo a cada emprego.

Art. 99. Nos meses de início e término do salário-maternidade da segurada empregada, o salário-maternidade será proporcional aos dias de afastamento do trabalho.

Art. 100.  O salário-maternidade da segurada trabalhadora avulsa, pago diretamente pela previdência social, consiste numa renda mensal igual à sua remuneração integral equivalente a um mês de trabalho, devendo aplicar-se à renda mensal do benefício o disposto no art. 198. (Redação dada pelo Decreto nº 4.862, de 2003)

Art. 101.  O salário-maternidade, observado o disposto nos arts. 35, 198, 199 ou 199-A, pago diretamente pela previdência social, consistirá: (Redação dada pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

I – em valor correspondente ao do seu último salário-de-contribuição, para a segurada empregada doméstica; (Incluído pelo Decreto nº 3.265, de 1999)

II – em um salário mínimo, para a segurada especial; (Incluído pelo Decreto nº 3.265, de 1999)

III – em um doze avos da soma dos doze últimos salários-de-contribuição, apurados em período não superior a quinze meses, para as seguradas contribuinte individual, facultativa e para as que mantenham a qualidade de segurada na forma do art. 13. (Redação dada pelo Decreto nº 6.122, de 2007)

§3oO documento comprobatório para requerimento do salário-maternidade da segurada que mantenha esta qualidade é a certidão de nascimento do filho, exceto nos casos de aborto espontâneo, quando deverá ser apresentado atestado médico, e no de adoção ou guarda para fins de adoção, casos em que serão observadas as regras do art. 93-A, devendo o evento gerador do benefício ocorrer, em qualquer hipótese, dentro do período previsto no art. 13. (Incluído pelo Decreto nº 6.122, de 2007)

Decorre do contexto normativo constitucional e legal que as servidoras que mantém vínculo com os entes federativos, suas autarquias e fundações públicas, têm direito à garantia de emprego até o quinto mês após o parto (inseridos nesse período os cento e vinte dias de licença maternidade), tratando-se de direito fundamental social cuja operacionalização deve observâncias às leis de regência, promulgadas no âmbito federal e estadual.

 

3. A criança como principal destinatária da proteção à maternidade

O Supremo Tribunal Federal vem assentando que o legislador brasileiro, a partir de 1932 e mais claramente desde 1974, vem tratando a questão da proteção à maternidade, incluída aí a garantia de emprego da gestante, cada vez menos como um encargo do empregador e cada vez mais como de natureza previdenciária. A preocupação é sempre evitar discriminações indevidas, como desdobramento do princípio da igualdade de direitos previsto no inciso I do art. 5º da Constituição da República[3] e desassossego da gestante e mãe nos primeiros meses após o parto, período de significativos desafios. Os demais Tribunais, seguindo a mesma linha de raciocínio, fixam que, diante dos laços da maternidade, o direito social à licença deve ser preservado[4], bem como a garantia de emprego, capaz de dar um mínimo de segurança quanto à sobrevivência da mãe e do seu filho[5].

Já se compreende a criança como principal destinatária dessas garantias, sendo a mulher sua beneficiária mediata. Se inicialmente entendia-se esse tipo de proteção como um lapso temporal destinado a proteger predominantemente a saúde da mulher, hoje em dia reconhece-se os meses de gestação e primeiros meses de vida do bebê como o período destinado a realização de vários exames, controles e, em seguida, vacinas, acompanhamento de crescimento da criança e, principalmente, início do relacionamento íntimo entre mãe e filho. Trata-se de aspecto que não pode ser ignorado pelo intérprete do Direito, por ser essencial para estabilidade do núcleo familiar, objeto de clara proteção da ordem jurídica.

Frise-se que a criança é tratada pelo ordenamento hodierno como uma pessoa em desenvolvimento cujos direitos devem ser protegidos em sua integralidade máxima. Não se ignore que o Brasil ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das crianças que, por sua vez, consagrou o princípio da proteção integral. Também foi ratificada, ainda em 1934, a Convenção nº 3 da Organização Internacional do Trabalho que garantiu o direito à licença maternidade, devendo-se atentar para a Convenção OIT nº 103, de 1952, promulgada pelo Decreto nº 58.821/66 (artigo VI). No artigo 6º da referida Convenção 103 tem-se qualificada como ilegal a dispensa da gestante: “Quando uma mulher se ausentar de seu trabalho em virtude das disposições do Artigo 3 do presente Convênio, será ilegal que seu empregador lhe comunique sua dispensa durante tal ausência, ou que lhe seja comunicada de forma que o prazo marcado no aviso expire durante a mencionada ausência”. Outrossim, tem-se clara no artigo 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente a condição das crianças como sujeitos de direitos. Nesse contexto, regras como as dispostas na Lei Estadual nº 18.879/10, as políticas públicas relativas à infância e adolescência e as interpretações administrativas que repercutam nessa seara devem atentar para a proteção máxima possível aos beneficiários.

Tal premissa assume maior relevância em face do complexo período de gravidez e da fragilidade inerente aos recém-nascidos, sendo a certeza remuneratória uma garantia capaz de assegurar maior tranquilidade à família. A ausência de preocupação imediata com a sobrevivência permite que sejam estabelecidos laços afetivos entre a mãe e o bebê que são de importância indiscutível no desenvolvimento físico, mental e social da criança, bem como na estabilização do núcleo familiar, tratando-se de direito fundamental apto a balizar a hermenêutica de regras de direito público integrantes do regime jurídico administrativo.

Sobre a matéria, Líria dos Santos Paula e Déborah Lídia Lobo Muniz afirmam a importância de uma tranquilidade mínima para a gestante e, ainda, da presença da mãe para o desenvolvimento e evolução organizacional da criança nos primeiros meses de vida, aspecto psicológico e da saúde em volta do novo ser humano que chega ao mundo, inserindo-se no núcleo familiar:

“A importância fundamental da proteção dispensada pelo legislador à gestante e para à criança é explicada por psicólogos e médicos, os quais asseveram a importância da amamentação da criança e a companhia da mãe durante os primeiros meses mais frágeis da vida de um bebê. Prova disso é o que Spitz (1996, p. 92) relata em sua obra O Primeiro Ano de Vida. Ele explica que a inter-relação entre mãe e filho durante esta grande fase da vida é fundamental à criança. Essas experiências e as ações intencionais constituem grande e sensível desenvolvimento da personalidade do bebê, já que o contato físico e sentimental de mãe para com o filho é essencial, o que vai se aperfeiçoando gradualmente no decorrer de seu primeiro ano de vida (SPITZ, 1996, p. 93 e 99). Na mesma seqüência, ele consagra que, no decorrer dos primeiros seis meses de vida do bebê, o sistema preceptivo, o sensorial do bebê, está em estado de transição o que se traduz imperativo a presença constante da mãe.

(…) Assim, fica clara a intenção do legislador ao garantir proteção integral à maternidade e à infância, e ao atribuir igualdade a qualquer criança que esteja unida a um núcleo familiar, seja essa união através da gestação ou da adoção.” [6]

Seguindo esses parâmetros, tem-se a garantia fixada no artigo 10 do ADCT no sentido de proibir dispensa arbitrária ou sem justa causa “da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto”. Sobre esse dispositivo, certo é que a expressão “empregada” atinge também as servidoras públicas, protegendo não apenas as mulheres grávidas que mantém vínculos de emprego privados, mas também aquelas que exercem funções como agentes públicas, não importa a natureza do vínculo firmado: estatutário, emprego público ou função pública. Especificamente sobre as servidoras providas em cargos comissionados, também elas enquanto gestantes e mães, bem como seus nascituros, fazem jus à proteção constitucional, que lhes dá segurança financeira transitória com a inerente tranquilidade de subsistência capaz de ampará-los nesse período de intensas transformações. Frise-se que essa proteção é outorgada em decorrência do estado gestacional, sem qualquer vinculação com as características do cargo exercido, mas sim com a necessidade de proteção familiar, em especial do nascituro. Nesse sentido, os Pretórios afirmam que

“Ora, a licença visa à proteção não apenas da gestante, mas, principalmente, do nascituro. Não se mostra razoável promover a proteção de determinado grupo de nascituros (aqueles gerados por trabalhadoras celetistas) e desguarnecer outro (gestados por servidoras ocupantes de cargo comissionado), sem que haja justificado motivo de tratamento diferenciado, sob pena de vulneração dos princípios constitucionais da igualdade e da dignidade (art.5º, caput e art.1º, III da CF/88) e mesmo do direito à proteção da maternidade e infância (art. 6º).”[7]

4. A ponderação entre os interesses em conflito

O desafio que se coloca em discussão é a compatibilização de uma necessidade real de quem tem por competência prover o cargo comissionado – manter no seu exercício alguém de sua confiança – e a proteção constitucional à mulher gestante até o quinto mês posterior ao parto, de incidência induvidosa na espécie. Observe-se que tal questionamento resume exatamente a questão ora em exame, visto que o fato de uma servidora comprovar sua gravidez mediante exame laboratorial no exercício de um cargo comissionado não exclui o fato de estarmos diante de uma atividade que, à obviedade, somente pode ser exercida por alguém de confiança da autoridade nomeante. Não é viável manter na chefia, direção ou assessoramento uma servidora que não seja da confiança pessoal da autoridade competente, sob pena de ser prejudicada a própria estruturação dos trabalhos do órgão ou da entidade.

Em situações assim, a doutrina vem reconhecendo tratar-se de um conflito significativo entre a supremacia do interesse público (princípio em que se funda a possibilidade de exoneração do cargo comissionado conforme a confiança depositada, ou não, pela autoridade nomeante no servidor) e a proteção da vida, da família e a dignidade humana (princípios em que se ampara  a regra do artigo 10, II, b do ADCT e artigo 7º, I e XVIII da CR). Segundo o Advogado da União José Ricardo Britto Seixas Pereira Júnior,

“E sob que hermenêutica a jurisprudência compatibiliza a precariedade dos cargos em comissão com normas que conferem estabilidade a gestante? Como é possível harmonizar o princípio da supremacia do interesse público com o princípio da proteção da vida e família.

Ao estudioso desavisado, vê-se um suposto antagonismo entre o direito individual da gestante em ter estabilidade no cargo com consequente remuneração e da administração pública que tem a prerrogativa de livremente dispor dos cargos em comissão.

Contudo, como se sabe, o chamado conflito entre princípios resolve-se pelo método ponderação de valores, sem a exclusão definitiva de algum deles do ordenamento jurídico.

Já o conflito entre regras é resolvido pelo método do “tudo ou nada” (uma regra é aplicada em sua totalidade, enquanto as demais são consideradas inválidas) e da subsunção.

No caso, a jurisprudência ultrapassou a análise das regras apresentadas, ou dados conforme lição de Renato Geraldo Mendes, passando a realizar uma análise principiológica do caso concreto, resguardando a norma jurídica.

(…)

A luz da jurisprudência já sedimentada, comprova-se que resta assegurada às gestantes ocupantes de cargos em comissão e seus nascituros a estabilidade financeira necessária para conferir uma gravidez tranquila, evitando prejuízos a saúde do nascituro em decorrência de eventual instabilidade financeira da genitora.

Assim, de forma harmônica e utilizando uma hermenêutica principiológica, o Poder Judiciário compatibilizou a prerrogativa do poder público em livremente nomear e exonerar os cargos comissão com o direito constitucional das gestantes para não serem demitidas ou exoneradas até, no mínimo, cinco meses após o parto.

Para tanto, foi garantido às gestantes eventualmente exoneradas de cargos em comissão o direito liquido e certo de receber indenização substitutiva equivalente ao valor da remuneração que seria devida caso permanecessem no cargo, até o fim da estabilidade gestacional.

E mais, tal indenização pode ser exigida via mandado de segurança que implicará em pagamento imediato da indenização sem a necessidade de pagamento via precatório.
Desta forma, cabe a administração pública observar a interpretação judicial já sedimentada, assegurando o direito constitucional das gestantes comissionadas e de seus nascituros, viabilizando uma gravidez tranquila e sem sobressaltos mesmo em caso de necessidade de exoneração do cargo em comissão eventualmente ocupados pelas gestantes.”[8]

Em face de tais considerações, é mister reiterar que nenhum aspecto pode afastar o entendimento de que a gravidez é um estado físico que merece ampla proteção da Constituição, o mesmo ocorrendo com os primeiros meses de vida do recém-nascido. O Ministro Dias Toffoli, ao relatar o RE nº 420.839-DF, deixou assentado que “As servidoras públicas, em estado gestacional, ainda que detentoras apenas de cargo em comissão, têm direito à licença-maternidade e à estabilidade provisória, nos termos do art. 7º, inciso XVIII, c/c o art. 39, § 3º, da Constituição Federal, e art. 10, inciso II, alínea b, do ADCT” (DJe de 25.03.2012) e, ao decidir o Agravo Regimental no RE nº 368.460-MT deixou ementado o entendimento de que “Servidora no gozo de licença gestante faz jus à estabilidade provisória, mesmo que seja detentora de cargo em comissão” (DJe de 25.04.2012). Na mesma linha de raciocínio, o seguinte acórdão:

“O acesso da servidora pública e da trabalhadora gestantes à estabilidade provisória, que se qualifica como inderrogável garantia social de índole constitucional, supõe a mera confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez, independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao órgão estatal competente ou, quando for o caso, ao empregador. Doutrina. Precedentes. – As gestantes – quer se trate de servidoras públicas, quer se cuide de trabalhadoras, qualquer que seja o regime jurídico a elas aplicável, não importando se de caráter administrativo ou de natureza contratual (CLT), mesmo aquelas ocupantes de cargo em comissão ou exercentes de função de confiança ou, ainda, as contratadas por prazo determinado, inclusive na hipótese prevista no inciso IX do art. 37 da Constituição, ou admitidas a título precário – têm direito público subjetivo à estabilidade provisória, desde a confirmação do estado fisiológico de gravidez até cinco (5) meses após o parto (ADCT, art. 10, II, “b”), e, também, à licença-maternidade de 120 dias (CF, art. 7º, XVIII, c/c o art. 39, § 3º), sendo-lhes preservada, em consequência, nesse período, a integridade do vínculo jurídico que as une à Administração Pública ou ao empregador, sem prejuízo da integral percepção do estipêndio funcional ou da remuneração laboral. Doutrina. Precedentes. Convenção OIT nº 103/1952. – Se sobrevier, no entanto, em referido período, dispensa arbitrária ou sem justa causa de que resulte a extinção do vínculo jurídico- -administrativo ou da relação contratual da gestante (servidora pública ou trabalhadora), assistir-lhe-á o direito a uma indenização correspondente aos valores que receberia até cinco (5) meses após o parto, caso inocorresse tal dispensa. Precedentes.”[9]

Também a jurisprudência garante direito social às servidoras públicas, como a estabilidade provisória à gestante[10], acentuando a importância de proteções como garantia de emprego e licença maternidade[11]. Registre-se, ainda, que o STF reconheceu ter repercussão geral o direito à estabilidade provisória e à licença maternidade quando se está diante de ocupantes de cargos comissionados não titulares de cargos efetivos e de contratados por prazo determinado[12].

No Tribunal de Justiça de Minas Gerais, já se identificava o seguinte entendimento:

“AÇÃO ORDINÁRIA – SERVIDORA PÚBLICA DESIGNADA A TÍTULO PRECÁRIO – EXONERAÇÃO – ESTABILIDADE PROVISÓRIA – DIREITO CONSTITUCIONAL – PAGAMENTO DE REMUNERAÇÃO. O direito à estabilidade provisória em decorrência da maternidade é estendido às servidoras públicas, nos termos do §3º do art. 39 da Constituição da República de 1988 e do art. 10, inciso II, b, do ADCT, sendo que, não havendo o legislador originário feito qualquer restrição acerca da espécie de servidora abrangida pela garantia, não caberá ao intérprete fazê-lo. Portanto, tal direito deve ser reconhecido, às servidoras públicas de qualquer espécie, inclusive as contratadas por prazo determinado e ocupantes de cargo em comissão.” [13]

A matéria teve entendimento uniformizado pela 1ª Câmara de Uniformização de Jurisprudência Cível do TJMG em 20 de agosto de 2014:

EMENTA: INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MATÉRIA SOBRE O REGIME DA REPERCUSSÃO GERAL NO STF E CUJOS PRECEDENTES NÃO DIVERGEM ENTRE SI. CONHECIMENTO DO INCIDENTE. SERVIDORA PÚBLICA. FUNÇÃO PÚBLICA. VÍNCULO PRECÁRIO. CARGO EM COMISSÃO. GRAVIDEZ. DISPENSA DURANTE O PERÍODO GESTACIONAL. IMPOSSIBILIDADE. APLICABILIDADE DOS ARTIGOS 7º, XVIII, 39, §3º, DA CF, E 10, II, ‘B’ DO ADCT. DIREITO A ESTABILIDADE PROVISÓRIA. (…) – Embora os servidores públicos civis contratados para cargo comissionado mantenham apenas vínculo precário com a Administração Pública, garante-se à servidora pública grávida a estabilidade provisória gestacional e a licença maternidade após o parto, e se lhe reconhece o direito à indenização por dispensa no aludido período quando a espécie se amolda ao art. 10, II, ‘b’, do ADCT. Precedentes do STF, STJ e desta Corte.”[14]

Não é legítimo, assim, que em sede administrativa qualquer decisão comprometa a proteção constitucional à gestante, estendida até sua licença maternidade, e ao nascituro, tendo em vista maciça orientação jurisprudencial contemporânea. Buscando o equacionamento entre essa reconhecida proteção à gestante, mesmo quando no exercício de cargo comissionado, e a proteção do interesse público presente quando o exercício do cargo comissionado se dá por alguém da confiança da autoridade nomeante, tem-se decisões fixando como devida indenização compensatória, no valor da remuneração do cargo comissionado exercido pela servidora, da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal assim proclamou.

“A proteção consagrada no art. 10, inciso II, alínea ‘b’, do ADCT, que veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante a partir da confirmação da gravidez, perdurando tal garantia até o término da licença maternidade, deve ser estendida às servidoras públicas titulares de funções comissionadas, em observância ao princípio da igualdade (art. 7º, XVIII, c/c o art. 39, § 3º, da CF) – Precedentes. Ainda que a gratificação reclamada seja de natureza transitória, portanto, demissível ad nutum, a servidora pública gestante faz jus à percepção da remuneração do cargo comissionado enquanto se encontrar em licença-maternidade.  O amparo legal concedido à servidora pública gestante, no sentido de que terá direito à remuneração durante o período gestacional e até o fim da licença-maternidade, não implica estabilidade na função, sendo possível a dispensa. Portanto, não se estende para os períodos relativos à férias e/ou fruição de licença casos de férias e de licença prêmio por assiduidade. Ordem parcialmente concedida.”[15]

Recentemente, em fevereiro de 2019, foi divulgado o seguinte acórdão do Pleno do STF:

“DIREITO À MATERNIDADE. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL CONTRA DISPENSA ARBITRÁRIA DA GESTANTE. EXIGÊNCIA UNICAMENTE DA PRESENÇA DO REQUISITO BIOLÓGICO. GRAVIDEZ PREEXISTENTE À DISPENSA ARBITRÁRIA. MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE VIDA AOS HIPOSSUFICIENTES, VISANDO À CONCRETIZAÇÃO DA IGUALDADE SOCIAL. DIREITO À INDENIZAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. 1. O conjunto dos Direitos sociais foi consagrado constitucionalmente como uma das espécies de direitos fundamentais, se caracterizando como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal. 2. A Constituição Federal proclama importantes direitos em seu artigo 6º, entre eles a proteção à maternidade, que é a ratio para inúmeros outros direitos sociais instrumentais, tais como a licença-gestante e, nos termos do inciso I do artigo 7º, o direito à segurança no emprego, que compreende a proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa da gestante. 3. A proteção constitucional somente exige a presença do requisito biológico: gravidez preexistente a dispensa arbitrária, independentemente de prévio conhecimento ou comprovação. 4. A proteção contra dispensa arbitrária da gestante caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher, ao assegurar-lhe o gozo de outros preceitos constitucionais – licença maternidade remunerada, princípio da paternidade responsável –; quanto da criança, permitindo a efetiva e integral proteção ao recém-nascido, possibilitando sua convivência integral com a mãe, nos primeiros meses de vida, de maneira harmônica e segura – econômica e psicologicamente, em face da garantia de estabilidade no emprego –, consagrada com absoluta prioridade, no artigo 227 do texto constitucional, como dever inclusive da sociedade (empregador). 5. Recurso Extraordinário a que se nega provimento com a fixação da seguinte tese: A incidência da estabilidade prevista no art. 10, inc. II, do ADCT, somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa.”[16]

Embora não trate especificamente da realidade funcional da servidora comissionada, vislumbra-se a incidência do aludido raciocínio também na situação ora em discussão, a ser solucionada, em definitivo, quando julgada a Repercussão Geral no RE nº 842.844, que substituiu o ARE 674.103, no Plenário do STF. Como limite ao eventual afastamento do exercício das funções de direção, assessoramento ou chefia, reitera-se o dever de motivação que se entende presente na espécie.

 

5. Conclusão

Com base nos argumentos delineados, reconhece-se a proteção remuneratória e previdenciária outorgada pela Constituição à gestante durante o período vulnerável da gravidez e dos meses subsequentes ao parto, mesmo quando no exercício do cargo comissionado de recrutamento amplo, pelo que a servidora faz jus, neste caso, aos valores remuneratórios e previdenciários devidos desde a confirmação da gravidez até o 5º (quinto) mês após o parto. Referida proteção deverá prevalecer mesmo na hipótese de se mostrar inadequado, se ausente o vínculo de confiança, o exercício das funções de chefia, direção e assessoramento até o momento do afastamento para o parto. Observe-se que nenhuma ilegalidade haverá caso a autoridade nomeante decida, administrativamente, pela não continuidade de exercício da chefia, direção ou assessoramento pela servidora, com base em razão fática e fundamento jurídico adequado, e desde que se assegure a ela, integral e tempestivamente, a percepção remuneratória e previdenciária devida, motivando adequadamente sua decisão. Isso porque, respeitadas as repercussões pecuniárias, nenhuma restrição indevida incidirá sobre o universo jurídico da servidora, assegurada a primazia das normas constitucionais; em contrapartida, ter-se-á, cumulativamente, a adequada proteção do interesse público primário, conforme juízo discricionário e motivado pelo gestor público competente.

Pelas razões expostas, entende-se que cabe à servidora comissionada a proteção à gestante consagrada no artigo 7º, I e XVIII c/c artigo 39, § 3º da Constituição da República, bem como no artigo 10, II, ‘b’ do ADCT, com pagamento das remunerações e benefícios previdenciários relativos ao cargo comissionado que exerce, desde a confirmação da gravidez até o quinto mês após o parto. Assegurada a regular percepção remuneratória e previdenciária nesse período, o efetivo exercício das atividades inerentes ao cargo comissionado do presente momento até o afastamento para o parto decorrerá do juízo de oportunidade e conveniência a ser exercido pela autoridade nomeante com base na presença, ou não, do vínculo de confiança, respeitado o dever de motivação a ser observado na espécie.

[1] ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 303-304.

[2] ZIMMER JÚNIOR, Aloísio. Curso de Direito Administrativo. 3ª ed. São Paulo: Método, 2009, p. 424.

[3] ADI nº 1.946-DF, rel. Min. Sydney Sanches, Pleno do STF Informativo n° 308 do STF.

[4] MS nº 2009.03.00.029416-1, rel. Desembargador Henrique Herkenhoff, 1ª Seção do TRF da 3ª Região, DJF3 de 04.11.2009, p. 5.

[5] RMS nº 26.069-MG, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma do STJ, DJe de 01.06.2011.

[6] PAULA, Líria dos Santos. MUNIZ, Déborah Lídia Lobo. Licença-Maternidade: O aumento do período de afastamento para a mãe trabalhadora. Revista jurídica da UniFil, ano V, nº 5, p. 133, 135-136.

[7] Apelação Cível nº 1.0245.13.003276-7/002, rel. Desembargadora Ana Paula Caixeta, 4ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 28.08.2014.

[8] PEREIRA JÚNIOR, José Ricardo Britto Seixas. Da estabilidade à gestante ocupante de cargo em comissão. http://www.evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=600. Acesso em 13.01.2015.

[9] Agravo Regimental no RE nº 634.093-DF, rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma do STJ, DJe de 06.12.2011

[10] Apelação Cível nº 1.0026.13.004044-2/001, rel. Des. Rogério Coutinho, 8ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 01.12.2014; Apelação Cível nº 2011.000119-2, Acórdão nº 1192, relator Desembargador Luiz Cézar Medeiros, TJSC, julgamento em 29.03.2011 e Remessa Ex Officio nº 2008.34.00.036012-0, rel. Juíza Federal Kátia Balbino de Carvalho Ferreira, 2ª Turma do TRF da 1ª Região, e-DJF1 de 25.02.2010, p. 129

[11] RMS nº 22.361-RJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma do STJ, DJU de 07.02.2008 e Remessa Ex Officio em MS nº 2008.34.00.034530-5, rel. Desembargador Federal Francisco de Assis Betti, 2ª Turma do TRF da 1ª Região, e-DJF1 de 24.02.2011, p. 423 e Reexame Necessário nº 1.0377.13.000758-8/001, rel. Des. Vanessa Verdolim Hudson Andrade, 1ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 02.10.2014

[12] Repercussão Geral no Recurso Extraordinário com Agravo 674.103-SC, re. Min. Luiz Fux, julgamento em 03.05.2012, DJe de 18.06.2013; em 17.11.2014 o recurso foi substituído para julgamento de tema de repercussão geral pelo processo RE nº 842.844

[13] Apelação Cível nº 1.0210.12.005987-3/003, rel. p/ acórdão Des. Dárcio Lopardi Mendes, 4ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 18.12.2014

[14] Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 1.0567.10.004448-4/004, rel. Desembargador Alberto Vilas Boas, 1ª Câmara Unif. Jurisp. Cível do TJMG, DJMG de 05.09.2014

[15] Mandado de Segurança nº 201300020289392, Acórdão nº 810414, rel. Des. Romão C. Oliveira, Conselho Especial do TJDFT, DE de 18.08.2014, p. 76.

Também admitindo a indenização substitutiva da estabilidade provisória: Apelação Cível nº 20120399375-SC, rel. Des. Francisco Oliveira neto, 2ª Câmara de Direito Público do TJSC, julgamento em 10.09.2013; Apelação Cível nº 1.0569.13.002573-1/001, rel. Des. Moacyr Lobato, 5ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 01.12.2014

[16] RE nº 629.053-SP, rel. p/ acórdão Min. Alexandre de Moraes, Pleno do STF, DJe de 26.02.2019

 

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