Prescrição: direito de terceiros em face da Administração Pública

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1. Introdução

A prescrição é um dos institutos que o ordenamento prevê para atendimento da demanda de estabilização pelo tempo, alcançando-se a segurança jurídica.

Com efeito, é crescente a necessidade por estabilidade nos vínculos, inclusive de natureza pública, que não podem ficar à mercê das pressões circunstanciais, nem mesmo das vontades subjetivas de determinados grupos privados ou públicos. A previsibilidade e a continuidade das ações e da realidade estatal ganham força como paradigma de atuação minimamente estável pública e das relações sociais. Afinal, a manutenção de situações jurídicas pendentes poderia eternizar conflitos que comprometeriam a própria segurança dos cidadãos. Daí a prescrição incidir sobre as relações jurídico-administrativas, inclusive fixando um prazo máximo para terceiros que se relacionam com o Poder Público aviarem seu inconformismo diante de alguma ofensa a direito pessoal ou real de sua titularidade.

 

2. Prescrição de direitos pessoais de terceiros perante a Administração Pública (pessoas jurídicas de direito público)

Considerando a competência da União para legislar sobre prescrição, vinculando todos os níveis federativos, cumpre destacar a regra do artigo 1º do Decreto n° 20.910/32, “in verbis”: “As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem.”

Embora o artigo 1º do Decreto nº 20.910/32 empregue a expressão “seja qual for a sua natureza”, a jurisprudência e a doutrina anteriores ao novo Código Civil pacificaram o entendimento de que o prazo de prescrição quinquenal fixado no Decreto Federal n° 20.910/32 incide apenas em relação aos direitos pessoais. Assim, a ofensa pela Administração Pública a um direito de natureza não-real ensejaria ao interessado a possibilidade de, no período de 05 (cinco) anos, recorrer ao Judiciário buscando a reparação devida.

O prazo de prescrição quinquenal restringe-se às pretensões em face das pessoas de direito público, sendo inaplicável às pessoas privadas da Administração direta, consoante jurisprudência atual:

“Esta  Corte  Superior  já  entendeu  que  o  prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto n. 20.910/1932 e no Decreto-Lei n. 4.597/1942,  ‘aplica-se  apenas  às  pessoas  jurídicas  de  direito público  (União, Estados, municípios, Distrito Federal, autarquias e fundações públicas), excluindo-se, portanto, as pessoas jurídicas de direito  privado  da  Administração  Pública Indireta (sociedades de economia  mista,  empresas  públicas e fundações)’ (…) O prazo de prescrição quinquenal previsto no Decreto n. 20.910/32 não  se  aplica  à  Itaipu  Binacional,  empresa  pública criada por tratado  firmado  entre o Brasil e o Paraguai, devendo-se observar o lapso  vintenário previsto no art. 177 do Código Civil de 1916”.[1]

Cumpre destacar o posicionamento dos Tribunais Superiores sobre a não incidência das regras do Decreto nº 20.910/32 às permissionárias e concessionárias[2], bem como sobre a prevalência de norma especial de direito administrativo, como a fixada no Decreto nº 20.910 sobre regra inserida em outro texto normativo:

“V  –  O Decreto 20.910/32, por ser norma especial, prevalece sobre a lei  geral.  Desse  modo,  o  prazo prescricional para a cobrança de débito  relativo ao FGTS em face da Fazenda Pública é de cinco anos. VI – Aplica-se, por analogia, o disposto na Súmula n. 107 do extinto TFR:  “A ação de cobrança do crédito previdenciário contra a Fazenda Pública está sujeita à prescrição qüinqüenal estabelecida no Decreto n.  20.910, de 1932”. VII – Esse mesmo entendimento foi adotado pela Primeira  Seção/STJ,  ao  apreciar  os  EREsp  192.507/PR (Rel. Min. Eliana   Calmon,   DJ  de  10.3.2003),  em  relação  à  cobrança  de contribuição previdenciária contra a Fazenda Pública.”[3]

Quando incidente o quinquênio previsto no artigo 1º do Decreto Federal nº 20.910/32 início da fluência dos 5 (cinco) anos ocorre com o surgimento da pretensão (poder de exigir a ação ou omissão indevida), mais precisamente a partir do momento em que se torna viável requerer em Juízo a prestação inadimplida. Certo é que a exigibilidade do direito descumprido, mediante recurso ao Judiciário via ação de conhecimento, somente é possível a partir do momento em que seja passível de ciência, pelo interessado, do ilícito administrativo. Presente tal condição, o prazo de cinco anos transcorrerá e, ao final, se mantida a inércia do titular do direito subjetivo violado, prescrita estará a sua pretensão. Nesse sentido, são múltiplos os julgados: “É pacífico no STJ o entendimento de que o termo a quo para contagem do prazo prescricional se dá a partir da ciência inequívoca do ato lesivo.”[4]

“O curso do prazo prescricional do direito de reclamar inicia-se somente quando o titular do direito subjetivo violado passa a conhecer o fato e a extensão de suas consequências, conforme o princípio da actio nata.”[5]

“Em relação ao termo inicial da prescrição, deve ser observada, in casu,  a  teoria da actio nata, em sua feição subjetiva, pela qual o prazo  prescricional  deve  ter  início  a partir do conhecimento da violação ou da lesão ao direito subjetivo. 5.  Para  tanto,  necessário  analisar  as  peculiaridades  do  caso concreto,   identificando   quatro  aspectos:  (i)  qual  o  direito subjetivo  em  discussão;  (ii)  qual  o momento em que foi violado; (iii)  quando  o  titular  teve  ciência  inequívoca  acerca  de sua existência  e da extensão de suas consequências; e (iv) qual o prazo prescricional a ser observado.”[6]

Tem-se que o início da contagem do prazo prescricional é o momento em que constatada a lesão, conforme o seguinte entendimento do STJ: “O termo inicial do prazo prescricional dá-se, como regra, no momento em que constatada a lesão e seus efeitos, conforme o princípio da actio nata.”[7]

“As ações que visam discutir a responsabilidade civil do Estado prescrevem em cinco anos, nos termos do Decreto 20.910/1932.  2.  O termo inicial do prazo prescricional dá-se, como regra, no momento em que constatada a lesão e seus efeitos, conforme o princípio da actio nata. 3. In casu, o prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932, aplicável às ações indenizatórias propostas contra a Fazenda, começou a fluir na data em que foi expedido erroneamente o oficio com o valor da pensão alimentícia a menor, momento a partir do qual a direito de ação poderia ter sido exercido. Não há relação de trato sucessivo. 4.  Consoante se extrai da  leitura do acórdão recorrido, o erro judiciário ocorreu em  outubro de 1997, tendo sido a ação ajuizada somente  em  janeiro  de  2012,  de  modo  que a prescrição deve ser reconhecida.”[8]

Não se ignora entendimentos em sentido diverso como o exarado pelo mesmo STJ em decisão na qual se apontou a irrelevância do conhecimento pelo titular em recurso repetitivo: “5.1 É de cinco anos o prazo prescricional para cobrança de diferenças de correção monetária e juros remuneratórios sobre os valores recolhidos a título de empréstimo compulsório à ELETROBRÁS. 5.2 TERMO A QUO DA PRESCRIÇÃO: o termo inicial da prescrição surge com o nascimento da pretensão (actio nata), assim considerada a possibilidade do seu exercício em juízo. Conta-se, pois, o prazo prescricional a partir da ocorrência da lesão, sendo irrelevante seu conhecimento pelo titular do direito.”[9]

A despeito de tal controvérsia, reconhece-se a logicidade da posição majoritária que exige o conhecimento, por parte do titular, da conduta contrária aos seus interesses, sendo esse (o momento em que nasce a pretensão) o início do prazo prescricional. Afinal, se a prescrição pressupõe a inércia como um dos requisitos para a estabilização do comportamento ilícito pelo transcurso do tempo, é necessário que o prejudicado (titular do direito descumprido) saiba da ofensa ao seu universo jurídico e permaneça desidioso em manifestar sua irresignação. Se não há conhecimento da ilicitude, não há desídia nem inércia possível por parte do titular do direito e, logo, não há que se falar em prescrição.

Uma vez em curso o prazo prescricional, é mister atentar para a interrupção consagrada no artigo 3° do Decreto-Lei n° 4.597, de 19.08.42: “A prescrição das dívidas, direitos e ações a que se refere o Dec. 20.910, de 6 de janeiro de 1932, somente pode ser interrompida uma vez, e recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu, ou do último do processo para a interromper; consumar-se-á a prescrição no curso da lide sem­pre que a partir do último ato ou termo da mesma, inclusive da sentença nela proferida, embora passada em julgado, decorrer o prazo de dois anos e meio.”

Há possibilidade de interrupção do prazo prescricional uma única vez; desde o ato interruptivo recomeça-se a contar o prazo pela metade da data que o interrompeu ou do último ato do processo que a interrompeu (ou seja, a partir da data em que ocorreu a interrupção ou do último ato processuais conta-se o período restante de dois anos e meio). Nesse sentido, tem-se a Súmula 383 do STF: “A prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo.”

Nesse contexto, é possível assim estruturar as conclusões a propósito do prazo de prescrição de direitos pessoais de terceiros em face da Administração Pública: a) o prazo de prescrição é de 05 (cinco) anos, contados a partir do surgimento da pretensão; b) é cabível a interrupção do lapso quinquenal de prescrição uma única vez; c) se a interrupção ocorreu até dois anos e meio após o início do prazo, não se admite que a prescrição seja inferior a 5 anos (Súmula 383 do STF): o lapso temporal do artigo 1º do Decreto Federal nº 20.910/32 transcor­rerá normalmente, como se interrupção não tivesse ocorrido; d) se a interrupção ocorreu após dois anos e meio seguintes ao início do prazo prescricional, incide a regra do artigo 3º do Decreto-Lei nº 4.597/42, recomeçando os cinco anos “a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu, ou do último do processo para a interromper”. Ou seja, se a interrupção ocorreu depois de já passados dois anos e meio do prazo de prescrição, deve-se acrescer, após o ato interruptivo, mais 02 anos e meio de lapso temporal, ao fim dos quais prescrita estará a pretensão do interessado; e) em princípio, admite-se uma única vez a interrupção do prazo prescricional.

Em relação às causas de interrupção e de suspensão da prescrição, entende-se incidentes as regras do novo Código Civil (artigo 197, 198, 199, 202) e o artigo 4º do Decreto nº 20.910/32 que prevê causa suspensiva específica para as relações jurídicas de direito administrativo, a saber: não corre prescrição durante a demora que, no estudo, no reconhecimento ou no pagamento de dívida considerada ilíquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la. Em relação às hipóteses do artigo 202 do CC, destacam-se, pela relevância potencial nas relações de direito público, o despacho do juiz, mesmo incompeten­te, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei proces­sual; qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pela Administração Pública; ou qualquer ato judicial que constitua em mora o Estado devedor. Observe-se a viabilidade de outras hipóteses de interrupção previstas em legislação específica de direito administrativo, como a prevista no artigo 19, § 2º da Lei de Arbitragem, já sendo reconhecida pela jurisprudência.[10]

Reitere-se a regra do art. 4º do Decreto 20.910/32, segundo a qual “Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, no reconheci­mento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la” à qual se acrescentar o parágrafo único: “A suspensão da prescrição, neste caso, verificar-se-á pela en­trada do requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos das repartições públicas, com designação do dia, mês e ano.” Nos termos do art. 9º, a prescrição volta a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo.

Sobre a interrupção do prazo prescricional em razão do reconhecimento expressado pela Administração Pública, confiram-se os seguintes julgados:

“1. O reconhecimento pela Administração Pública do direito vindicado pelos servidores constitui causa de interrupção da prescrição, que corresponde ao termo inicial da fluência do prazo prescricional. Precedentes.

  1. Segundo os arts. 8º e 9º do Decreto n.º 20.910/32, que regula a prescrição qüinqüenal, a prescrição somente poderá ser interrompida uma única vez, sendo certo que o prazo recomeçará a correr pela metade.
  2. A Administração Pública Federal, por meio da Medida Provisória n.º 1.704, de 30/061998, reconheceu o direito dos seus servidores às diferenças entre o percentual de 28,86% e os valores percebidos a título de reposicionamentos previstos na Lei n.º 8.627/93, desde janeiro de 1993, o que implicou a renúncia tácita do prazo prescricional já transcorrido.
  3. O reconhecimento administrativo ocorrido com a edição da Medida Provisória n.º 1.704/98 fixou, em 30/06/1998, o termo a quo do prazo prescricional para os servidores pleitearem em juízo as diferenças do reajuste de 28,86% desde janeiro de 1993; sendo certo que o termo final da prescrição da pretensão de perceber as referidas diferenças, repisa-se, desde janeiro de 1993, se deu em 30/12/2000, ou seja, após o decurso da metade do prazo de cinco anos do termo inicial, nos termos do art. 9º do Decreto n.º 20.910/32.
  4. Para as ações ajuizadas após o mencionado termo final – 30/12/2000 –, deve incidir o entendimento sufragado na Súmula n.º 85/STJ, no sentido de reconhecer como prescritas as parcelas anteriores ao qüinqüênio que antecede a propositura da ação.”[11]

“A jurisprudência deste STJ entende que o reconhecimento administrativo do débito interrompe o prazo prescricional, não cabendo falar em ofensa aos artigos 1º e 3º do Decreto 20.910/32.”[12]

Já era clássica a lição de Hely Lopes Meirelles ao tratar dos meios de se interromper a prescrição, explicitando que, se a interrupção da prescrição se der pelo ajuizamento de ação ou mandado de segurança, susta-se a fluência do prazo desde a citação ou a notificação e só é restabelecido no final da demanda, qualquer que seja a decisão.[13]

Especificamente sobre o prazo de prescrição em relação às ações indenizatórias, tem-se orientação do STJ no sentido de que o prazo prescricional das ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública é quinquenal (Decreto n. 20.910/1932), tendo como termo a quo a data do ato ou fato do qual originou a lesão ao patrimônio material ou imaterial.[14]

Malgrado divergência doutrinária, pode ser indicado como “leading case”, em sede de Recurso Repetitivo, o seguinte acórdão do STJ: “o atual e consolidado entendimento deste Tribunal Superior sobre o tema é no sentido da aplicação do prazo prescricional quinquenal – previsto do Decreto 20.910/32 –  nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002.”[15]

 

3. Prescrição dos direitos reais de terceiros perante o Poder Público

Em se tratando de direitos reais, pacificou-se doutrinária e jurisprudencialmente, à época do Código Civil de 1916, a não-incidência do prazo de prescrição quinquenal previsto no artigo 1° do Decreto n° 20.910/32. Incidiam os prazos de 10 (dez) ou 15 (quinze) anos, nos termos do então vigente artigo 177: “As ações pessoais prescrevem ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez), entre presentes, e entre ausentes em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas.” O Código Civil de 2002 não mais distingue prazos prescricionais para direitos reais e pessoais como fazia o artigo 177 do CC/16, sendo esta a regra do artigo 205: “A prescrição ocorre em 10 (dez) anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”.

O Superior Tribunal de Justiça fixou para as ações que envolvam direitos reais o prazo de prescrição comum do Código Civil: “II – Sem embargo do disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32, que expressamente prevê que a prescrição qüinqüenal tem aplicação em qualquer tipo de direito ou ação em face da Fazenda Pública, é assente na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que, em se tratando de ações que envolvam direitos reais, o prazo prescricional é o comum, ou seja, o do Código Civil.”[16]

Observe-se que, depois do CC/2002, houve quem entendesse que, a partir de janeiro de 2003 (início da vigência do novo CC), dever-se-ia observar o prazo de prescrição de 05 (cinco) anos do Decreto Federal n° 20.910/32 também para os direitos reais. Em posição radicalmente oposta, alguns estudiosos entenderam que se deveria observar o prazo de prescrição aquisitiva, vale dizer, de usucapião. [17]

Pedindo vênia às posições segundo as quais o prazo de prescrição de direitos reais passou a ser o do artigo 1° do Decreto n° 20.910/32 ou o de usucapião, não se entende que direitos reais (como, v.g., enfiteuse, concessão de direito real de uso do Decreto-Lei n° 271/67, direito de superfície do Estatuto da Cidade, direito à retrocessão, concessão de uso especial para fins de moradia da MP n° 2.220/01 ou servidão administrativa) que terceiros necessitem defender perante a Administração, em face da inadimplência pública, possam sujeitar-se ao reduzido prazo de 05 (cinco) anos do Decreto Federal n° 20.910, nem mesmo ser confundidos com aquisição da propriedade mediante usucapião. Corrobora a impossibilidade de submissão ao artigo 1.238 do NCC que estabelece 15 (quinze) anos para usucapião, até mesmo a imprescritibilidade dos bens públicos que impede que terceiro apresente pretensão de usucapir bens integrantes do patrimônio público, sendo clara a impossibilidade de se confundir com prescrição aquisitiva quaisquer dos direitos reais enumerados.

Assim, em se tratando de direitos reais de terceiros violados pela Administração, deve incidir o artigo 205 do novo Código Civil que veicula regra geral de prazo decenal de prescrição na ausência de prescrição normativa específica, tendo o STJ decidido no mesmo sentido.[18]

Não se ignore a importante repercussão de questão intertemporal decorrente da regra do artigo 2.028 do Código Civil vigente: “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.” Em razão do referido dispositivo, tem-se que, se em 11.01.2003 (início da vigência do novo CC), já tiver transcorrido mais da metade do prazo de 20 anos (anterior), conclui-se o prazo vintenário. Caso contrário (ou seja, se em 11.01.2003 tiver transcorrido menos da metade do prazo anterior de 20 anos), incide o novo prazo do artigo 205 de 10 anos. O termo inicial é a data do início de vigência do CC/02, qual seja, 11.01.2003.[19]

 

4. Prescrição na hipótese de desapropriação indireta

É importante esclarecer, por fim, o prazo que alguém prejudicado com desapropriação indireta levada a efeito pelo Estado tem para aviar a sua pretensão. O primeiro aspecto a se destacar é que, neste caso, cabe ao titular do bem esbulhado requerer perdas e danos cuja natureza jurídica não é de direito pessoal, pois levará à efetiva aquisição do bem pela Administração Pública.

Isso posto, insta notar que, à época do Código Civil de 1916, a Súmula 119 do STJ já assentara que o prazo prescricional era o de 20 (vinte) anos fixado pelo artigo 550 para a usucapião extraordinário. No Código Civil de 2002, entretanto, o artigo 1.238 reduziu o prazo de usucapião para 15 (quinze) anos (independente de justo título de boa-fé), fixando que serão 10 anos se o possuidor houver estabelecido sua moradia habitual no imóvel ou se nele tiver realizado obras ou serviço de caráter produtivo. Segundo o CC também será de 10 (dez) anos no caso de justo título e boa-fé, possibilidade que não se entende possível em se tratando de desapropriação indireta, à obviedade.

Destaque-se que também aqui é preciso cumprir a regra do artigo 2.028 do Código Civil de 2002, observando-se a questão do direito intertemporal, nos mesmos moldes já explicitados.

Tem-se, nesse contexto, que se a Administração Pública não pagar, espontaneamente, as perdas e danos pelo esbulho possessório cometido após a vigência do Novo Código Civil, apenas depois de decorridos 15 anos terá o bem incorporado ao domínio público. O referido prazo tem início na data do apossamento pelo Estado, sendo esta a posição do Superior Tribunal de Justiça.[20]

Não se ignora ADI nº 2.260-DF nem a decisão “initio litis” do STF suspendendo a MP nº 2.183-56, de 24.08.2001 que deu nova redação ao artigo 10, parágrafo único do Dec.-Lei nº 3.365/41 e estabeleceu prazo prescricional de cinco anos para o direito de propor ação de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta. (Informativo 275 do STF). É certo que, após deferida a liminar na ADI nº 2.260, não mais surtiu efeito a redução da MP 2.183-56 para 5 (cinco) anos do prazo prescricional incidente na desapropriação indireta, devendo-se observar a regra do artigo 1.238 do CC/02.

O Ministro Joaquim Barbosa, então novo Relator da mencionada ADI, entendeu que a redação atribuída ao parágrafo único do artigo 10 do Decreto-Lei nº 3.365 pela Medida Provisória nº 2.183-56/2001 (extingue-se em cinco anos o direito de propor ação que vise a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público) levou à perda de objeto ação. Na parte dispositiva da decisão prolatada em 27.05.2004, invocou a ausência de aditamento da inicial da ADI, bem como a alteração substancial do dispositivo impugnado, com redação conforme ao que ficara decidido na cautelar. Julgou, assim, prejudicado o pedido de inconstitucionalidade aviado na inicial. Registre-se que parte da doutrina, embora entendendo inconstitucional a redação atribuída ao dispositivo, assevera que o mesmo “persistirá no sistema, com o beneplácito do STF, maiormente depois da EC 32”. Não se compreende que a redação atual do artigo 10, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 3.365/41 inclui a ação de desapropriação indireta. O citado dispositivo somente prescreve prazo prescricional para ações de ressarcimento “por restrições decorrentes de atos do Poder Público”. O STF, ao decidir a liminar na ADI nº 2.260, já esclarecera que a prescrição extintiva da ação de indenização por desapropriação indireta distingue-se da prescrição que incide no caso de indenização por restrições resultantes de atos administrativos. Na desapropriação indireta, fere-se a garantia constitucional da indenização prévia justa e em dinheiro (artigo 5º, XXIV, da CR) e há supressão do direito dominial. Já as restrições, “como as de defesa ambiental, as administrativas e as servidões públicas, que ensejem indenização, não se caracterizam elas como casos de desapropriação”, porquanto não há, aqui, perda da propriedade, como bem asseverou o então Ministro Moreira Alves. Consequentemente, se o parágrafo único do artigo 10 fixa prazo prescricional de 05 (cinco) anos somente para os casos de “indenização por restrições”, é inviável estendê-lo às situações de supressão do direito de propriedade, que é exatamente o que ocorre na desapropriação indireta.

Portanto, que o prazo prescricional para requerer indenização na desapropriação indireta não é de 05 (cinco) anos, sendo inconstitucional pretender a instituição de usucapião com prazo tão reduzido, decorrente de ilícito administrativo. Cumpre observar, como regra, o prazo de 15 (quinze) anos do artigo 1.238 do CC. Admite-se a redução para 10 (dez) anos, se o Poder Público tiver realizado obras ou serviços de caráter produtivo na área esbulhada (artigo 1.238, parágrafo único, do CC).

Diante de tais conclusões, explicita-se que o prazo de 15 anos pode ser interrompido por ato de reconhecimento do Poder Público (ex: processo administrativo ou cobrança tributária), sendo iterativa a jurisprudência do STJ “no sentido de que o prazo prescricional das ações de desapropriação indireta se inicia com o ilegítimo apossamento administrativo, mas se interrompe com a publicação do decreto de utilidade pública do imóvel”.[21]

[1] Agravo em REsp nº 640.815-PR, rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª Turma do STJ, DJe de 20.02.2018.

“5. No caso, a recorrida CODEPLAN, empresa pública dotada de personalidade jurídica de direito privado integrante da administração pública indireta do Governo do Distrito Federal, não integra o conceito de Fazenda Pública, não havendo falar em prazo quinquenal para eventual ajuizamento de ação visando ao ressarcimento de valores não pagos.” (REsp nº 1.689.831-DF, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma do STJ, DJe de 19.12.2017)

[2] REsp nº 1.117.903-RS, rel. Min. Luiz Fux, 1ª Seção do STJ, julgado em 9/12/2009, Informativo 419 do STJ

[3] Agravo Interno no REsp nº 1.588.052-MG, rel. Min. Francisco Falcão, 2ª Turma do STJ, DJe de 10.11.2017

[4] Emb. de Declaração no Agravo em REsp nº 403.299-PR, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma do STJ, DJe de 24.06.2014

[5] REsp nº 1.257.387-RS, rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma do STJ, DJe de 17.09.2013

[6] REsp nº 1.643.250-RS, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma do STJ, DJe de 30.06.2017, sem destaque no original

[7] REsp nº 1.662.621-GO, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma do STJ, DJe de 16.06.2017

[8] REsp nº 1.662.621-GO, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma do STJ, DJe de 16.06.2017.

No mesmo sentido: REsp nº 1.659.620-SP, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma do STJ, DJe de 11.05.2017

[9] REsp nº 1.003.955-RS rel. Min. Eliana Calmon, 1ª Seção do STJ, julgamento em 27.11.2009, RSTJ, v. 217, p. 461

Recurso repetitivo (Tema 529): “4.  Pelo  princípio  da  actio  nata,  o direito de ação surge com a efetiva  lesão  do  direito tutelado, quando nasce a pretensão a ser deduzida em juízo, acaso resistida, nos exatos termos do art. 189 do Novo Código Civil.” (REsp nº 1.270.439-PR, rel. Min. Castro Meira, 1ª Seção do STJ, DJe de 02.08.2013)

[10] “Somente com o advento da Lei n. 13.129/2015, que modificou a Lei de Arbitragem, passou a existir no ordenamento jurídico pátrio expressa previsão acerca da instituição do procedimento arbitral como causa de interrupção da prescrição (art. 19, § 2º, da Lei n. 9.307/1996).” (Agravo em REsp nº 640.815-PR, rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª Turma do STJ, DJe de 20.02.2018)

[11] REsp 897.860-SC, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma do STJ, DJU de 17.12.2007, p. 311

[12] Agravo Regimental no Agravo n. 945.757-SP, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma do STJ, DJU de 18.02.2008, p. 93

[13] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 711

[14] Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 – Tema 553

(Agravo Regimental no Agravo em REsp nº 850.760-RS, rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma do STJ, DJe de 15.04.2016; Agravo Regimental nos Embargos em Agravo nº 1.416.435-RS, rel. Min Napoleão Nunes Maia, 1ª Seção do STJ, DJe de 18.11.2015; Agravo Regimental no REsp nº 1.375.450-DF, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma do STJ, DJe de 12.09.2013)

[15] (REsp nº 1.251.993-PR, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção do STJ, DJe de 19.12.2012)

No mesmo sentido: REsp nº 1.267.108-RS, rel. Min. OG Fernandes, 2ª Turma do STJ, DJe de 13.03.2018

Posição doutrinária minoritária em sentido contrário: WILLEMAN, Flávio de Araújo. Prescrição da pretensão regressiva nas hipóteses de responsabilidade civil do Estado. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 15, n. 59, p. 91-102, out./dez. 2017

[16] REsp nº 770.014-MT, rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma do STJ, DJU de 19.12.2005

[17] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 990

[18] REsp nº 770.014-MT, rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma do STJ, DJU de 19.12.2005 (já citado supra)

[19] Sobre o recomeço da contagem do prazo prescricional, confira-se: RODRIGUES, Ana Paula Coimbra. Revista bimestral de Direito Público, ed. Fórum, ano IX, 2007, n. 46, nov/dez de 2007, p. 247-257

[20] REsp nº 258.021-SP, rel. p/ acórdão Min. Eliana Calmon, 2ª Turma do STJ, DJU de 08.09.2003, p. 314

“1. A Ação de Desapropriação Indireta foi proposta em 11/3/2010, quando transcorridos apenas 7 (sete) anos da vigência do atual Código Civil em 11/1/2003, o que leva a concluir que a pretensão da parte autora não estava fulminada pela prescrição. 2. O marco inicial de contagem do novo prazo prescricional regido pelo atual Código Civil é o dia 11/1/2003, data em que entrou em vigor o referido Codex.” (Agravo Regimental no Agravo em REsp nº 1.622.218-SP, rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª Turma do STJ, DJe de 06.12.2017)

[21] REsp nº 151.243-PR, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, 2ª Turma do STJ, DJU de 02.05.2000, p. 130

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